Por Janis Cassilia, pesquisadora do IHBAJA
Professora
de História e mestre em História das ciências e da Saúde
Stella
do Patrocínio nasceu em 1941. Era uma mulher negra e pobre cujo sustento era
mantido pelo seu serviço como empregada doméstica. Era solteira, gostava de
óculos de sol, caixa de fósforo, cigarro, Coca-Cola, leite condensado e
biscoito de chocolate. Era alta e tinha porte de rainha. Não sabemos muito de
sua história antes da internação. Em sua ficha as informações diziam apenas que
foi abordada pela polícia no bairro de Botafogo, em 1962, quando pretendia
tomar um ônibus para a Central do Brasil. Levada pela viatura policial até o
pronto de socorro mais próximo, foi encaminhada ao Centro Psiquiátrico Pedro
II, no Engenho de dentro, onde se tornou um “sujeito psiquiatrizado”. Em 1966,
foi transferida para o Núcleo Teixeira Brandão, na Colônia Juliano Moreira, em
Jacarepaguá, local em que ficou até sua morte em 1992. Junta de Stella viviam
outros quase 6 mil internos no complexo de hospitais da Colônia. Encarcerados,
esquecidos e marginalizados.
O
perfil de Stella é o mais encontrado nos arquivos de hospitais psiquiátricos
durante o século XX: mulheres negras e pobres, muitas analfabetas, que sabiam,
talvez, assinar apenas o próprio nome. Consideradas indigentes, passaram longo
tempo internadas, sem visitas regulares e com poucas anotações médicas em seus
prontuários. Períodos de 10, 20 anos ou mais de internação que se refletem em
prontuários vazios, quase em branco, muitos sem fotos, com informações escassas
(diagnósticos, evasões, alguns exames ou anotações de tratamento e por fim o
motivo da morte). Eram enterradas como indigentes. Esses prontuários expressam
a ausência de voz dessas mulheres, silenciadas pelo sistema manicomial.
Mais livros e homenagens foram criados e realizados após sua morte. Neste mês de reflexão sobre a luta pelos direitos das mulheres, personagens como Stella do Patrocínio que mantiveram suas vozes, em meio a uma morte social, são importantes para entendermos e refletirmos sobre a nossa sociedade atual. Para além da luta manicomial pelo qual Stella é um dos ícones e destaque, esta mulher, negra, pobre, psiquiatrizada tornou-se uma voz poderosa.
Alguns poemas de Stella do Patrocínio:
Referências:
CASSILIA. Janis A. P. Doença Mental e Estado Novo: A loucura de um Tempo. Dissertação no PPGHCS,. Rio de Janeiro, 2011.
VENANCIO, A. T. A. ; CASSILIA, J. A doença mental como tema: uma análise dos estudos no Brasil. Espaço Plural, v. 11, n.22, pp. 24-34, 1º. sem. 2010.
ZACHARIAS, Anna C. V. Stella do Patrocínio ou o retorno de quem sempre esteve aqui. Revista Cult, 2020. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/stella-do-patrocinio-retorno-sempre-esteve-aqui/. Acesso em: 08 mar. 2021.
ZARA, Telma B. de M. "Eu sou um anega, preta e crioula": gênero e identidade na obra de Stela do Patrocínio. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. Disponível: http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1377028465_ARQUIVO_Texto_Completo_Fazendo_Genero_-_Telma_Beiser_de_Melo_Zara.pdf. Acesso em: 06 mar 2021.