Por Janis Alessandra Pereira Cassilia
Professora de história e mestre em história das ciências e da saúde (COC/Fiocruz)
No início do século XX, a cidade do
Rio de Janeiro, então capital federal passou por uma série de transformações urbanísticas
e sociais. Casarões e cortiços, lares dos mais pobres eram demolidos enquanto
as chamadas “classes perigosas” se dirigiam para zonas mais afastadas, formando
as primeiras favelas e bairros do subúrbio da zona norte. Ao mesmo tempo, a
elite começa a direcionar suas residências e palacetes para a zona sul à
procura de ares mais sadios e longe das doenças do centro. Procurava-se
produzir uma cidade organizada e “civilizada” aos moldes europeus como vitrine
de um país modernizado de acordo às ideias da recém proclamada república
brasileira.
Longe do burburinho do centro, Jacarepaguá
era considerada zona rural do município, o chamado “sertão carioca”, com fazendas,
sítios e chácaras que produziam hortaliças, frutíferas e outros gêneros. O
acesso era difícil, feito a carroça, charrete ou a pé. Durante muito tempo a
estação de trem mais próxima ficava em Cascadura, e a linha do bonde (à tração
animal e depois elétrico) seguia da Praça Seca até o Tanque. Grande parte da
região, ainda conservava os velhos casarões e fazendas coloniais, muitos deles
de antigas famílias nobres e de ordens religiosas.
No meio de tantas transformações,
intelectuais, políticos, médicos e sanitaristas pensavam a cidade do Rio de
Janeiro como uma cidade doente que deveria ser medicalizada e higienizada. Enquanto
o movimento pela vacina era visto como medida primordial para o combate de
doenças, pensava-se que o tratamento de outras doenças deveria ser realizado em
isolamento e longe dos centros urbanos. Diversos argumentos eram utilizados
para implantar esse modelo de tratamento e assistência, como retirar da cidade
a fim de proteger os doentes dos olhares dos habitantes, impedir a circulação
de vadios e personagens violentos, além de proporcionar a esses indivíduos um
local sadio e em meio à natureza.
Para isso, a área de Jacarepaguá foi
eleita como lugar ideal para a criação de hospitais de isolamento de tratamento
de doenças como tuberculose, lepra e doença mental, pois oferecia o clima e a
distância necessárias para tal feito. Entre as décadas de 1920 e 1950 quatro
hospitais foram criados na Baixada de Jacarepaguá, todos obedecendo os
critérios de locais de isolamento e tratamento dessas doenças.
Construídos na década de 1920, a Colônia Juliano Moreira e o Hospital-Colônia Curupaiti, estavam dentro dos
parâmetros do conceito de Hospital-Colônia, um local de grande extensão
espacial, longe dos centros urbanos e de difícil acesso, onde além do
tratamento houvesse meios de formação de um espaço de sociabilidades dentro do
hospital e controlado pela equipe médica. Inaugurados nas décadas de 1940
e 1950, o Hospital de Santa Maria e o Conjunto Sanatorial da Curicica, de
atendimento a tuberculosos, estavam inseridos em uma política de erradicação da
Tuberculose do Governo Federal. Eram grandes instalações que preconizavam o
isolamento como forma de tratamento e de impedir a propagação da doença. É
característico destes espaços a internação compulsória e o longo tempo de
internação, culminando muitas vezes em grande parte da vida do paciente.
Colônia
Juliano Moreira (atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Mental
Juliano Moreira)
Até
a década de 1950, possuía 4 núcleos com diversos pavilhões, incluindo um para
cirurgias como lobotomia e tratamento por eletrochoque e choque químico, e
passou a ser visto como o mais importante hospital psiquiátrico do Brasil. No
auge do seu funcionamento, a colônia chegou a atender quase 8 mil internos,
possuir 4 núcleos divididos em 2 masculinos e 2 femininos, pavilhões para
tuberculosos, pavilhões de isolamento para pacientes perigosos, necrotério,
hospital de cirurgias, cinema, rádio, hortas e oficinas mecânicas e de
colchões, campo e time de futebol, clube recreativo, igreja, vila de casas para
funcionários, casa do diretor e de médicos e biblioteca.
Contudo a superlotação e os cortes no orçamento
contribuíram para a depredação e abandono de pavilhões e núcleos. Enquanto isso,
a comunidade interna aumentava e ganha feições de bairro integrado ao resto da
cidade.
Apesar de sua estrutura, inúmeras eram as
histórias de abandono e de dificuldades dos pacientes. Muitos eram para lá
encaminhados de outras instituições psiquiátricas, correcionais ou até mesmo da
polícia e eram internados de forma compulsória. Nos anos 70 e 80 as denúncias
de maus tratos ganharam força e impulsionaram o movimento da reforma
psiquiátrica.
Hoje, a área é dividida pela Prefeitura do
Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz e o Exército, e é cortada por uma via
expressa (a transolímpica). Algumas unidades de tratamento ainda existem como o
Hospital Jurandyr Manfredini e pavilhões dos núcleos Rodrigues Caldas e Franco
da Rocha. Outros prédios do antigo hospital sofrem com a descaracterização,
invasões e abandono.
Hospital
Colônia Curupaiti (atual Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária –
Hospital Curupaiti Dermatologista)
"Esta Casa foi a sede de administração até 1937. Hoje o Hospital tem lotação para 400 doentes e é centro de leprologia". Hospital Colônia de Curupaiti, fundado em Jacarepaguá, Distrito Federal, em Outubro de 1928. Acervo Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz. Fiocruz. Disponível em: http://basearch.coc.fiocruz.br/
Fundado em 1928, em terreno elevado de
difícil acesso e de 130 mil m², o Hospital Colônia do Curupaiti, foi um dos
primeiros hospitais-colônia para o tratamento da hanseníase em controle do
Estado. Se tornou centro de referência no tratamento da doença apesar da
internação compulsória realizada no local. Começando com o tratamento de 53
pacientes, com o passar dos anos viu o número de internos e suas instalações
aumentarem. Possuía 3 pavilhões e abrigos masculinos, 1 pavilhão e abrigo
femininos, cineteatro, rádio, campo de futebol, hospital de cirurgias, prédio
de psiquiatria, prédio para tratamento de crianças, além de casas e vilas para
os internos, divididos entre solteiros e casais. A vida social dentro da
Colônia também era expressiva, dado a existência de muitas festas (como
casamentos e aniversários) e de festas religiosas (como carnaval, juninas,
entre outros). Além da presença da Igreja Católica, havia centro espírita,
centro de umbanda, igrejas evangélicas e centro budista.
A internação compulsória também foi uma
característica desta instituição. Assim como a doença mental, a hanseníase
(antiga lepra) trazia a seus enfermos o estigma do preconceito, e uma morte
social que precedia a morte física. Dentro da instituição, esses pacientes se
integravam a vida social lá existente enquanto recebiam tratamento para a
hanseníase. Muitos já curados permaneciam no Curupaiti devido a crença no
retorno da doença e na dificuldade de retornar a sociedade externa fora dos
muros do hospital-colônia.
Após a década de 1980, quando o
isolamento e a internação compulsória deixaram de existir, o espaço passou a sofrer
cada vez com o abandono e depredação das suas instalações. Atualmente em parte
do terreno foi criada uma comunidade. Os prédios do cineteatro, rádio e outros
instrumentos de socialização foram abandonados, com exceção de alguns centros
religiosos e do campo de futebol. Muitos
ex-pacientes continuam a residir dentro dos pavilhões com dificuldades de
mobilidade (provocadas pela doença ou por velhice) e de reinserção social (como
moradia e emprego). Outros constituíram família e residem em casas e vilas
dentro do hospital.
Hospital
Sanatório Santa Maria (atual Hospital Estadual Santa Maria)
Hospital de Santa Maria, em Jacarepaguá, s/d. Acervo pessoal.
Sua construção teve início em 1939,
em terras da antiga Fazenda Santa Maria. Foi inaugurado em 1943, mas só começou
a atender pacientes em 1945, com 26 enfermos transferidos do Hospital São
Sebastião. Era um hospital destinado ao isolamento e tratamento de tuberculosos,
com capacidade de 546 leitos, e fazia parte do projeto de construção de
diversos sanatórios no Brasil, a cargo do Departamento Nacional de Tuberculose
(DNT), do Ministério da Educação e Saúde (MES).
Localizado em terreno elevado de
difícil acesso, recebia pacientes transferidos de diversas instituições e a
partir dos anos de 1960 passou a estar sob a responsabilidade do governo estadual
e a prestar atendimento clínico e cirúrgico. Em meados dos anos de 1970, as
cirurgias foram interrompidas, dedicando-se à internação e isolamento dos
pacientes tísicos.
Com a passagem do tempo formou-se
uma comunidade ao redor do Hospital. Diversas enfermarias e pavilhões foram
desativados e abandonados. Nos últimos anos, os conflitos entre o tráfico de
drogas e a milícia que disputam território na região, atingiram o hospital que
foi fechado pelo poder público estadual em 2019.
Conjunto
Sanatorial de Curicica (atual Hospital Municipal Raphael de Paula Souza)
“Vista aérea das obras do Sanatório de Curicica”, fotografia com data de 25 de março de 1950. Fonte: Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Disponível em: http://basearch.coc.fiocruz.br/
O Conjunto Sanatorial Curicica
possuía capacidade para 1.500 leitos, era composto biblioteca, enfermarias,
laboratório, centro cirúrgico, maternidade, biblioteca, administração,
necrotério, alojamento para médicos e diretor, centro médico, biotério, capela,
estação de tratamento de esgoto, subestação de luz e força, entre outros
prédios típicos de hospitais de isolamento e que também existiam na Colônia e
no Curupaiti.
A partir da década de 1980, o
hospital foi dividido em duas partes. Uma administrada pelo município do Rio de
Janeiro, que compunha o hospital, os serviços ambulatoriais e a administração,
e outra composta pela Casa do Diretor e alojamentos que passaram a compor um
centro de pesquisa, Centro de Referência Hélio Fraga, da Escola Nacional de
Saúde Pública (ENSP), Fiocruz. A parte sob responsabilidade do município
encontra-se em estado de má conservação e completo abandono, com pavilhões,
enfermarias fechadas, inclusive o centro cirúrgico. Parte do terreno original do hospital sofreu
com invasões e a criação de uma comunidade. Além disso, foi construída uma
creche municipal e pavilhões foram demolidos pelo poder público alegando-se
perigo de desabamento.