Pedro Coutinho Filho foi um dos principais
militantes do Partido Comunista do Brasil(PCB) com atuação quase que exclusiva em
Jacarepaguá.
De todos os
militantes que atuaram na regiã foi de longe o que mais mereceu a atenção dos órgãos
de informação da polícia política, do “farto dossier” (sic) produzido sobre ele
é que colhemos boa parte das informações que aqui apresentamos. Pedro Coutinho
nasceu em 10 de junho de 1901. Era professor, engenheiro civil e advogado.
Ingressou no PCB em 1935, mas só começou o trabalho como militante dois anos
depois, possivelmente foi nesse momento que recebeu o codinome “Cícero”. Por
sua atuação esteve preso de 13 de janeiro a 12 de julho de 1937, e de 3 de
dezembro de 1937 a 4 de junho de 1938, por ter sido condenado pelo Tribunal de
Segurança Nacional à pena de 1 ano de “prisão celular”. Por suas “atividades
comunistas” esteve novamente preso entre 25 de março de 1940 a 29 de agosto de
1940. Trabalhou, profissionalmente falando, por muito tempo em Jacarepaguá,
fator que talvez tenha pesado na decisão (dele ou do partido) de escolher o
Sertão Carioca como área de atuação, muito embora não tenha se restringido a
ela. Justamente o que mais nos chama atenção na sua trajetória é a diversidade
de campanhas e organizações comunistas de que tomou parte ( e ás vezes a
frente) em diferentes regiões. Além de Jacarepaguá, atuava também em Nova
Iguaçu e no subúrbio da Leopoldina (Zona Norte). Integrou quase que de forma
simultânea as seguintes organizações: década de 40 - Comitê Distrital de
Jacarepaguá, Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, Liga Camponesa de
Jacarepaguá, Liga Camponesa do Distrito Federal, Comitê Democrático
Progressista de Nova Iguaçu; década de 50 - Centro Nacional de Estudos e Defesa
do Petróleo(CEPDEN), Comissão Executiva Pró-Reforma Agrária, a Liga de
Emancipação Nacional e a Associação Rural de Jacarepaguá. Em função disso,
Pedro Coutinho esteve na linha de frente de Campanhas como as da nacionalização
do petróleo, da Reforma Agrária, da Imprensa Popular e pela defesa da posse da
terra dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Além de ser simples membro,
Pedro Coutinho exercia cargos de direção em algumas daquelas organizações. Foi
o primeiro presidente do Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá,
fundado em junho de 1945, e posteriormente fez parte do seu Conselho Fiscal e
da Secretaria de Massa Eleitoral, chegando a se tornar seu presidente de honra.
Foi também presidente da Liga Camponesa de Jacarepaguá e membro da diretoria da
Liga Camponesa do Distrito Federal.
Segundo o agente da polícia política encarregado da produção de seu
dossiê, essa ampla inserção de Pedro Coutinho em diferentes campanhas e
organizações comunistas e, principalmente, a posição de direção que exercia em
várias delas se daria pelo fato de estar “estreitamente ligado ao líder e
chefes comunistas no país”, tanto assim que foi “um dos organizadores e
oradores de vários comícios do líder LUIZ CARLOS PRESTES e outros chefes
comunistas”. Exagero ou não, o fato é
que Pedro Coutinho parecia usufruir boa relação com homens bem situados na
estrutura partidária do PCB, pois além de ocupar posições de direção daquelas
entidades locais era também um dos dirigentes do CEPDEN, organismo de âmbito
nacional que se ocupava de uma das principais frentes de luta do partido na
década de 50, o da nacionalização do petróleo, que tinha como lema “O Petróleo
é nosso”. No final de outubro de 1951, era ele quem presidia a “conferência
sobre Petróleo e defesa da Economia Nacional” realizada em Grajaú.
Coutinho apresentando uma reivindicação dos lavradores de Jacarepaguá. Tribuna Popular, 16/02/1945, p. 4. |
Mas foi no exercício da função de advogado das entidades sediadas em Jacarepaguá que Pedro Coutinho deve ter despertado real interesse por parte dos pequenos lavradores. É provável também que muitos deles tenham se filiado àquelas entidades justamente por poder contar com serviços jurídicos, tendo para isso apenas que pagar uma módica quantia cobrada a todos os seus sócios. Ao menos, essa era a expectativa de muitos sócios da Liga Camponesa de Jacarepaguá, na década de 40, e da Associação Rural de Jacarepaguá, nas décadas de 50 e 60. E em todas elas Coutinho foi o seu advogado. Ele também foi advogado da Associação de Lavradores de Campo Grande e Guaratiba, onde tinha entre seus clientes Manoel Ferreira, objeto de uma ação movida pelo “grileiro” Joaquim Rodrigues Pazo. Foi também um dos procuradores, junto com Heitor Rocha Faria, da comissão do Distrito Federal da I Convenção Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, realizada em São Paulo em 1953, eleita para participar dos trabalhos da Convenção Pela Emancipação Nacional, no ano seguinte.
Coutinho em evento do jornal Tribuna Popular. 6/6/1945, p. 5.
|
Mas há um outro ponto importantíssimo presente na atuação de Pedro
Coutinho (e na dos militantes comunistas de uma maneira geral): a inserção que
tinha na estrutura partidária, possibilitou-lhe, entre outras coisas, atuar em
diferentes campanhas e integrar a direção de diferentes organizações,
favorecendo a realização de um objetivo que era muito caro ao PCB numa época de
grande competição política com os setores ligados ao trabalhismo de Getúlio
Vargas, especialmente o PTB: a unificação ou, ao menos, a integração desses
movimentos numa frente comum de luta, de modo que isso fortalecesse a imagem do
PCB como o principal partido das classes trabalhadoras. Nesse caso, ela poderia
se dar sob a forma de manifestações de apoio, solidariedade e mesmo de adesão,
entre membros de diferentes lutas ou campanhas.
Esse talvez tenha sido o principal capital político que Pedro Coutinho
tentou obter junto aos lavradores organizados naquelas entidades, procurando, a
todo momento, fazer com que eles encampassem as bandeiras de outras campanhas
do partido e, em contrapartida, fazer com que essas outras campanhas tomassem
como suas as reivindicações dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Essa
parece ter sido a sua grande tarefa ao participar como convidado especial da
Assembléia organizada por posseiros de Curicica em comemoração a uma vitória
que obtiveram contra “grileiros” na justiça. Nela Coutinho teria conseguido a
adesão desses posseiros à Convenção pela Emancipação Nacional, chegando a
eleger para tanto uma comissão encarregada de acompanhar os trabalhos
preparatórios desse evento. Mas não sem antes assegurar a eles que “nenhuma
questão de importância para a vida do país escapará à discussão e à análise” da
Convenção. “Assim, os problemas mais sentidos dos Lavradores, inclusive os de
Curicica, serão ventilados”.
Neste local - entre Freguesia e Pechincha - funcionava a sede da Liga Camponesa de Jacarepaguá. |
Dois anos depois vemos Coutinho tentar unificar a pauta do movimento dos
lavradores do Sertão Carioca com outros movimentos, e conseqüentemente obter
seu apoio. Foi o caso da reunião, por ele presidida, da Comissão Executiva do
Distrito Federal Pró-Reforma Agrária, na sede da Liga da Emancipação Nacional.
Nessa reunião ele conseguiu reunir dois deputados, algumas lideranças sindicais
como Lyndolpho Silva, representantes do Sindicato dos Têxteis e representantes
das Associações de Lavradores de Jacarepaguá e de Coqueiros. As medidas
discutidas foram a coleta de assinaturas pela Reforma Agrária, cuja cota
determinada foi de 320 mil, e a colaboração da Comissão ao II Congresso de
Lavradores do Distrito Federal.
Orgão comunista convocando para evento em defesa da Nacionalização do Petróleo em Cascadura. Coutinho organizaria alguns deles em Jacarepaguá. |
Em outubro de 1955, às vésperas das eleições presidenciais daquele ano, o jornal comunista Imprensa Popular, demonstrando ter certeza de que Pedro Coutinho tivesse sua atuação reconhecida pela grande maioria dos lavradores do Sertão Carioca, chamou-o de “líder camponês”. Foi nesta condição que ele conclamou “seus companheiros de profissão[ os “camponeses” cariocas] a votar em J-J” (chapa presidencial composta por Juscelino Kubitschek e João Goulart). Só “com êles”, continuava Coutinho, “teremos o clima desejável para que consigamos vencer os grileiros, a distribuição de terras aos lavradores, títulos definitivos das terras já cultivadas pelos posseiros, revisão dos contratos e fixação à terra, concessão de crédito fácil”, etc.
Curiosamente, a partir de meados da década de 50 até o mais ou menos
1963, não veríamos Pedro Coutinho desempenhar atuação de destaque em eventos
públicos organizados por entidades do PCB com a mesma freqüência de antes. Seu
trabalho parece ter se concentrado na prestação de assistência jurídica às
“organizações camponesas” do Sertão Carioca. Sabe-se apenas que Coutinho
integrou em 1961 uma Comissão Brasileira de Solidariedade ao Povo Cubano,
organizada provavelmente após os acontecimentos ocorridos na Baía dos Porcos
envolvendo grupos cubanos dissidentes apoiados pelos EUA.
Ele voltaria a se destacar em alguns eventos “camponeses” ocorridos em
1963. Em maio desse ano Coutinho integraria junto com Antônio Caseiro, Teobaldo
José Ribeiro, Manoel Rodrigues e Manoel Agapito - presidentes respectivamente
das Associações Rurais de Jacarepaguá, Santíssimo, Guaratiba e Mendanha – e
outras personalidades, a “comissão promotora” da II Conferência dos Lavradores
da Guanabara. Meses depois, em novembro, ele também teria “liderado” uma
“concentração” de lavradores em frente a Assembléia Legislativa do Estado da
Guanabara. O objetivo, segundo ele, era lembrar aos parlamentares que
“a gravidade
da situação alimentar da população do Estado é, em parte, conseqüência do
abandono e miséria em que se encontra o lavrador carioca, sem terra própria,
sem auxílio técnico e financeiro, sem mercadoria garantida para os seus
transportes e, ainda perseguido pelos exploradores imobiliários e pelos
grileiros”.
Fazia-se mister que tais
parlamentares tomassem não só medidas de urgência, mas principalmente “modificações estruturais” no campo, pois só
elas – e isso valia para o restante do país - poderiam fazer com que os
lavradores do Sertão Carioca deixassem de ser um “peso morto”.
Prestes, a principal inspiração política e ideológica de Coutinho. Visitou Jacarepaguá por diversas vezes. |
A atuação de Pedro Coutinho junto às “organizações camponesas” foram
suficientes para que aqueles que, segundo a “grande” imprensa, “salvaram” o
país do “risco da comunização” com o golpe de 64, incluísse-lo na lista de
indiciados do Inquérito Policial Militar nº709, chefiado pelo general
Ferdinando de Carvalho, e que tinha por tarefa apurar a responsabilidade de
reais e supostos participantes da “onda de agitação e subversão” que pretendia
varrer os valores democráticos e cristãos do país. Aliás, Pedro Coutinho era o
único de todos esses indiciados que tinha como base de atuação o Sertão
Carioca.
Leonardo Soares dos Santos
Professor e Historiador, UFF, IHBAJA, USS