Num país em que metade da população é negra ou parda e que enfrenta uma das maiores desigualdades sociais do mundo é necessário a reflexão e ações para reverter esse quadro. Na Baixada de Jacarepaguá, os negros também estiveram presentes. Relegados ao silêncio, eles eram os trabalhadores dos inúmeros engenhos e fazendas da região. Eles construíram a identidade do sertanejo carioca. Construíram quilombos, comunidades, centros religiosos e marcaram presença na história da Baixada de Jacarepaguá.
quarta-feira, 25 de novembro de 2020
20 de novembro: vivências e resistências
segunda-feira, 9 de novembro de 2020
Novo livro sobre o Sertão Carioca
Novo livro sobre o Sertão Carioca.
Pesquisador Leonardo Soares do IHBAJA lança novo livro sobre a zona rural carioca.
A Zona Rural do Município do Rio de Janeiro, título do livro, conta a história de formação dessa importante região da cidade ao longo da primeira metade do século XX.
O livro pode ser obtido por meio do seguinte endereço: https://www.agbook.com.br/backstage/my_books/345795
sábado, 17 de outubro de 2020
Novo Boletim Informativo do IHBAJA
Apresentamos
o novo número do Boletim Informativo do IHBAJA. Retornando após uma pausa de
mais de um ano, o Boletim apresenta um novo formato e diagramação. Nosso
objetivo inicial de apresentar nossas atividades e pesquisas continua,
entretanto percebemos que esse também pode ser um espaço de acolhimento para
pesquisadores e coletivos que pensam Jacarepaguá e o subúrbio do Rio em seus
mais diferentes aspectos.
Em época de pandemia, a vida cotidiana foi
ressignificada. Velhos hábitos foram substituídos por novos e infelizmente os
encontros calorosos precisam esperar. Nossas caminhadas, tão procuradas, estão
suspensas, assim como encontros e participações em eventos. Contudo, nossas
pesquisas não pararam e elas podem ser vistas no Facebook e no Instagram do
IHABAJA. Neste Boletim, os leitores encontrarão textos de nossos pesquisadores
sobre os mais diferentes aspectos históricos, geográficos e sociais da Baixada
de Jacarepaguá. Além disso, entendemos que esse pode ser um espaço para agregar
novas visões de pesquisadores, intelectuais e coletivos parceiros do IHBAJA e
que pensam a cidade do Rio de Janeiro. Por isso, convidamos para esta edição o
historiador Rafael Mattoso, que abre nosso Boletim com um excelente texto
reflexivo sobre o subúrbio e a urgência em reconhecer suas pluralidades e
importâncias.
Entre nossos membros, Valdeir Costa
apresenta uma breve história da ocupação da região, desde a pré-história,
passando pela ocupação indígena, pela colonização portuguesa e os loteamentos
na Barra da Tijuca. Já Janis Cassilia, apresenta a ocupação da Baixada de
Jacarepaguá por grandes hospitais como um projeto de medicalização da cidade do
Rio de Janeiro, e a criação de dois hospitais colônias, a Colônia Juliano
Moreira e o Curupaiti. Seguindo uma linha cronológica, Leonardo Soares,
apresenta a Aliança Nacional Libertadora, a atuação de Pedro Coutinho e de
outros militantes comunistas em Jacarepaguá e no Rio em plena repressão do
Governo Varguista. Renato Dória analisa os conflitos fundiários em Jacarepaguá
no ano de 2013, que tiveram movimentos sociais como protagonistas de ação como
quilombolas, produtores agrícolas e residentes de comunidades, contra as
remoções promovidas em nomes de mega eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as
Olimpíadas de 2016. E João Magalhães apresenta o projeto “Poesia
Jacarepaguense” e textos de sua autoria.
Esse mês comemoramos 426 anos do
aniversário de Jacarepaguá. O lançamento deste Boletim nesta data é uma forma
singela de comemoração do IHBAJA para com a Baixada de Jacarepaguá.
Parabenizamos a todos os moradores, antigos e atuais. Às pessoas que caminham
por nossas ruas, que trabalham e vivem na região. Mais do ruas, lojas,
empresas, escolas e outros prédios e usos, um local é feito de pessoas, as
vivências e significações que estabelecem com seu entorno. Jacarepaguá é
moradia, é luta, é história. Parabéns a todos nós.
Boletim Informativo 2020.1 Acesse aqui!
Janis Cassilia
(Professora de História e pesquisadora do IHBAJA)
sexta-feira, 4 de setembro de 2020
Jacarepaguá e seus hospitais de isolamento
Por Janis Alessandra Pereira Cassilia
Professora de história e mestre em história das ciências e da saúde (COC/Fiocruz)
No início do século XX, a cidade do
Rio de Janeiro, então capital federal passou por uma série de transformações urbanísticas
e sociais. Casarões e cortiços, lares dos mais pobres eram demolidos enquanto
as chamadas “classes perigosas” se dirigiam para zonas mais afastadas, formando
as primeiras favelas e bairros do subúrbio da zona norte. Ao mesmo tempo, a
elite começa a direcionar suas residências e palacetes para a zona sul à
procura de ares mais sadios e longe das doenças do centro. Procurava-se
produzir uma cidade organizada e “civilizada” aos moldes europeus como vitrine
de um país modernizado de acordo às ideias da recém proclamada república
brasileira.
Longe do burburinho do centro, Jacarepaguá
era considerada zona rural do município, o chamado “sertão carioca”, com fazendas,
sítios e chácaras que produziam hortaliças, frutíferas e outros gêneros. O
acesso era difícil, feito a carroça, charrete ou a pé. Durante muito tempo a
estação de trem mais próxima ficava em Cascadura, e a linha do bonde (à tração
animal e depois elétrico) seguia da Praça Seca até o Tanque. Grande parte da
região, ainda conservava os velhos casarões e fazendas coloniais, muitos deles
de antigas famílias nobres e de ordens religiosas.
No meio de tantas transformações,
intelectuais, políticos, médicos e sanitaristas pensavam a cidade do Rio de
Janeiro como uma cidade doente que deveria ser medicalizada e higienizada. Enquanto
o movimento pela vacina era visto como medida primordial para o combate de
doenças, pensava-se que o tratamento de outras doenças deveria ser realizado em
isolamento e longe dos centros urbanos. Diversos argumentos eram utilizados
para implantar esse modelo de tratamento e assistência, como retirar da cidade
a fim de proteger os doentes dos olhares dos habitantes, impedir a circulação
de vadios e personagens violentos, além de proporcionar a esses indivíduos um
local sadio e em meio à natureza.
Para isso, a área de Jacarepaguá foi
eleita como lugar ideal para a criação de hospitais de isolamento de tratamento
de doenças como tuberculose, lepra e doença mental, pois oferecia o clima e a
distância necessárias para tal feito. Entre as décadas de 1920 e 1950 quatro
hospitais foram criados na Baixada de Jacarepaguá, todos obedecendo os
critérios de locais de isolamento e tratamento dessas doenças.
Construídos na década de 1920, a Colônia Juliano Moreira e o Hospital-Colônia Curupaiti, estavam dentro dos
parâmetros do conceito de Hospital-Colônia, um local de grande extensão
espacial, longe dos centros urbanos e de difícil acesso, onde além do
tratamento houvesse meios de formação de um espaço de sociabilidades dentro do
hospital e controlado pela equipe médica. Inaugurados nas décadas de 1940
e 1950, o Hospital de Santa Maria e o Conjunto Sanatorial da Curicica, de
atendimento a tuberculosos, estavam inseridos em uma política de erradicação da
Tuberculose do Governo Federal. Eram grandes instalações que preconizavam o
isolamento como forma de tratamento e de impedir a propagação da doença. É
característico destes espaços a internação compulsória e o longo tempo de
internação, culminando muitas vezes em grande parte da vida do paciente.
Colônia
Juliano Moreira (atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Mental
Juliano Moreira)
Até
a década de 1950, possuía 4 núcleos com diversos pavilhões, incluindo um para
cirurgias como lobotomia e tratamento por eletrochoque e choque químico, e
passou a ser visto como o mais importante hospital psiquiátrico do Brasil. No
auge do seu funcionamento, a colônia chegou a atender quase 8 mil internos,
possuir 4 núcleos divididos em 2 masculinos e 2 femininos, pavilhões para
tuberculosos, pavilhões de isolamento para pacientes perigosos, necrotério,
hospital de cirurgias, cinema, rádio, hortas e oficinas mecânicas e de
colchões, campo e time de futebol, clube recreativo, igreja, vila de casas para
funcionários, casa do diretor e de médicos e biblioteca.
Contudo a superlotação e os cortes no orçamento
contribuíram para a depredação e abandono de pavilhões e núcleos. Enquanto isso,
a comunidade interna aumentava e ganha feições de bairro integrado ao resto da
cidade.
Apesar de sua estrutura, inúmeras eram as
histórias de abandono e de dificuldades dos pacientes. Muitos eram para lá
encaminhados de outras instituições psiquiátricas, correcionais ou até mesmo da
polícia e eram internados de forma compulsória. Nos anos 70 e 80 as denúncias
de maus tratos ganharam força e impulsionaram o movimento da reforma
psiquiátrica.
Hoje, a área é dividida pela Prefeitura do
Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz e o Exército, e é cortada por uma via
expressa (a transolímpica). Algumas unidades de tratamento ainda existem como o
Hospital Jurandyr Manfredini e pavilhões dos núcleos Rodrigues Caldas e Franco
da Rocha. Outros prédios do antigo hospital sofrem com a descaracterização,
invasões e abandono.
Hospital
Colônia Curupaiti (atual Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária –
Hospital Curupaiti Dermatologista)
"Esta Casa foi a sede de administração até 1937. Hoje o Hospital tem lotação para 400 doentes e é centro de leprologia". Hospital Colônia de Curupaiti, fundado em Jacarepaguá, Distrito Federal, em Outubro de 1928. Acervo Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz. Fiocruz. Disponível em: http://basearch.coc.fiocruz.br/
Fundado em 1928, em terreno elevado de
difícil acesso e de 130 mil m², o Hospital Colônia do Curupaiti, foi um dos
primeiros hospitais-colônia para o tratamento da hanseníase em controle do
Estado. Se tornou centro de referência no tratamento da doença apesar da
internação compulsória realizada no local. Começando com o tratamento de 53
pacientes, com o passar dos anos viu o número de internos e suas instalações
aumentarem. Possuía 3 pavilhões e abrigos masculinos, 1 pavilhão e abrigo
femininos, cineteatro, rádio, campo de futebol, hospital de cirurgias, prédio
de psiquiatria, prédio para tratamento de crianças, além de casas e vilas para
os internos, divididos entre solteiros e casais. A vida social dentro da
Colônia também era expressiva, dado a existência de muitas festas (como
casamentos e aniversários) e de festas religiosas (como carnaval, juninas,
entre outros). Além da presença da Igreja Católica, havia centro espírita,
centro de umbanda, igrejas evangélicas e centro budista.
A internação compulsória também foi uma
característica desta instituição. Assim como a doença mental, a hanseníase
(antiga lepra) trazia a seus enfermos o estigma do preconceito, e uma morte
social que precedia a morte física. Dentro da instituição, esses pacientes se
integravam a vida social lá existente enquanto recebiam tratamento para a
hanseníase. Muitos já curados permaneciam no Curupaiti devido a crença no
retorno da doença e na dificuldade de retornar a sociedade externa fora dos
muros do hospital-colônia.
Após a década de 1980, quando o
isolamento e a internação compulsória deixaram de existir, o espaço passou a sofrer
cada vez com o abandono e depredação das suas instalações. Atualmente em parte
do terreno foi criada uma comunidade. Os prédios do cineteatro, rádio e outros
instrumentos de socialização foram abandonados, com exceção de alguns centros
religiosos e do campo de futebol. Muitos
ex-pacientes continuam a residir dentro dos pavilhões com dificuldades de
mobilidade (provocadas pela doença ou por velhice) e de reinserção social (como
moradia e emprego). Outros constituíram família e residem em casas e vilas
dentro do hospital.
Hospital
Sanatório Santa Maria (atual Hospital Estadual Santa Maria)
Hospital de Santa Maria, em Jacarepaguá, s/d. Acervo pessoal.
Sua construção teve início em 1939,
em terras da antiga Fazenda Santa Maria. Foi inaugurado em 1943, mas só começou
a atender pacientes em 1945, com 26 enfermos transferidos do Hospital São
Sebastião. Era um hospital destinado ao isolamento e tratamento de tuberculosos,
com capacidade de 546 leitos, e fazia parte do projeto de construção de
diversos sanatórios no Brasil, a cargo do Departamento Nacional de Tuberculose
(DNT), do Ministério da Educação e Saúde (MES).
Localizado em terreno elevado de
difícil acesso, recebia pacientes transferidos de diversas instituições e a
partir dos anos de 1960 passou a estar sob a responsabilidade do governo estadual
e a prestar atendimento clínico e cirúrgico. Em meados dos anos de 1970, as
cirurgias foram interrompidas, dedicando-se à internação e isolamento dos
pacientes tísicos.
Com a passagem do tempo formou-se
uma comunidade ao redor do Hospital. Diversas enfermarias e pavilhões foram
desativados e abandonados. Nos últimos anos, os conflitos entre o tráfico de
drogas e a milícia que disputam território na região, atingiram o hospital que
foi fechado pelo poder público estadual em 2019.
Conjunto
Sanatorial de Curicica (atual Hospital Municipal Raphael de Paula Souza)
“Vista aérea das obras do Sanatório de Curicica”, fotografia com data de 25 de março de 1950. Fonte: Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Disponível em: http://basearch.coc.fiocruz.br/
O Conjunto Sanatorial Curicica
possuía capacidade para 1.500 leitos, era composto biblioteca, enfermarias,
laboratório, centro cirúrgico, maternidade, biblioteca, administração,
necrotério, alojamento para médicos e diretor, centro médico, biotério, capela,
estação de tratamento de esgoto, subestação de luz e força, entre outros
prédios típicos de hospitais de isolamento e que também existiam na Colônia e
no Curupaiti.
A partir da década de 1980, o
hospital foi dividido em duas partes. Uma administrada pelo município do Rio de
Janeiro, que compunha o hospital, os serviços ambulatoriais e a administração,
e outra composta pela Casa do Diretor e alojamentos que passaram a compor um
centro de pesquisa, Centro de Referência Hélio Fraga, da Escola Nacional de
Saúde Pública (ENSP), Fiocruz. A parte sob responsabilidade do município
encontra-se em estado de má conservação e completo abandono, com pavilhões,
enfermarias fechadas, inclusive o centro cirúrgico. Parte do terreno original do hospital sofreu
com invasões e a criação de uma comunidade. Além disso, foi construída uma
creche municipal e pavilhões foram demolidos pelo poder público alegando-se
perigo de desabamento.
quinta-feira, 13 de agosto de 2020
Pedro Coutinho em Jacarepaguá (Parte II)
Por Leonardo Soares dos Santos
Pedro
Coutinho em Jacarepaguá
Pedro Coutinho trabalhou,
profissionalmente falando, por muito tempo em Jacarepaguá. Ele chegou a fazer parte dos trabalhos de
saneamento levados a cabo na Baixada de mesmo nome durante a administração de
Hildebrando de Góis, fator que talvez tenha pesado na decisão (dele ou do partido) de
escolher o Sertão Carioca como área de atuação, muito embora não tenha se
restringido a ela. Justamente o que mais nos chama atenção na sua trajetória é
a diversidade de campanhas e organizações comunistas em que tomou parte (e ás vezes a frente) em diferentes regiões. Além de
Jacarepaguá, atuava também em Nova Iguaçu e no subúrbio da Leopoldina (Zona
Norte). Integrou quase que de forma simultânea as seguintes organizações: na década de 40 fez parte do Comitê Distrital de
Jacarepaguá, Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, Comissão de ajuda à Tribuna Popular (órgão do PCB),
Liga
Camponesa de Jacarepaguá, Liga Camponesa do Distrito Federal, Comitê
Democrático Progressista de Nova Iguaçu. Na década de 50 integrou o Centro Nacional de
Estudos e Defesa do Petróleo (CEPDEN), Comissão Executiva
Pró-Reforma Agrária, a Liga de Emancipação Nacional e a Associação Rural de
Jacarepaguá. Em função disso, Pedro Coutinho esteve na linha de frente de
Campanhas como as da nacionalização do petróleo, da Reforma Agrária, da
Imprensa Popular e pela defesa da posse da terra dos pequenos lavradores do
Sertão Carioca. Além de membro, ele exercia cargos de direção em algumas daquelas organizações. Foi o
primeiro presidente do Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá,[1]
fundado em junho de 1945, e posteriormente fez parte do seu Conselho Fiscal e
da Secretaria de Massa Eleitoral, chegando a se tornar seu presidente de honra.
Foi também presidente da Liga Camponesa de Jacarepaguá e membro da diretoria da
Liga Camponesa do Distrito Federal.[2]
Retomada
da atuação de Pedro em Jacarepaguá. Fonte:
Tribuna Popular, 16/02/1945, p. 4.
Segundo o agente da
polícia política encarregado da produção de seu dossiê, essa ampla inserção de
Pedro Coutinho em diferentes campanhas e organizações comunistas e,
principalmente, a posição de direção que exercia em várias delas se daria pelo
fato de estar “estreitamente ligado ao líder e chefes comunistas no país”,
tanto assim que foi “um dos organizadores e oradores de vários comícios do líder
LUIZ CARLOS PRESTES e outros chefes comunistas”, como o professor Henrique Miranda.[3]
Exagero ou não, o fato é que Pedro Coutinho parecia usufruir boa relação com
homens bem situados na estrutura partidária do PCB, pois além de ocupar
posições de direção daquelas entidades locais era também um dos dirigentes do
CEPDEN, organismo de âmbito nacional que se ocupava de uma das principais
frentes de luta do partido na década de 50, o da nacionalização do petróleo,
que tinha como lema “O Petróleo é nosso”. No final de outubro de 1951, era ele
quem presidia a “conferência sobre Petróleo e defesa da Economia Nacional”
realizada em Grajaú.[4] Pedro ainda organizaria vários eventos dessa
campanha em localidades do Sertão Carioca, como Cascadura, Campo Grande e
Jacarepaguá. Ele, dessa maneira, procurava incluir a zona rural no cenário dos
debates políticos: o Sertão Carioca era também lugar de debate e politização.
“Cícero”,
o segundo da esquerda para a direita, em evento do Comitê Democrático Progressista
de Jacarepaguá. Fonte: Tribuna Popular,
6/6/1945, p. 5.
Mas foi no exercício da
função de advogado das entidades sediadas em Jacarepaguá que Pedro Coutinho
deve ter despertado o mais
efetivo interesse por parte dos pequenos lavradores. É provável também que
muitos deles tenham se filiado àquelas entidades justamente por poder contar
com serviços jurídicos, tendo para isso apenas que pagar uma módica quantia
cobrada a todos os seus sócios. Ao menos, essa era a expectativa de muitos
sócios da Liga Camponesa de Jacarepaguá, na década de 40, e da Associação Rural
de Jacarepaguá, nas décadas de 50 e 60. E em todas elas Coutinho foi o seu
advogado. Ele também foi advogado da Associação de Lavradores de Campo Grande e
Guaratiba, onde tinha entre seus clientes Manoel Ferreira, objeto de uma ação
movida pelo “grileiro” Joaquim Rodrigues Pazo.[5]
Foi também um dos procuradores, junto com Heitor Rocha Faria, da comissão do
Distrito Federal da I Convenção Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, realizada
em São Paulo em 1953, eleita para participar dos trabalhos da Convenção Pela
Emancipação Nacional, no ano seguinte.
Mas há um outro ponto
importantíssimo presente na atuação de Pedro Coutinho (e na dos militantes
comunistas de uma maneira geral): a inserção que tinha na estrutura partidária,
possibilitou-lhe, entre outras coisas, atuar em diferentes campanhas e integrar
a direção de diferentes organizações, favorecendo a realização de um objetivo
que era muito caro ao PCB numa época de grande competição política com os
setores ligados ao trabalhismo de Getúlio Vargas, especialmente o PTB: a
unificação ou, ao menos, a integração desses movimentos numa frente comum de
luta, de modo que isso fortalecesse a imagem do PCB como o principal partido
das classes trabalhadoras.[6]
Nesse caso, ela poderia se dar sob a forma de manifestações de apoio,
solidariedade e mesmo de adesão, entre membros de diferentes lutas ou
campanhas.
Assim vemos Pedro, por exemplo, participar de atos
em favor da liberdade de Luiz Carlos Prestes e da extinção de todos os
processos judiciais contra ele, como o ato público na Associação Brasileira de
Imprensa, reunindo vários militantes do partido que atuavam nas forças armadas
(O Dia, 24/07/1953, p. 1).
Esse talvez tenha sido o
principal capital político que Pedro Coutinho tentou obter junto aos lavradores
organizados naquelas entidades, procurando, a todo momento, fazer com que eles
encampassem as bandeiras de outras campanhas do partido e, em contrapartida,
fazer com que essas campanhas tomassem como suas as reivindicações dos pequenos
lavradores do Sertão Carioca. Essa parece ter sido a sua grande tarefa ao
participar como convidado especial da assembleia organizada por posseiros de Curicica em comemoração a uma vitória que
obtiveram contra “grileiros” na justiça. Nela Coutinho teria conseguido a
adesão desses posseiros à Convenção pela Emancipação Nacional, chegando a
eleger para tanto uma comissão encarregada de acompanhar os trabalhos
preparatórios desse evento. Mas não sem antes assegurar a eles que “nenhuma
questão de importância para a vida do país escapará à discussão e à análise” da
Convenção. “Assim, os problemas mais sentidos dos Lavradores, inclusive os de
Curicica, serão ventilados”.[7]
Pedro
Coutinho Filho com alguns lavradores de Jacarepaguá na redação do Imprensa Popular de 26/04/1958. Fonte:
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1587, fl.03.
Dois anos depois vemos
Coutinho tentar unificar a pauta do movimento dos lavradores do Sertão Carioca
com outros movimentos, e consequentemente obter seu apoio. Foi o caso da reunião, por ele presidida, da Comissão
Executiva do Distrito Federal Pró-Reforma Agrária, na sede da Liga da
Emancipação Nacional. Nessa reunião ele conseguiu reunir dois deputados,
algumas lideranças sindicais como Lyndolpho Silva, representantes do Sindicato
dos Têxteis e representantes das Associações de Lavradores de Jacarepaguá e de
Coqueiros. As medidas discutidas foram a coleta de assinaturas pela Reforma Agrária,
cuja cota determinada foi de 320 mil, e a colaboração da Comissão ao II
Congresso de Lavradores do Distrito Federal.[8]
Em outubro de 1955, às
vésperas das eleições presidenciais daquele ano, o jornal comunista Imprensa Popular, demonstrando ter
certeza de que Pedro Coutinho tivesse sua atuação reconhecida pela grande
maioria dos lavradores do Sertão Carioca, chamou-o de “líder camponês”. Foi
nesta condição que ele conclamou “seus companheiros de profissão [os “camponeses” cariocas] a votar em J-J” (chapa presidencial composta
por Juscelino Kubitschek e João Goulart). Só “com êles”, continuava Coutinho,
“teremos o clima desejável para que consigamos vencer os grileiros, a
distribuição de terras aos lavradores, títulos definitivos das terras já
cultivadas pelos posseiros, revisão dos contratos e fixação à terra, concessão
de crédito fácil”, etc.
As estratégias de atuação do advogado dos
“camponeses cariocas”
Além de se ater aos aspectos técnicos das demandas
judiciais dos pequenos lavradores, Pedro Coutinho sempre procurou fortalecer
tais iniciativas investindo na frente política. Para que isso fosse possível
ele sempre teve muito claro que era necessário unificar o discurso dos pequenos
lavradores. Daí que todos orientados por ele declarassem ter ocupado os
terrenos em litígio há várias décadas (geralmente de três a quatro, nunca menos
que isso), estando tais terras no ato da ocupação completamente abandonadas. Ou
seja, tratavam-se de terras devolutas que teriam sido ocupadas de maneira
legal, não simplesmente invadidas, e de forma inteiramente “mansa e pacífica”.
Detalhe importantíssimo, pois que, a) fundamentava o acionamento da Lei de
Usucapião, que assegurava a posse de um terreno abandonado por mais de duas
décadas; b) e o fato garantia que os pequenos lavradores reivindicassem a
condição de posseiros, categoria
legitimada pelo Código Civil, ao contrário da categoria invasor.
Outro aspecto ressaltado na argumentação dos
posseiros, sob orientação de Coutinho, é a da violência empregada pelos
pretensos proprietários para promover a expulsão daqueles lavradores, o que
fundamentaria a intervenção por parte do governo para garantir os direitos e a
integridade física daqueles posseiros.
Mas Pedro Coutinho sabia que não bastava
concretizar essa unificação apenas no âmbito das alegações contidas nos autos
dos processos judiciais. Ele sabia que seria necessário um amplo trabalho
político de convencimento da opinião pública carioca. Daí que despendesse tanto
tempo para às várias redações de jornais, geralmente acompanhado por uma
espécie de comissão de pequenos lavradores. Essas “visitas” eram feitas não
apenas ao órgão de imprensa comunista, o Imprensa
Popular, mas também àqueles de orientação política ou ideológica
divergente, como Última Hora, A Noite, Correio da Manhã, Gazeta de
Notícias e Diário de Notícias.
Antonio Caseiro na visita da comissão do Sindicato Rural de
Jacarepaguá é o segundo da esquerda para a direita. Fonte: Última Hora, 26/04/1955, p. 8.
Outro aspecto relevante da trajetória de Pedro, em
especial como advogado comunista com atuação na zona rural, era o seu papel de
mediador entre as linhas políticas do PCB e as demandas reais dos pequenos
lavradores de Jacarepaguá. A maneira como tal mediação era operada nos mostra
como a atuação dos militantes do partido junto a “base social” não era uma iniciativa
simples: não estamos diante de um quadro partidário buscando construir
mecanicamente a adesão de agentes concretos às linhas políticas impressas nos
documentos oficiais do seu partido. Ao analisarmos tal situação observamos o
quanto essas experiências engendradas no âmbito da relação do partido com
segmentos sociais efetivamente existentes no dia-a-dia - da fábrica, do
sindicato, da associação, do bairro, da feira, da rua, da roça ou da fazenda –
confirmam a tese de Marco Aurélio Santana sobre a existência de dois “PCs”: o
dos debates e relações internas e o da articulação com agentes sociais
efetivos.
Assim o autor sintetiza a questão:
[...] se buscou instrumentalizar o movimento dos
trabalhadores no sentido dos interesses partidários, o PCB não logrou fazer
isso da forma que queria. Este processo sofreu injunções, desvios e alterações
oriundos seja da resistência interna, seja das pressões externas experimentadas
pela organização. A implantação das linhas políticas definidas pelo partido não
se deu, portanto, de forma lisa e direta; antes, se realizou de forma negociada
e perpassada por uma série de condicionantes tais como: o cenário político
geral e o quadro de alianças e competição travadas pelo partido dentro e fora
do meio sindical, bem como as resistências estabelecidas pelos trabalhadores
e/ou pela própria militância comunistas, que chegou a gerar, na prática, a
existência do que se chamou dois PCs.[9]
E a trajetória de Pedro junto aos pequenos
lavradores do Sertão Carioca, em especial os de Jacarepaguá, vai exatamente
nesse sentido: embora entre 1948 e 1954 o PCB defendesse em seus documentos,
editoriais em imprensa e manifesto, a linha política insurrecional, na zona
rural carioca a linha adotada pelo advogado pecebista foi a da linha
institucional. Ou seja, no mesmo período em que o PCB consagrava no Manifesto
de Agosto de 50 a proposta de tomada do poder do Estado via mobilização armada
de “Exércitos de Libertação Nacional” e a renúncia à disputa política junto às
instituições e sindicatos, o seu quadro mais importante instava os pequenos
lavradores do Sertão Carioca a se organizarem em associações de classe
reconhecidas pelo Estado, a apelarem aos tribunais de justiça o cumprimento de
leis que garantissem seus direitos pela terra. E esse era um ponto bem curioso
da situação vivenciada por Coutinho, um advogado de um partido que pregava a
luta armada entre os camponeses do país: ao fundamentar a sua principal
estratégia jurídica na lei do usucapião, o seu maior desafio era instruir
pequenos lavradores a convencer os juízes de que sua posse sobre as terras
estava se dando de forma “mansa e pacífica”, totalmente dentro da lei.
* * *
A partir de meados da década de 50 até o mais ou menos 1963, não veríamos
Pedro Coutinho desempenhar atuação de destaque em eventos públicos organizados
por entidades do PCB com a mesma frequência de antes. Seu trabalho
parece ter se concentrado na prestação de assistência jurídica às “organizações
camponesas” do Sertão Carioca. Sabe-se apenas que Coutinho integrou em 1961 uma
Comissão Brasileira de Solidariedade ao Povo Cubano, organizada provavelmente
após os acontecimentos ocorridos na Baía dos Porcos envolvendo grupos cubanos
dissidentes apoiados pelos EUA.[10]
Ele voltaria a se destacar
em alguns eventos “camponeses” ocorridos em 1963. Em maio desse ano Coutinho
integraria junto com Antônio Caseiro, Teobaldo José Ribeiro, Manoel Rodrigues e
Manoel Agapito - presidentes respectivamente das Associações Rurais de
Jacarepaguá, Santíssimo, Guaratiba e Mendanha – e outras personalidades, a
“comissão promotora” da II Conferência dos Lavradores da Guanabara.[11]
Meses depois, em novembro, ele também teria “liderado” uma “concentração” de
lavradores em frente a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara. O
objetivo, segundo ele, era lembrar aos parlamentares que “a gravidade da situação alimentar da população do Estado é, em parte,
conseqüência do abandono e miséria em que se encontra o lavrador carioca, sem
terra própria, sem auxílio técnico e financeiro, sem mercadoria garantida para
os seus transportes e, ainda perseguido pelos exploradores imobiliários e pelos
grileiros”.[12]
Pedro (o primeiro da esquerda para a direita)
em evento em Jacarepaguá organizado pelo PCB em apoio a candidatura do Marechal
Lott (o terceiro). Entre eles, Antonio Caseiro, pequeno lavrador e militante do
PCB que atuava em Jacarepaguá. Fonte: O
Semanário, 20-26/08/1960, p. 1.
Fazia-se mister que tais
parlamentares tomassem não só medidas de urgência, mas principalmente
“modificações estruturais” no campo, pois só elas – e isso valia para o
restante do país - poderiam fazer com que os lavradores do Sertão Carioca
deixassem de ser um “peso morto”.
A atuação de Pedro
Coutinho junto às “organizações camponesas” foram suficientes para que aqueles
que, segundo a “grande” imprensa, “salvaram” o país do “risco da comunização”
com o golpe de 64,[13]
incluísse-lo na lista de indiciados do Inquérito Policial Militar nº 709, chefiado pelo general Ferdinando de Carvalho, e que tinha por
tarefa apurar a responsabilidade de reais e supostos participantes da “onda de
agitação e subversão” que pretendia varrer os valores democráticos e cristãos
do país. Aliás, Pedro Coutinho era o único de todos esses indiciados que tinha
como base de atuação o Sertão Carioca.[14]
Nos poucos registros sobre Pedro após o Golpe de
64, atestamos apenas que estava preso em 1965. Em nove de julho desse ano
sairia a expedição de soltura.
Acusado de ser ainda um agente subversivo, e
temendo sofrer com a tortura e ser executado, Pedro procurava se desvencilhar
de sua ligação histórica com o PCB. Em depoimento que prestou em 1965 ao DOPS
(polícia política), ao ser perguntado se fez parte alguma vez de uma
“agremiação política”, Pedro declararia que fez parte apenas do Partido Social
Democrático no Ceará, em 1930. Negaria também ter participado, mesmo em
Jacarepaguá, de qualquer associação, entidade, campanha ou movimento
patrocinado pelo PCB. Única exceção seria reconhecer ter presidido o Comitê
Democrático Progressista de Jacarepaguá, mas afirmaria também que se tratava de
uma “entidade apolítica e apartidária”.
A
partir do final da década de 60, já idoso e diante de um cenário tão repressivo
parece ter concentrado a sua atuação na Associação Brasileira de Imprensa,
fazendo parte sucessivas vezes do corpo dirigente, assumindo cargos como
tesoureiro, diretor de sede e conselheiro fiscal, e chegando a sua presidência
no início da década de seguinte.
Pedro
veio a falecer no Rio de Janeiro no início de 1986, aos 84 anos.
Pedro em evento com militares na sede da
Associação Brasileira de Imprensa. Fonte: Boletim da ABI, julho de 1970, p. 3.
[1] Tribuna Popular, 05/06/1945.
p. 2.
[2] Tribuna Popular,
21/05/1946. p. 2
[3] APERJ. Fundo DOPS. Série
Informações, n. 34: “memorando nº 69/62”.
[4] Imprensa Popular,
01/11/1951. p. 4.
[5] Novos Rumos,
18-24/12/1959. p. 11.
[6] Podemos dizer que o PTB foi o
grande adversário do PCB no interior do movimento sindical em particular, e no
âmbito das esquerdas em geral, de l945 a 1955. O suicídio de Vargas e a comoção
nacional por ele causado farão com que os comunistas comecem a se aproximar dos
trabalhistas. Em 1955 essa aproximação é oficializada com a criação do MNTP –
Movimento Nacional Popular Trabalhista, que procurava ser na prática uma base
de apoio da chapa presidencial encabeçada por J. Kubitschek e João Goulart. Nos
anos subseqüentes tal aproximação resultaria ela mesma numa progressiva
indiferenciação entre as linhas políticas dos dois partidos.
[7] Imprensa Popular, 18/12/1953. p. 3.
[8] Imprensa Popular,
16/02/1955. p. 1.
[9] SANTANA, Marco Aurélio. Homens partidos. São Paulo: Boitempo,
2001. p. 21.
[10] APERJ. Fundo DOPS. Série DOPS – 85.
[11] Diário Carioca,
25/05/1963. p. 4.
[12] Diário de Notícias,
12/11/1963. p. 12.
[13] O Globo, 02/04/1964. p.
1.
[14] APERJ. Fundo DOPS. Série Secretaria, n. 10. Se Pedro Coutinho foi
o único a ser oficialmente indiciado, vários outros foram perseguidos pelos
órgãos de repressão, casos de Antônio Ferreira Caseiro, Eros Martins Teixeira,
Aristides e outros. No depoimento dado ao autor, Eros Martins declara que
Aristides foi torturado por ter dado “fuga” a Antônio Caseiro. Uma parente deste, D. Alice (nome fictício), também declara que chegou a ser agredida pelos agentes do DOPS que
estavam à procura de A. Caseiro.