Leonardo Soares, professor de História e Pesquisador do IHBAJA
SNI era a abreviação do Serviço
Nacional de Informação, órgão criado durante o Regime Militar que se abateu
sobre o Brasil durante o período 1964-1985. Ele era responsável pelo
levantamento de informações sobre pessoas, grupos, empresas, entidades de
classe, movimentos sociais, principalmente aquelas vistas como inimigas em
potencial ou em ato do regime então vigente.
Por muito tempo o SNI foi associado
quase que exclusivamente ao monitoramento de militantes da luta armada. O que
não deixa de corresponder a um aspecto decisivo e preponderante desse processo.
Mas o governo militar também procurou investigar outros agentes, em especial os
pertencentes ao serviço público em conluio com agentes privados. E nesse caso o interesse recaia não apenas
pelos aspectos políticos da militância do servidor, mas também por suposto
envolvimento em corrupção. O relatório elaborado por agentes do SNI sobre a
situação da Colônia Juliano Moreira em meados da década de 70 é bastante
ilustrativo.
Por meio do ofício nº 419/S1, o agente
do SNI Edmundo Adolpho Gurgel prestava contas da “Operação Cuca” ao diretor do
órgão. A “Operação Cuca” fazia uma referência quase infantil sobre o objeto de
sua atuação: o hospital psiquiátrico localizado em Jacarepaguá, a Colônia
Juliano Moreira. No relatório 01/75 datado de 18 de Fevereiro de 1975 o agente
apontava as principais “irregularidades” ali existentes.
Após um sucinto histórico da Colônia,
na época contando com 1.300 funcionários e 5.200 internos, o relatório listava
tais irregularidades. Já de início o autor atribuía o “caos na administração
daquela entidade” ao fato de ter tido sete dirigentes desde 1973. Para
facilitar a explicação, ele organizou o texto em tópicos. No item
“Alimentação”, o agente informa que é comum “faltar comida para os internos”.
Em dezembro de 1974, “os doentes deixaram de tomar café, durante mais de uma
semana, por falta de açúcar.” Mas acrescentava que a Comissão de Habilitação e
Licitação da Divisão de Saúde Mental – órgão ao qual a Colônia estava
subordinada – cogitava de “entregar” o preparo de refeições ao Grupo Ricardo
Amaral, famoso empresário das “noites cariocas”.
No quesito “Vestuário” lemos que “é
frequente a troca de roupas individuais e de roupa de cama por bebida
alcóolica, maconha, dinheiro e outros materiais, com os marginais que infestam
a área.” Quanto aos “Medicamentos” fica-se sabendo que as duas principais
“drogas” utilizadas (Luminal e Gardenal) são mal controladas e ocorre “ainda,
com muita frequência, faltar remédio para o chamado ‘tratamento de manutenção’”.
Sobre as “Habitações”, o autor lembra
que além das casas construídas para funcionários, um grande numero de novas foram
construídas irregularmente.
Sobre as “Instalações e Prédios”, o
agente informa que alguns deles “estão em completo abandono, sendo utilizados
como moradia”. Os saques são uma constante, assim como as portas arrombadas:
“Há casos em que os marginais e assaltantes penetram nas despensas e somente
misturam os gêneros, a título de brincadeira.” Até o pessoal ocupado da
segurança sofria com as péssimas condições físicas do lugar: “os mesmos
permanecem, até meia-noite, sentados do lado de fora da portaria. Após este
horário, abandonam o posto, indo para suas casas, que estão no interior da CJM.
São quase diários assaltos e depredações dentro do nosocômio.”
No que toca aos serviços públicos como
transporte e água, o relatório aponta
que uma linha de ônibus faz “uma linha regular”, que tem acesso livre ao
interior da Colônia, “dia e noite”, sem qualquer fiscalização. Sobre a água, argumenta que é muito a comum a
falta dela na CJM, “ficando os doentes em péssimas condições de asseio e
conforto”. O agente também alerta no item “Maconha e bebidas alcóolicas” para o
grande fornecimento desses produtos no lugar: “os marginais invadem o lugar e
fornecem maconha aos internos, existindo até ponto, hora e senha para a sua
distribuição”. O agente acrescenta ainda o problema da “Permanência
desnecessária de doente”. Segundo o resultado de uma pesquisa, dos 4.623
internos à época, 1.299 já estariam em condições de “alta imediata”.
Adolpho Gurgel finaliza o relatório
argumentando que a causa primordial de todas essas mazelas se relacionava ao
domínio do grupo político que dominava a Divisão de Saúde Mental e por tabela a
CJM, e que tinha na figura de Oswaldo Coura o seu principal artífice, a quem
estava subordinado o então diretor da CJM Fedra Petrucci.