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quarta-feira, 22 de março de 2017

Lavradores de Jacarepaguá resistem ao maior assalto a terras da cidade do Rio de Janeiro





Grilagem de terras em Jacarepaguá: lavradores resistem ao maior assalto a terras da cidade do Rio de Janeiro


 por Renato Dória*
No dia 30 de janeiro de 1935, importantes jornais cariocas davam espaço à audaciosa saga de Vicente Carino, advogado dos lavradores de Jacarepaguá e Guaratiba. Carino denunciava à Corte de Ape­lação do Distrito Federal a situação dos seus clientes: o Banco de Crédito Móvel (BCM), por meio de falsas escrituras de propriedade das fazendas Camorim, Vargem Pequena e Vargem Grande, ameaça­va de despejo mais de cem famílias, seus clientes, que ocupavam uma extensão de mais de 9.000 m² de terras naquela região.
Para o advogado, as ações do banco em Jacarepaguá e Guaratiba constituía o maior assalto a terras da cidade do Rio de Janeiro. Além de contar com uma apreciação severa dos magistrados sobre a duvidosa documentação apresentada pelo banco, Carino lançou mão de uma tática bastante inovadora, que seria repetida mais tarde por Francisco Julião: lotou os salões do tribunal com uma delegação de mais de cem lavradores, aguardando o resultado da sentença que avaliava o pedido de anulação de uma promessa de venda de um sítio, assinada por um lavrador sob coação de mandatários do banco.
O BCM surgiu como uma espécie de “fiador” da Companhia Engenho Central de Jacarepaguá, que em janeiro de 1891 comprou as terras apresentadas como pertencentes à Ordem dos Beneditinos: as fazendas do Camorim e das Vargens Pequena e Grande. As famílias de lavradores, que ocupavam há dezenas de anos aquelas terras, não reconhecendo o direito do banco, fundaram a Caixa Auxiliadora dos Lavradores de Jacarepaguá e Guaratiba, por volta de 1920, e desde então passaram a sofrer ações de reintegração de posse patrocinadas pelo BCM na justiça.
Em maio de 1923, dois lavradores de Piabas, membros daquela Caixa, estavam ameaçados de despejo pelo BCM. Após se reunir diversas vezes em Piabas, os membros da Caixa decidiram não pagar aluguel a quem não provasse ser proprietário das terras. Situação semelhante protagonizou a Fábrica Bangu, que criou uma empresa para a qual foram repassadas suas terras, que supostamente estavam abandonadas, porém, na verdade, ocupadas e arrendadas por inúmeras famílias de lavradores.
A Bangu Empreendi­mentos S.A., segundo o historiador Robert Pechman, foi um “embuste criado desde 1937 para mascarar as relações de arrendamento e posse” existentes entre as famílias de lavradores e a fábrica. E, durante a década de 1970, o “embuste empresarial” foi responsável por acionar juridicamente o despejo de mais de 1.200 famílias naquela região. Caso semelhante parece ter sido o papel do Banco de Crédito Móvel na Baixada de Jacarepaguá em relação às famílias de lavradores ao longo do século XX na região.
*Pesquisador do IHBAJA