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sábado, 14 de abril de 2018





Leonardo Soares, professor de História e Pesquisador do IHBAJA



SNI era a abreviação do Serviço Nacional de Informação, órgão criado durante o Regime Militar que se abateu sobre o Brasil durante o período 1964-1985. Ele era responsável pelo levantamento de informações sobre pessoas, grupos, empresas, entidades de classe, movimentos sociais, principalmente aquelas vistas como inimigas em potencial ou em ato do regime então vigente.
Por muito tempo o SNI foi associado quase que exclusivamente ao monitoramento de militantes da luta armada. O que não deixa de corresponder a um aspecto decisivo e preponderante desse processo. Mas o governo militar também procurou investigar outros agentes, em especial os pertencentes ao serviço público em conluio com agentes privados. E nesse caso o interesse recaia não apenas pelos aspectos políticos da militância do servidor, mas também por suposto envolvimento em corrupção. O relatório elaborado por agentes do SNI sobre a situação da Colônia Juliano Moreira em meados da década de 70 é bastante ilustrativo.
Por meio do ofício nº 419/S1, o agente do SNI Edmundo Adolpho Gurgel prestava contas da “Operação Cuca” ao diretor do órgão. A “Operação Cuca” fazia uma referência quase infantil sobre o objeto de sua atuação: o hospital psiquiátrico localizado em Jacarepaguá, a Colônia Juliano Moreira. No relatório 01/75 datado de 18 de Fevereiro de 1975 o agente apontava as principais “irregularidades” ali existentes.
Após um sucinto histórico da Colônia, na época contando com 1.300 funcionários e 5.200 internos, o relatório listava tais irregularidades. Já de início o autor atribuía o “caos na administração daquela entidade” ao fato de ter tido sete dirigentes desde 1973. Para facilitar a explicação, ele organizou o texto em tópicos. No item “Alimentação”, o agente informa que é comum “faltar comida para os internos”. Em dezembro de 1974, “os doentes deixaram de tomar café, durante mais de uma semana, por falta de açúcar.” Mas acrescentava que a Comissão de Habilitação e Licitação da Divisão de Saúde Mental – órgão ao qual a Colônia estava subordinada – cogitava de “entregar” o preparo de refeições ao Grupo Ricardo Amaral, famoso empresário das “noites cariocas”.
No quesito “Vestuário” lemos que “é frequente a troca de roupas individuais e de roupa de cama por bebida alcóolica, maconha, dinheiro e outros materiais, com os marginais que infestam a área.” Quanto aos “Medicamentos” fica-se sabendo que as duas principais “drogas” utilizadas (Luminal e Gardenal) são mal controladas e ocorre “ainda, com muita frequência, faltar remédio para o chamado ‘tratamento de manutenção’”.  Sobre as “Habitações”, o autor lembra que além das casas construídas para funcionários, um grande numero de novas foram construídas irregularmente.
Sobre as “Instalações e Prédios”, o agente informa que alguns deles “estão em completo abandono, sendo utilizados como moradia”. Os saques são uma constante, assim como as portas arrombadas: “Há casos em que os marginais e assaltantes penetram nas despensas e somente misturam os gêneros, a título de brincadeira.” Até o pessoal ocupado da segurança sofria com as péssimas condições físicas do lugar: “os mesmos permanecem, até meia-noite, sentados do lado de fora da portaria. Após este horário, abandonam o posto, indo para suas casas, que estão no interior da CJM. São quase diários assaltos e depredações dentro do nosocômio.”
No que toca aos serviços públicos como transporte  e água, o relatório aponta que uma linha de ônibus faz “uma linha regular”, que tem acesso livre ao interior da Colônia, “dia e noite”, sem qualquer fiscalização.  Sobre a água, argumenta que é muito a comum a falta dela na CJM, “ficando os doentes em péssimas condições de asseio e conforto”. O agente também alerta no item “Maconha e bebidas alcóolicas” para o grande fornecimento desses produtos no lugar: “os marginais invadem o lugar e fornecem maconha aos internos, existindo até ponto, hora e senha para a sua distribuição”. O agente acrescenta ainda o problema da “Permanência desnecessária de doente”. Segundo o resultado de uma pesquisa, dos 4.623 internos à época, 1.299 já estariam em condições de “alta imediata”.
Adolpho Gurgel finaliza o relatório argumentando que a causa primordial de todas essas mazelas se relacionava ao domínio do grupo político que dominava a Divisão de Saúde Mental e por tabela a CJM, e que tinha na figura de Oswaldo Coura o seu principal artífice, a quem estava subordinado o então diretor da CJM Fedra Petrucci.