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domingo, 6 de janeiro de 2013

O comunista de Jacarepaguá


Pedro Coutinho Filho foi um dos principais militantes do Partido Comunista do Brasil(PCB) com atuação quase que exclusiva em Jacarepaguá.
De todos os militantes que atuaram na regiã foi de longe o que mais mereceu a atenção dos órgãos de informação da polícia política, do “farto dossier” (sic) produzido sobre ele é que colhemos boa parte das informações que aqui apresentamos. Pedro Coutinho nasceu em 10 de junho de 1901. Era professor, engenheiro civil e advogado. Ingressou no PCB em 1935, mas só começou o trabalho como militante dois anos depois, possivelmente foi nesse momento que recebeu o codinome “Cícero”. Por sua atuação esteve preso de 13 de janeiro a 12 de julho de 1937, e de 3 de dezembro de 1937 a 4 de junho de 1938, por ter sido condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional à pena de 1 ano de “prisão celular”. Por suas “atividades comunistas” esteve novamente preso entre 25 de março de 1940 a 29 de agosto de 1940. Trabalhou, profissionalmente falando, por muito tempo em Jacarepaguá, fator que talvez tenha pesado na decisão (dele ou do partido) de escolher o Sertão Carioca como área de atuação, muito embora não tenha se restringido a ela. Justamente o que mais nos chama atenção na sua trajetória é a diversidade de campanhas e organizações comunistas de que tomou parte ( e ás vezes a frente) em diferentes regiões. Além de Jacarepaguá, atuava também em Nova Iguaçu e no subúrbio da Leopoldina (Zona Norte). Integrou quase que de forma simultânea as seguintes organizações: década de 40 - Comitê Distrital de Jacarepaguá, Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, Liga Camponesa de Jacarepaguá, Liga Camponesa do Distrito Federal, Comitê Democrático Progressista de Nova Iguaçu; década de 50 - Centro Nacional de Estudos e Defesa do Petróleo(CEPDEN), Comissão Executiva Pró-Reforma Agrária, a Liga de Emancipação Nacional e a Associação Rural de Jacarepaguá. Em função disso, Pedro Coutinho esteve na linha de frente de Campanhas como as da nacionalização do petróleo, da Reforma Agrária, da Imprensa Popular e pela defesa da posse da terra dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Além de ser simples membro, Pedro Coutinho exercia cargos de direção em algumas daquelas organizações. Foi o primeiro presidente do Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, fundado em junho de 1945, e posteriormente fez parte do seu Conselho Fiscal e da Secretaria de Massa Eleitoral, chegando a se tornar seu presidente de honra. Foi também presidente da Liga Camponesa de Jacarepaguá e membro da diretoria da Liga Camponesa do Distrito Federal. 

Tribuna Popular, 16/05/1947, p. 2
      Segundo o agente da polícia política encarregado da produção de seu dossiê, essa ampla inserção de Pedro Coutinho em diferentes campanhas e organizações comunistas e, principalmente, a posição de direção que exercia em várias delas se daria pelo fato de estar “estreitamente ligado ao líder e chefes comunistas no país”, tanto assim que foi “um dos organizadores e oradores de vários comícios do líder LUIZ CARLOS PRESTES e outros chefes comunistas”. Exagero  ou não, o fato é que Pedro Coutinho parecia usufruir boa relação com homens bem situados na estrutura partidária do PCB, pois além de ocupar posições de direção daquelas entidades locais era também um dos dirigentes do CEPDEN, organismo de âmbito nacional que se ocupava de uma das principais frentes de luta do partido na década de 50, o da nacionalização do petróleo, que tinha como lema “O Petróleo é nosso”. No final de outubro de 1951, era ele quem presidia a “conferência sobre Petróleo e defesa da Economia Nacional” realizada em Grajaú. 

Coutinho apresentando uma reivindicação dos lavradores de Jacarepaguá. Tribuna Popular, 16/02/1945, p. 4.

      Mas foi no exercício da função de advogado das entidades sediadas em Jacarepaguá que Pedro Coutinho deve ter despertado real interesse por parte dos pequenos lavradores. É provável também que muitos deles tenham se filiado àquelas entidades justamente por poder contar com serviços jurídicos, tendo para isso apenas que pagar uma módica quantia cobrada a todos os seus sócios. Ao menos, essa era a expectativa de muitos sócios da Liga Camponesa de Jacarepaguá, na década de 40, e da Associação Rural de Jacarepaguá, nas décadas de 50 e 60. E em todas elas Coutinho foi o seu advogado. Ele também foi advogado da Associação de Lavradores de Campo Grande e Guaratiba, onde tinha entre seus clientes Manoel Ferreira, objeto de uma ação movida pelo “grileiro” Joaquim Rodrigues Pazo. Foi também um dos procuradores, junto com Heitor Rocha Faria, da comissão do Distrito Federal da I Convenção Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, realizada em São Paulo em 1953, eleita para participar dos trabalhos da Convenção Pela Emancipação Nacional, no ano seguinte.


Coutinho em evento do jornal Tribuna Popular. 6/6/1945, p. 5.
 
      Mas há um outro ponto importantíssimo presente na atuação de Pedro Coutinho (e na dos militantes comunistas de uma maneira geral): a inserção que tinha na estrutura partidária, possibilitou-lhe, entre outras coisas, atuar em diferentes campanhas e integrar a direção de diferentes organizações, favorecendo a realização de um objetivo que era muito caro ao PCB numa época de grande competição política com os setores ligados ao trabalhismo de Getúlio Vargas, especialmente o PTB: a unificação ou, ao menos, a integração desses movimentos numa frente comum de luta, de modo que isso fortalecesse a imagem do PCB como o principal partido das classes trabalhadoras. Nesse caso, ela poderia se dar sob a forma de manifestações de apoio, solidariedade e mesmo de adesão, entre membros de diferentes lutas ou campanhas.  Esse talvez tenha sido o principal capital político que Pedro Coutinho tentou obter junto aos lavradores organizados naquelas entidades, procurando, a todo momento, fazer com que eles encampassem as bandeiras de outras campanhas do partido e, em contrapartida, fazer com que essas outras campanhas tomassem como suas as reivindicações dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Essa parece ter sido a sua grande tarefa ao participar como convidado especial da Assembléia organizada por posseiros de Curicica em comemoração a uma vitória que obtiveram contra “grileiros” na justiça. Nela Coutinho teria conseguido a adesão desses posseiros à Convenção pela Emancipação Nacional, chegando a eleger para tanto uma comissão encarregada de acompanhar os trabalhos preparatórios desse evento. Mas não sem antes assegurar a eles que “nenhuma questão de importância para a vida do país escapará à discussão e à análise” da Convenção. “Assim, os problemas mais sentidos dos Lavradores, inclusive os de Curicica, serão ventilados”.

Neste local - entre Freguesia e Pechincha - funcionava a sede da Liga Camponesa de Jacarepaguá.


      Dois anos depois vemos Coutinho tentar unificar a pauta do movimento dos lavradores do Sertão Carioca com outros movimentos, e conseqüentemente obter seu apoio. Foi o caso da reunião, por ele presidida, da Comissão Executiva do Distrito Federal Pró-Reforma Agrária, na sede da Liga da Emancipação Nacional. Nessa reunião ele conseguiu reunir dois deputados, algumas lideranças sindicais como Lyndolpho Silva, representantes do Sindicato dos Têxteis e representantes das Associações de Lavradores de Jacarepaguá e de Coqueiros. As medidas discutidas foram a coleta de assinaturas pela Reforma Agrária, cuja cota determinada foi de 320 mil, e a colaboração da Comissão ao II Congresso de Lavradores do Distrito Federal.

       
Orgão comunista convocando para evento em defesa da Nacionalização do Petróleo em Cascadura. Coutinho organizaria alguns deles em Jacarepaguá.

Em outubro de 1955, às vésperas das eleições presidenciais daquele ano, o jornal comunista Imprensa Popular, demonstrando ter certeza de que Pedro Coutinho tivesse sua atuação reconhecida pela grande maioria dos lavradores do Sertão Carioca, chamou-o de “líder camponês”. Foi nesta condição que ele conclamou “seus companheiros de profissão[ os “camponeses” cariocas] a votar em J-J” (chapa presidencial composta por Juscelino Kubitschek e João Goulart). Só “com êles”, continuava Coutinho, “teremos o clima desejável para que consigamos vencer os grileiros, a distribuição de terras aos lavradores, títulos definitivos das terras já cultivadas pelos posseiros, revisão dos contratos e fixação à terra, concessão de crédito fácil”, etc.
      Curiosamente, a partir de meados da década de 50 até o mais ou menos 1963, não veríamos Pedro Coutinho desempenhar atuação de destaque em eventos públicos organizados por entidades do PCB com a mesma freqüência de antes. Seu trabalho parece ter se concentrado na prestação de assistência jurídica às “organizações camponesas” do Sertão Carioca. Sabe-se apenas que Coutinho integrou em 1961 uma Comissão Brasileira de Solidariedade ao Povo Cubano, organizada provavelmente após os acontecimentos ocorridos na Baía dos Porcos envolvendo grupos cubanos dissidentes apoiados pelos EUA.
      Ele voltaria a se destacar em alguns eventos “camponeses” ocorridos em 1963. Em maio desse ano Coutinho integraria junto com Antônio Caseiro, Teobaldo José Ribeiro, Manoel Rodrigues e Manoel Agapito - presidentes respectivamente das Associações Rurais de Jacarepaguá, Santíssimo, Guaratiba e Mendanha – e outras personalidades, a “comissão promotora” da II Conferência dos Lavradores da Guanabara. Meses depois, em novembro, ele também teria “liderado” uma “concentração” de lavradores em frente a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara. O objetivo, segundo ele, era lembrar aos parlamentares que
a gravidade da situação alimentar da população do Estado é, em parte, conseqüência do abandono e miséria em que se encontra o lavrador carioca, sem terra própria, sem auxílio técnico e financeiro, sem mercadoria garantida para os seus transportes e, ainda perseguido pelos exploradores imobiliários e pelos grileiros”.

Fazia-se mister que tais parlamentares tomassem não só medidas de urgência, mas principalmente  “modificações estruturais” no campo, pois só elas – e isso valia para o restante do país - poderiam fazer com que os lavradores do Sertão Carioca deixassem de ser um “peso morto”.

Prestes, a principal inspiração política e ideológica de Coutinho. Visitou Jacarepaguá por diversas vezes.


      A atuação de Pedro Coutinho junto às “organizações camponesas” foram suficientes para que aqueles que, segundo a “grande” imprensa, “salvaram” o país do “risco da comunização” com o golpe de 64, incluísse-lo na lista de indiciados do Inquérito Policial Militar nº709, chefiado pelo general Ferdinando de Carvalho, e que tinha por tarefa apurar a responsabilidade de reais e supostos participantes da “onda de agitação e subversão” que pretendia varrer os valores democráticos e cristãos do país. Aliás, Pedro Coutinho era o único de todos esses indiciados que tinha como base de atuação o Sertão Carioca.

Leonardo Soares dos Santos
Professor e Historiador, UFF, IHBAJA, USS
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domingo, 2 de dezembro de 2012

Lançamento do Livro "Desvendando a Barra da Tijuca e Jacarepaguá"

O professor e membro do IHBAJA Val Costa e a geógrafa Luciana Araujo estão lançando a segunda edição do livro “Desvendando a Barra da Tijuca e Jacarepaguá”. O livro apresenta, de forma didática e sucinta, aspectos históricos, sócio-econômicos e geomorfológicos da Baixada de Jacarepaguá. Essa edição, de acordo com a Nova Ortografia da Língua Portuguesa, mostra novas fotos do acervo arquitetônico da região e dados atualizados de acordo com o Censo de 2010. Informações e pedidos pelo e-mail: barra-jpa@hotmail.com.

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domingo, 11 de novembro de 2012




      Eram dois os principais tipos de organização política na década de 40: as cooperativas, bem mais antigas, que em sua maioria datavam da década de 30; e, principalmente, as Ligas Camponesas, surgidas a partir de 1946, que eram patrocinadas pelo PCB, mas que contavam com apoio de diversos partidos, até mesmo da UDN. 
        Dentre as primeiras podemos destacar a Cooperativa Agrícola de Bangu, a Cooperativa dos Agricultores de Campo Grande, a Cooperativa dos Policultores de Santa Cruz e a Cooperativa de Agricultores e Criadores de Jacarepaguá. Tais organismos foram criadas quase todas pelo Ministério da Agricultura na primeira metade da década de 30. O então Distrito Federal era até 1935 a terceira unidade da federação com maior número de cooperativas registradas. Sabemos que algumas delas estavam envolvidas nas discussões dos problemas dos pequenos lavradores. A Cooperativa de Agricultores de Jacarepaguá, por exemplo, organizava reuniões com lavradores da Fazenda Curicica para a discussão em torno da questão da propriedade daquelas terras. Entre as teses aprovadas no documento final da I Conferência dos Lavradores do Distrito Federal (1953), constava a “Tese n. 12”, de autoria de Álvaro Fernandes, da Cooperativa Agrícola de Bangu. Nela, defendia o “transporte direto das fontes de produção aos centros de consumo; venda direta ao consumidor; preferência nos mercados, mercadinhos e locais de venda, isenção de taxas e impostos”.


        Outra forma de organização dos lavradores da região eram as Ligas Camponesas. Sua criação significava para o PCB a implementação de uma estratégia nacional de intervenção no campo. Segundo Irineu Luís de Moraes, ex-militante comunista, a primeira criada foi a Liga Camponesa de Dumont em fins de 1945. Para outros, a primeira teria sido a Liga Camponesa de Iputinga (Pernambuco). No DF, a primeira a ser constituída foi a Liga Camponesa do Sertão Carioca (LCDF) em meados de 1946. 
De modo a facilitar a participação de lavradores de diferentes localidades nas discussões da LCDF, criaram-se Ligas subsidiárias em cada localidade: as Ligas Camponesas de Jacarepaguá e Vargem Grande surgiram dessa forma.

Pedro Coutinho Filho, o segundo da direita para a esquerda,
foi o principal organizador da Liga Camponesa de Jacarepaguá

     Com a decisão do STE em cassar o registro do PCB em maio de 47, as Ligas tiveram que ser fechadas. Mas a semente já tinha sido lançada para as futuras organizações de moradores da região.



Leonardo Soares dos Santos
Pesquisador do IHBAJA
Professor Adjunto da UFF

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domingo, 4 de novembro de 2012

Prêmio Miriam Mendonça de Cultura



Prêmio Miriam Mendonça de Cultura

Data: 10 de novembro de 2012 - sábado

Horário: das 16:30 às 20:00 horas
 
 
Local: Posto de Saúde do Tanque (CMS Jorge Saldanha Bandeira de Mello)
 
Avenida Geremário Dantas, 135 - Tanque - Jacarepaguá, Rio de Janeiro

 
Organização:
 
AABJ - Associação de Amigos da Biblioteca de Jacarepaguá
Conselho Regional da FAM-RIO
ALDEIA – Associação Livre de Defesa, Expansão e Integração Artesanal
CAL - CASA DA AMERICA LATINA
AABJ - ASSOCIAÇÃO AMIGOS BIBLIOTECA DE JACAREPAGUÁ
CIA DE TEATRO NOS DE NOVO OUTRA VEZ
CPCBAJA – Conselho popular de Cultura da Baixada de jacarepaguá
CADEC – Centro de Apoio e Defesa da Cidadania
ACUCA – Associação Cultural do Camorim
AMVC – Associação de Moradores do Vale da Curicica
 
Apoio: 

Campus FIOCRUZ – Mata Atlântica


cpcbaja@gmail.com

Contato: famrio_crjacarepaguabarra@yahoo.com.br
facebook: conselhoregionalfamrio_jacarepaguabarra
       
 


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domingo, 14 de outubro de 2012

As obras de saneamento no Sertão Carioca das décadas de 30 e 40



As obras de saneamento no Sertão Carioca 
das décadas de 30 e 40

 Por Leonardo Soares dos Santos
Professor Adjunto II do SFC/UFF
Membro do IHJA



As obras realizadas pela Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense (DSBF) nas Baixadas de Jacarepaguá e Sepetiba foram outro importante acontecimento verificado na zona rural dessa época. Junto com a “febre da laranja”, essas obras ajudaram a consolidar a imagem da zona rural como uma região de “fronteira aberta”. Era do desejo de seus principais mentores fazer da zona rural um “cinturão verde” capaz de promover o abastecimento quase completo do Distrito Federal. Mas a importância daquelas obras reside também no fato de ter feito da zona rural uma área de expansão não apenas para a agricultura. Com os melhoramentos do DSFB, a região estava definitivamente aberta para uma outra expansão, a dos negócios imobiliários. Estes, por sua vez, eram cada vez mais regidos por uma nova modalidade – a produção em massa de lotes urbanos.

 
     O órgão da União originalmente encarregado dessas obras, a Comissão de Saneamento, visava intervir apenas na área da Baixada Fluminense e tinha como plano os seguintes objetivos: a) projetar, executar ou fiscalizar obras de saneamento da Baixada Fluminense; b) produzir estudos sobre sua bacia hidrográfica; c) elaborar um plano de desenvolvimento econômico para a região; d) executar o levantamento de um cadastro imobiliário de toda região da Baixada Fluminense; e) elaborar uma legislação especial para o saneamento e conservação das obras. Os trabalhos gerais foram iniciados em julho de 1933. Logo depois a Comissão foi transformada em um Departamento com funções extensivas a todo o território nacional. Com isso, as áreas próximas da Baixada Fluminense foram incorporadas no roteiro de melhoramentos. A primeira delas foi a Baixada de Sepetiba. Essa região, apesar da proximidade com a Baixada Fluminense, tinha problemas que lhe eram bastante específicos: “as obras na Bacia de Sepetiba”, como bem destaca Alberto Lamego, não tinham finalidades agrícolas, pois, havia “complexidades urbanísticas visíveis”. Aqui o objetivo era prever a defesa do Núcleo Colonial de Santa Cruz contra as enchentes da bacia do Guandu e erradicar os focos permanentes de impaludismo. Segundo Leonardo J. Fernandes, “por trás desses planos de obras” havia o interesse na valorização fundiária de uma área equivalente a 2.167 Km² (2 trilhões e 167 milhões de ha). Seja como for, as obras ali chegaram em 1935, com o desmatamento de toda vegetação no interior dos rios e em suas margens. Dois fatos chamavam a atenção dos técnicos do DNOS: o primeiro era a existência de focos permanentes de impaludismo e o segundo, a convivência nessa mesma região de uma área “próspera e intensamente cultivada” com “enormes áreas inaproveitadas”. Mais uma vez vinha à tona a imagem do Sertão Carioca como região de contrastes. Em termos práticos, as obras teriam provocado uma melhora nas condições de salubridade da região; muitos pântanos e brejos foram saneados, tornando-se terras próprias para a agricultura. Para isso, inúmeros canais e valas foram construídos ou dragados. Outra importante consequência foi a valorização fundiária dessas áreas, chegando-se a ponto de vários canais terem seus traçados modificados em função de loteamentos; o próprio DSBF, promoveria a abertura de valas de drenagem em propriedades particulares de modo a torná-las mais valorizadas. 
    Processo semelhante se verificaria na Baixada de Jacarepaguá, terceira região a sofrer as intervenções do DSBF. As obras ali chegaram em 1937. Um grande surto de malária levou o ministério da Educação e Saúde Pública e sua Inspetoria de Engenharia Sanitária a se ocupar da região. Os estudos desses órgãos constataram que os brejos e manguezais na orla das lagoas de Jacarepaguá eram obstáculos ao curso das águas, constituindo-se num “veículo para o impaludismo”. Uma das soluções propostas – e que foi aprovada - foi a regularização dos rios da bacia contribuinte das lagoas da Tijuca, Camorim e Marapendi. Devido á pressão exercida por Companhias Imobiliárias que atuavam na restinga de Sernambetiba, chegou-se a cogitar no aterramento dessas lagoas. Mesmo tendo sido recusada essa proposta, os interesses de agentes imobiliários não foram de todo frustados, já que o próprio DSFB apresentava como principais objetivos de seus trabalhos na Baixada de Jacarepaguá a extinção de “focos de anofelinos” e, segundo palavras de um engenheiro do órgão, a “melhora da estética deste recanto de turismo do Distrito Federal”; iniciativas que num futuro próximo poderiam até mesmo facilitar a implantação de loteamentos na região, embora essa não pereça ter sido a intenção dos agentes do DSFB. É como se finalmente, o DSBF estivesse em fins dos anos 30 atendendo aos anseios de sanitaristas da década de 10, embora já demonstrasse não ter certeza sobre o fim mais adequado a ser dado a essas terras, se para a agricultura ou se para a ocupação urbana. De qualquer forma, o primeiro tinha sido parcialmente alcançado: em 1939, Hildebrando de Góes, diretor do DSBF, afirmava que inúmeros brejos tinham sido extintos, ocasionando uma sensível diminuição dos focos de malária. Contudo, esta só seria totalmente erradicada em 1957. Todavia, a consecução bem-sucedida do segundo objetivo dava o ar da graça com bastante mais antecedência, muito embora não da forma esperada. O almejado “melhoramento estético” ocasionou um aumento da especulação imobiliária em áreas recuperadas pelo DSBF. Já em 37, o mesmo Hildebrando de Góes, apresentava e lamentava os dados sobre essa conseqüência: nas terras que margeavam a Lagoa da Tijuca, o metro quadrado tinha conhecido uma valorização de 200%; em Vargem Grande, ela era de 1.500%.
     É importante frisar que a extraordinária valorização fundiária na região não se deveu apenas às obras do DSBF. Também contribuíram para isso outras obras de infra-estrutura do governo federal realizadas ao longo das décadas de 30 e 40, como a abertura das estradas do Joá e Menezes Cortes (atual Grajaú-Jacarépaguá), a eletrificação da Central do Brasil, e a construção da avenida Brasil. Sem esquecer que a extensão das linhas de bonde e, principalmente, de ônibus, exerciam papel fundamental no processo de incorporação urbana da zona rural. A expansão das vias de comunicação e a melhoria das condições de salubridade passam a encorajar os empreendedores imobiliários a retalhar seus terrenos não mais para arrendar ou vender a pequenos lavradores. Assiste-se nesse momento à consolidação de um mercado efetivo de compra e venda de terras que se destinava à construção de loteamentos. O curioso é que ao contrário do que afirma Pechman e outros pesquisadores, esse mercado de terras não ocasionará - ao menos de forma completa – a incorporação urbana do Sertão Carioca. Não parece haver dúvidas de que boa parte desses loteamentos conduziu à implantação de um mercado imobiliário urbano. Os anúncios dos terrenos vão deixando de enfatizar a existência de benfeitorias de recursos de uso agrícola, dedicando-se a atrair compradores com a menção de “qualidades urbanas” como proximidade em relação a vias de comunicação (estradas, avenidas, linhas de trem, bonde etc) e existência de serviços de luz, água encanada, esgoto e telefone. Mas esses loteamentos não eram exclusivamente urbanos. Alguns loteamentos eram constituídos de lotes rurais, outros buscavam conciliar as duas funções (urbana e rural) através dos lotes para veraneio. Vejamos esses anúncios, de Campo Grande e Senador Câmara respectivamente:
-          “No DF, 4 milhões de m², em zona servida por trem elétrico, bonde a porta; projeto de loteamento para 600 lotes: não aceito intermediário”.

-          “Casas, terrenos e Sítios – uma estação depois de Bangu, água encanada, luz, telefone, bom comercio, trens de meia e meia hora, 10 minutos da Central; 600 casas a serem construídas em 40 dias, por 55 mil; financiado pelo IAPC;(...) mais de 100 lotes em ruas construídas, a 2 minutos da estação a partir de 6 mil...”







        Estamos lidando com um mercado de terras que poderíamos chamar de híbrido, ainda longe de ter uma forma puramente urbana. Contudo, fosse urbano, rural ou de veraneio, os loteamentos pareciam ser um negócio altamente rentável. Os lucros proporcionados por tal tipo de negócio faziam com que muitos se oferecessem para a compra de grandes propriedades na região, como nos mostra esse anúncio de Campo Grande:
Compra-se sitio, até 300.000 m², que tenha nascente, com queda d’água, não distando do Rio mais de 2 horas e em lugar de recursos e saudável. Com ou sem benfeitorias. Dá-se preferência para Campo Grande.

        Outros preferiam tão somente se oferecer como corretores de imóveis para a simples intermediação desses negócios: “Sítio – Campo Grande – Querendo vender seu sítios, chácara ou área de terra, exclusivamente neste local, encarregando-me sem o menor aborrecimento (...) qualquer dia qualquer hora.

        Outro fator que passa ganhar ênfase nos anúncios de venda de terras a partir de meados da década de 40 é a possibilidade de serem usados como ativo financeiro. Com a onda inflacionária que passa a tomar conta do país, os rendimentos que se podiam ter com a especulação de terras eram bem maiores do que com a produção agrícola. E mesmo quando se tratava de lotes urbanos, os anunciantes não deixavam de destacá-los. Desejosa de vender lotes em Jacarepaguá, “recanto tradicional dos nobres da Corte, tradicional solar dos barões da Taquara, Visconde de Asseca e Camarista Mor Thedim de Sequeira”, a Companhia de Extenção Territorial, dizia oferecer o “melhor week-end para o carioca”, servido com água, luz, telefone, ônibus e bondes; localizado num lugar que “dentro em breve será ligado à cidade pela estrada Três Rios-Grajaú”. E para quem ainda não estivesse convencido das vantagens dessa “oportunidade única” o anunciante argumentava que: “A aquisição de uma propriedade nesse futuroso bairro, a par das delícias de uma vida alegre no campo, proporcionará a aplicação segura de capital, compensada por uma valorização certa..”
      Quatro anos depois, vemos a mesma companhia, “que há 26 anos, vem colaborando para o progresso do RJ”, anunciar a venda de lotes do Parque Campo Lindo em Campo Grande, “em condições tais, de preço e facilidade de pagamento, que só seus amplos recursos e vasta experiência podiam permitir”. A companhia a apresentava como uma “bomba atômica nos negócios de terrenos”. Afirmando ter vendido todos os dois mil lotes do primeiro loteamento, a companhia lançava agora o segundo loteamento, “nas mesmas condições excepcionais que garantiram o sucesso anterior”. Os lotes “de 15x15” e as chácaras “de 2.000 m² a 10.000m²”, segundo ela, eram “planos e prontos para edificar e cultivar”, ficavam a 15 minutos de Campo Grande e eram servidos por nada menos do que oitenta trens elétricos diários, o que garantia aos terrenos do Parque Campo Lindo um “desenvolvimento rápido e valorização certa”. Até porque, como arrematava sugestivamente a Companhia: “Só vende terras que valem ouro”.




        Também podemos notar nos anúncios dos anos 40 a introdução de algumas inovações nas formas de propaganda dos empreendedores imobiliários. Estes investirão largamente na utilização de uma linguagem muito semelhante à dos primeiros textos de divulgação do Sertão Carioca como o de Magalhães Correia. É a representação da zona rural como um recanto paradisíaco que dará cor às estratégias de venda dos grandes loteamentos dirigidos para a classe média. Tal objetivo faz com que os classificados de imóveis tenham entre seus termos mais recorrentes, referências do tipo “clima privilegiado”, “clima de sanatório”, “vista deslumbrante”, “recanto aprazível e sossegado”. Mas se com Magalhães Corrêa essas figuras de linguagem, ao realçar as belezas da região, vinham acompanhadas de exortações em favor da preservação do Sertão Carioca, com os loteadores elas funcionavam no sentido da aceleração de sua incorporação ao mercado imobiliário. 
      É nesse momento também - e há nisso uma grande contribuição por parte das obras do DSBF – que as referências sobre a zona rural como o lugar da doença cairia em desuso. O que não aconteceria com a referência que a tomava como um lugar abandonado por parte dos poderes públicos. Estes vinham promovendo o saneamento, mas a agricultura, a infra-estrutura, os serviços públicos e as questões envolvendo conflitos de terra na região pareciam não merecer a mesma atenção.





 
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