A rede de
organizações comunistas de Jacarepaguá
Boa parte da historiografia que tratou de revisar a história das
esquerdas no país, com maior ênfase no Partido Comunista do Brasil (PCB),
buscou com uma obstinação assustadora provar que se havia algo que essa
corrente não gostava, esse algo atendia pelo nome de "povo".
Queria-se com isso afirmar que os nossos grupos de esquerda tinham pouco ou
pouquíssimo apreço pelo trabalho junto ás bases populares, preferindo ditar
regras e normas sobre a verdadeira consciência de classe atrás de suas
escrivaninhas e á frente de pilhas de empoeirados tomos de vulgarização do
marxismo editados pela escola soviética (e stalinista) de ciências. Mas as
pesquisas mais recentes, baseadas maciçamente na apuração de documentos de
época, têm revelado uma faceta bem mais interessante – e muito menos caricata –
dos militantes e das organizações que pertenciam ao antigo PCB.
E vale lembrar que os comunistas tiveram passagem marcante, embora
pequena, na região de Jacarepaguá. Atuação esta que remonta ao período em que o
bairro era ainda quase que totalmente agrícola, desde os anos 30. Algumas
células da Aliança Nacional Libertadora (ANL) são dessa época. O próprio perfil
agrário do bairro, que era caracterizado por um certo isolamento do local,
favorecia a realização de atividades de “agitação e conspiração” de maneira
mais tranquila e sossegada – ao menos teoricamente.
Casa do Tanque onde eram realizadas reuniões da célula comunista local
A partir dos anos 40, mais precisamente no ano de 1945, com a volta do
Partido à legalidade, alguns de seus quadros viam em Jacarepaguá um lugar de
grande potencial para a montagem de uma rede sindical vermelha na zona rural da
cidade. Além disso, a crescente expansão urbana produzia consequências
ambíguas: se de um lado aumentava a demanda por serviços públicos urbanos
(estradas, ruas, calçamentos, luz, água, postos de saúde etc.), por outro, tal
expansão colocava em risco a agricultura do lugar. Todavia, não restava dúvida
que eram situações de grande potencial conflitivo e os comunistas viam nisso
uma excelente oportunidade de marcar posição junto aos habitantes do bairro. Na
verdade começava ali, com grande participação do PCB, um amplo processo de
criação de movimentos locais que demandavam por melhorias nos diferentes
bairros.
Outra sede de reuniões
E seria nesse contexto que o Partido criaria os Comitês
Populares Democráticos (CPD), que seguiam a chamada política de massas
do “partido de Prestes”. Notem que aqui
não passava pela cabeça de ninguém fazer algo sem o prévio processo de
politização das classes populares. E, detalhe, não se está falando aqui de algo
como uma revolução – mas tão somente uma ação em prol da construção de uma bica
d’água ou do conserto de uma calçada - que era algo geralmente em falta
em Jacarepaguá naqueles anos 40, quase 50 (e ainda seguiria faltando por várias
décadas afora).
Neste endereço (início da estrada do Gabinal) foram realizados alguns eventos da Liga Camponesa de Jacarepaguá |
Com esse propósito, militantes do PCB como o cearense Pedro Coutinho
Filho, o médico Jacinto Luciano Moreira e ativistas como Waldyr Moura e Antonio
Caseiro montaram algumas organizações que tinham como objetivo específico
prover serviço jurídico aos seus associados, lutar pelas melhorias no bairro e
organizar eventos como assembleias, palestras, mesas-redondas e até festas e
churrascos (quem é de ferro?).
Esses eram os temas tratados nos vários CPD’s criados pelos comunistas,
assim como na Liga Camponesa de Jacarepaguá, nas inúmeras células (23 de
Outubro, Ajuricaba), nas Uniões Femininas e nas Comissões pela Paz.
Leonardo Soares é historiador do IHBAJA e professor da UFF