Tente
imaginar você caro(a) leitor(a): estamos na década de 40, bem no coração da
ainda agrícola Jacarepaguá, pouco acessível em termos de transportes. É bom
lembrar que a região nunca foi atravessada por linhas de trem. E mesmo as
linhas de bonde eram alvos de numerosas críticas por parte da população. Além
disso, com exceção de alguns centros locais, bastante populosos para os padrões
da região, como Pechincha, Tanque e Freguesia, as demais áreas eram
escassamente povoadas. E eram nessas áreas que ainda predominavam as atividades
agrícolas. Esse também era o caso da Colônia Juliano Moreira. Onde era plantado
de quase tudo um pouco (hortaliças, legumes e frutas). Inclusive por quase
todos os seus pacientes. Mas ali um antigo funcionário cuidava de plantar outra
coisa.
O Dr. Jacinto, no início de 1947. Foto do jornal Tribuna Popular. Acervo DPS/APERJ. |
Seu
nome era Jacinto Luciano Moreira. Nascido em Minas, negro, de família bastante
humilde, veio ainda jovem para o Rio. Começou a trabalhar na Colônia quando ela
ainda se localizava na Ilha do Governador. Como seu funcionário fazia o típico
papel de “pau pra toda obra”, de servente de pedreiro a entregador de pão. Sua
estatura elevada e grande porte físico pareciam incliná-lo para tal. Mas quando
passa a cuidar mais diretamente dos pacientes, Jacinto parece despertar para
sua verdadeira vocação e decide se tornar médico. Com muito custo e empenho se
forma pela Faculdade de Medicina de Niterói em 1942.
E
nessa nova experiência o Dr. Jacinto se deparará com outra. Também intensa e
que marcará sua vida até os últimos dias: ele passa a ter contato com as
ideias, projetos e sonhos do antigo PCB. Nutria simpatias pelo partido desde a
década de 30, contribuindo com o Socorro
Vermelho, mas se filiaria a ele efetivamente em junho de 1945 e logo se
tornou o “secretário político” da Célula 23
de Outubro, que tinha como base de atuação a Colônia Juliano Moreira.
Percorria toda a região de bicicleta para atender “aos operários, lavradores,
famílias sem recurso”. Também chegou a ter uma pequena clínica no Largo da
Taquara. Também ficou muito conhecido por organizar serenatas ao redor do seu
violão no lugar. É bem provável que em tais momentos o Dr. Jacinto também
exercitasse a sua veia militante, buscando incorporar mais gente para as
“fileiras do glorioso partido de Luiz Carlos Prestes”. E por todos esses
serviços prestados o PCB decidiu lançá-lo como candidato às eleições para
vereador em 47. Ele teve pouco menos de mil votos. Mas apesar disso e mesmo a
dura repressão aos comunistas que se seguiu após aquele mesmo ano não o
desanimaram na tarefa da militância partidária. E assim foi até seus últimos
anos de vida. Jacinto, o médico, negro, comunista, viria a falecer em 10 de
agosto de 1961.
"Santinho" do candidato a vereador pelo então Distrito Federal. Acervo DPS/APERJ. |
Renato Dória - IHJA, FIOCRUZ e UFF
Leonardo Soares - IHJA e UFF