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domingo, 19 de agosto de 2012

Jacarepaguá e seus hospitais: o processo de urbanização e a saúde na Colônia


Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! 
Mas que nervoso estou 
Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! 
Sou neurastênico 
Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! 
Preciso me tratar, senão eu vou prá Jacarepaguá 
Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! 
Mas que nervoso estou 
Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! Sou neurastênico 
Preciso me casar, senão eu vou prá Jacarepaguá 
Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! 
Mas que nervoso estou 
Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! 
Tou Neurastênico 
Bbbbbbbbrrrrrrrrrrrrrr! 
Preciso me casar, senão eu vou pra Jacarepaguá 
Tão amoroso sou, quem já provou gostou 
Preciso me casar, senão eu vou prá Jacarepaguá 
Eu sei que elas me querem, mas é para casar 
Eu digo que me esperem porque depois da festa 
HÁ HÁ HÁ HÁ!!! 
(Neurastênico – Ronnie Cord) 

      Em 1963, quando Ronnie Cord emplacou a música “Neurastênico” nas rádios cariocas, o cantor utilizou uma associação que estava enraizada no imaginário da população da cidade: Jacarepaguá, a área dos grande hospitais e da Colônia Juliano Moreira (CJM). Desde 1924 funciona aos pés do maciço da Pedra Branca, o hospital-colônia que chegou a abrigar, na década de 1940, quase 5.000 mil pacientes. Hoje, considerado uma sub-região de Jacarepaguá, com características próprias e alvo de intervenção direta do PAC, a Colônia foi ao longo dos anos se desenvolvendo dentro e ao redor da antiga instituição psiquiátrica, considerada em meados do século XX, uma das mais modernas da América Latina. A Colônia abriga rico patrimônio arquitetônico, como a sede da Fazenda do Engenho de Nossa Senhora dos Remédios (desapropriada em 1912 para abrigar a instituição) e os pavilhões de doentes desativados ou ainda em funcionamento, que diferentes entre si, evidenciam as diferentes concepções psiquiátricas e higiênicas que perpassaram o planejamento da Colônia nos seus 88 anos de existência. Muito do desenvolvimento urbano do local têm seu início na própria concepção do estabelecimento como hospital-colônia (uma grande área rural e arborizada, longe do meio urbano, onde os doentes deveriam realizar a terapêutica do trabalho –praxiterapia – e tivessem uma sensação maior de liberdade do que nos hospícios tradicionais). No início de suas atividades, ali foi implantada uma vila de funcionários que com suas famílias deveriam ressocializar os doentes considerados aptos pelo corpo médico.

Núcleo feminino “Teixeira Brandão”, inaugurado em 1942. In: Anais da Assistência a Psicopatas, imprensa nacional, 1942.

     De fato, Jacarepaguá teve grande parte do seu desenvolvimento urbano devido em parte aos grandes complexos hospitalares ali localizados. Até a década de 60 existiam hospitais para doentes mentais, tuberculosos e leprosos, com grandes pavilhões e inúmeros serviços médicos. Assim foram construídos os grandes hospitais-colônias, cuja maior e mais documento e estudado é o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Mental Juliano Moreira, antiga Colônia Juliano Moreira, que passou do poder federal ao municipal em 1996. A vila de funcionários era instruída a conviver com os pacientes, utilizando-os em pequenos trabalhos domésticos, e dando a eles um ambiente familiar sadio. Em contrapartida a população local reivindicava à direção do estabelecimento as melhorias da infraestrutura local. Temos então, a inauguração de uma escola, asfaltamento das ruas, creche, playground, rádio e cinema, estes voltados tanto para as famílias quanto para os pacientes.


Procissão de Nossa senhora dos remédios, com as famílias residentes e pacientes, 1954. In: Boletim da Colônia Juliano Moreira, CJM, 1954. 

     Hoje as diversas comunidades existentes no entorno desse hospital surgiram a partir da vila de funcionários e também do próprio estabelecimento autônomo de outras pessoas. Durante as décadas de 70, 80 e 90, com a progressiva decadência da instituição, parte de seus terrenos foram comercializados por terceiros ou apossados por outras famílias. O núcleo urbano se expandiu então, englobando tanto os ex-funcionários e descendentes quanto outras famílias, complexando as relações dentro da colônia.
        A Colônia encontra-se na boca do povo. As obras do PAC, a transolímpica e a aldeia KARI-OCA, evento simultâneo ao Rio+20, têm aberto a discussão sobre o desenvolvimento urbano que deve ser implantado ali, com melhorias de infraestrutura e habitação. Uma localidade que foi criada a partir de um modelo de assistência à saúde pode esquecer seus vínculos e focar no desenvolvimento e urbanização futura? Suas ruas principais possuem nomes de médicos e diretores da antiga CJM, alguns de seus pavilhões e núcleos foram ocupados por famílias, outros figuram abandonados entre a mata. No meio, está o centro histórico da Colônia, antiga sede do Engenho de Nossa Senhora dos Remédios, e que serviu como sede e administração da instituição até 1948, igualmente abandonados, esperando a ação do poder público.


Um dos prédios do Centro Histórico da Colônia, antiga sede do Engenho de N. Sra. dos Remédios. (site da prefeitura)

        Em época de discurso de sustentabilidade devemos pensar como uma área intimamente ligada à um tipo de atendimento e assistência à saúde gerada pelo governo Vargas pode e deve ser desenvolvida. Não respeitar e preservar o patrimônio material da Colônia é perder a sua característica principal. Ali estão impressos, não apenas o desenvolvimento da assistência à saúde mental no Rio de Janeiro, mas também o exemplo único de como um núcleo urbano pode crescer em meio a uma instituição comumente vista como geradora de exclusão social.

Janis Cassília
Membro do IHBAJA
Mestre em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Bacharel e licenciada em História pela UFRJ
Professora do ensino fundamental e médio
Autora de artigos sobre a História da Psiquiatria no Brasil  e a Colônia Juliano Moreira