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sexta-feira, 28 de março de 2014

IHBAJA participa de evento Cultural de Resistência Quilombola organizada por moradores da comunidade do Alto Camorim



No último domingo, 23 de março, ocorreu uma atividade de inestimável valor histórico e cultural no bairro do Camorim, na Baixada de Jacarepaguá: foi o Evento de Resistência Cultural Quilombola da Comunidade do Alto Camorim. Realizada pelos moradores da comunidade do Alto Camorim, teve o apoio da Rede Carioca de Agricultura Urbana, Instituto PACS (Políticas Alternativas para o Cone Sul) e da administração da Igreja São Gonçalo de Amarante, construída em 1625 e que cedeu o espaço para a realização da atividade. Outras organizações e entidades do movimento social de Jacarepaguá, que também colaboraram na organização do evento, estiveram presentes: a Associação Cultural do Camorim (ACUCA), o Jornal Abaixo Assinado de Jacarepaguá (JAAJ) e o Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá (IHBAJA). Acadêmicos, moradores da região, visitantes da Baixada Fluminense, moradores de favelas de Jacarepaguá e da zona sul da cidade e militantes da Organização Popular-RJ também marcaram presença.



Um flagrante da abertura do evento: na foto, moradores do Alto Camorim, representantes da ACUCA,
da Rede Carioca de Agricultura Urbana, da Agrovargem e do Instituto PACS.
No evento, o destaque foi a presença de representantes de outras experiências de resistência na região de Jacarepaguá: uma comissão de moradores da Vila Autódromo, que relataram suas experiências recentes de luta contra as tentativas de remoção por parte da Prefeitura; e outra comissão da Associação de Agricultores de Vargem Grande (Agrovargem), que relataram suas experiências com os movimentos de agroecologia da cidade através da Rede Carioca de Agricultura Urbana e com a administração do Parque Estadual da Pedra Branca, devido às recentes controversas durante a elaboração do plano de manejo do parque.
 
O militante e pesquisador Renato Dória esteve presente no evento representando o Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá e ofereceu a atividade "Nas Trilhas da Resistência", um bate-papo sobre a história de Jacarepaguá a partir das experiências de resistência protagonizadas por trabalhadores que viveram na região. É esta uma das formas que o IHBAJA busca contribuir com as lutas sociais e históricas que ocorreram e foram protagonizadas por moradores de Jacarepaguá. Na atividade, foi abordada desde a luta dos quilombolas da região até a luta dos lavradores do Sertão Carioca, época em que a região de Jacarepaguá fazia parte da zona rural carioca. A troca de experiências entre os presentes durante a atividade foi animadora, com destaque para a comissão de moradores da favela morro Santa Marta, que apresentaram aos presentes a experiencia de trilha histórica que realizam onde moram, uma das primeiras da zona sul.
 
Mais um flagrante da abertura da atividade. Desta vez, com representantes da comunidade do
Alto Camorim, do Jornal Abaixo Assinado de Jacarepáguá e do Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá
 
   BREVE HISTÓRICO DA PRESENÇA QUILOMBOLA NO CAMORIM
 
Uma dos formas de se contar a história do bairro do Camorim é a partir da fundação, em 1622, do Engenho d'Água de São Gonçalo ou Engenho do Camorim, por Gonçalo Correia de Sá. Gonçalo foi um sesmeiro (senhor de terras) da região de Jacarepaguá durante o século XVII, onde mandou construir uma Igreja em 1625 nas terras do Engenho do Camorim. Filho de um dos primeiros Governadores Gerais da cidade do Rio de Janeiro, o general Salvador Correia de Sá, Gonçalo vem de uma família de militares que participou de inúmeras guerras empreendidas pelos portugueses no processo de conquista e ocupação do território americano contra as nações indígenas originárias e outras nações européias, como os franceses e holandeses. Entre os séculos XV e XVII, portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses participaram da chamada Expansão Marítima, episódio que marcou profundamente a história dos povos dos continentes Africano e Americano, em decorrência das relações de dominação e escravização da gente destes territórios estabelecidas pelos europeus durante o processo de colonização.


Desta forma, não podemos deixar de lembrar que sesmeiros portugueses, como Gonçalo Correia de Sá e seu pai Salvador Correia de Sá, conquistadores e povoadores da cidade do Rio de Janeiro, foram responsáveis pela morte e escravização de milhares de indígenas e de africanos de diversas etnias. E neste contexto que é construído o Engenho do Camorim, movido a energia hidráulica e com o emprego de mão-de-obra escravizada, uma das mais modernas tecnologias de transformação da cana em açúcar naquele período. Foi também um dos primeiros a serem construídos na região de Jacarepaguá durante o período de conquista e ocupação do Rio de Janeiro pelos portugueses.
 
Representante do IHBAJA oferecendo a atividade "Nas Trilhas da Resistência",
onde abordou o histórico da presença quilombola na região de Jacarepaguá. A foto flagra
a área interna da Igreja São Gonçalo de Amarante, construída em 1625.

Outra forma de se contar a história do bairro do Camorim remete ao início do século XVII, no ano de 1614, quando os primeiros africanos escravizados chegaram à cidade e muitos deles foram trabalhar sob o regime compulsório nas terras aforadas de Jacarepaguá. Onze anos depois da chegada deste primeiro contingente de africanos escravizados e apenas três anos após a fundação do Engenho do Camorim, surge, em 1625, um dos primeiros quilombos do Rio de Janeiro colonial: o Quilombo do Camorim. Isto demonstra que as lutas de resistência de africanos escravizados não tardou a brotar no Rio de Janeiro após a invasão portuguesa.


Até o século XIX os quilombos contribuíram significativamente para o processo de construção do território da cidade a partir da resistência à escravização. As tropas imperiais avançavam constantemente sobre os territórios ocupados pelos quilombos, buscando aprisionar novamente escravos fugidos. Disso decorria a mobilidade espacial e temporal dos quilombos e sua localização nas áreas rurais, brejos, encostas ou nos vazios urbanos. Disso decorria também o avanço do território português na direção do sertão do Rio de Janeiro. E dos quilombos mais duradouros destaca-se o de Palmares, surgido no coração do nordeste. Não sabemos quantos anos durou o Quilombo do Camorim, em Jacarepaguá, mas sabemos que esta não foi a única presença de resistência quilombola na região.

Outro flagrante da atividade oferecida pelo IHBAJA aos particpantes do evento: na foto registramos
a intervenção de um dos participantes, morador da favela morro Santa Marta, onde desenvolve atividade de trilha histórica sobre a ocupação do morro desde os primeiros ocupantes.
No período final da escravidão, quando ocorreu um movimento de desfazer as alforrias e restabelecer a escravidão para ex-escravos, durante a década de 1880 os habitantes do Quilombo de Camboinhas (ou Camorim), na freguesia rural de Jacarepaguá, por pouco não foram surpresos e presos pela polícia imperial. Além destes registros, há outros indícios da presença de população quilombola e forra em Jacarepaguá. Nas encostas entre a serra dos Três Rios e a da Covanca, está situada a serra dos Pretos Forros, local que no início do século XX já abrigava ex-escravos libertos no morro da Cachoeirinha, na vertente do Lins. E na vertente da região da Taquara do maciço da Pedra Branca existe uma trilha que chega até a Pedra e o morro do Quilombo. Mais uma vez, vemos fortes indícios da herança da resistência política e cultural dos africanos na região.


O QUILOMBO ONTEM E HOJE NA BAIXADA DE JACAREPAGUÁ

Quilombo foi uma denominação dos colonizadores portugueses para designar os territórios de resistência que os escravos fugidos chamavam de mocambos ou cerca. Mesmo não durando por muito tempo,  é inquestionável a resistência dos ex-escravos africanos, os quilombolas, durante a colonização portuguesa. Para alguns pesquisadores, entre fins do século XIX e início do século XX alguns quilombos se transformaram em favela: outro espaço criminalizado, desta vez pelo Estado Republicano. E ao longo do século XX, muitas favelas se desenvolveram em Jacarepaguá, dentre elas, a comunidade do Alto Camorim. E na atualidade observamos o resgate desta herança de resistência dos povos afrodescendentes em Jacarepaguá.


Moradores do Alto Camorim e representantes da ACUCA concedem
depoimento sobre as lutas de resistência cultural da comunidade. Ao fundo a fachada da
Igreja São Gonçalo de Amarante, construída em 1625.
Desde 2004, há dez anos, moradores do Alto Camorim entraram com processo junto ao INCRA pleiteando o seu reconhecimento enquanto comunidade remanescente de quilombo. Além disso, foi pleiteado junto à Prefeitura um espaço para desenvolvimento de atividades para exercício da memória e da identidade cultural quilombola dos moradores da região. Uma das instituições a frente deste processo é a Associação Cultural do Camorim (ACUCA), instituição local que participou da organização do evento do último 23 de março.
 

Os moradores do Alto Camorim, que se reconhecem herdeiros da tradição quilombola em Jacarepaguá, possuem uma preocupação que é digna de registro: o avanço do mercado imobiliário na região. O bairro do Camorim é uma das regiões que mais cresce hoje em dia na cidade do Rio de Janeiro. Parte devido a quantidade de terras ainda sem edificações, o que evidencia na região a prática da valorização e da especulação fundiária; e parte devido ao fato de que a região vem recebendo melhorias na infraestrutura devido aos Jogos Olímpicos de 2016, o que resulta na procura por moradias, seja por operários em busca de trabalho; seja por uma classe média em busca de morar num "bairro verde", chamariz bastante utilizado pelas imobiliárias da região, como a RJZ Cyrella no empreendimento chamado Floris, que brota como erva daninha de dentro das florestas do Camorim.

Outro momento do evento cultural de resistência quilombola no Alto Camorim: atividade de
caminhada até o Núcleo Camorim do Parque Estadual da Pedra Branca. Durante o período colonial os escravos e
quilombolas foram responsáveis pela abertura de muitos caminhos pelas matas do Rio de Janeiro.
 

Assim, enquanto o pleito colocado pela ACUCA e demais moradores do Alto Camorim junto à Prefeitura, para ter no local um espaço para desenvolvimento de atividades de resgate da cultura e memória quilombola vem se arrastando há anos, por outro lado, a Prefeitura parece ter mais disposição em estender as mãos para as empresas do ramo imobiliário. Pois os moradores do Alto Camorim observam, cada vez mais, o avanço dos projetos imobiliários sobre áreas densas de floresta, que com o aval da Prefeitura através do PEU das Vargens, propõe redefinições e aumento do gabarito para as construções de imóveis na região.

E é aí que reside a importância da atividade realizada no dia 23/03 na comunidade do Alto Camorim: a denúncia desta prática perversa do poder público em relação aos que reivindicam a herança local da cultura afrodescendente e quilombola em Jacarepaguá e com isso, marcando uma posição política nitidamente de resistência. Fica evidente, assim como no caso de Vila Autódromo, que o peso político que grupos empresarias possuem sobre a direção das políticas públicas é bem maior do que o peso político dos trabalhadores e moradores de favelas.

Após a caminhada e chegar até o Núcleo do Camorim do Parque Estadual da Pedra Branca
os participantes do evento puderam conhecer a apreciar a queda d'água Véu da Noiva.
E o IHBAJA reconhece a importância do evento e da herança histórica da região do Camorim, que não está apenas presente no Patrimônio Material da região, como a Igrejinha do século XVII. Entendemos que o Patrimônio Histórico e Cultural de um povo está também na cultura imaterial, nas tradições, nos costumes e práticas culturais e sociais dos trabalhadores e no cotidiano dos moradores mais simples. E em Jacarepaguá, a herança dos povos afrodescendentes está presente naqueles que reconhecem e reivindicam a tradição e a identidade culturais quilombola na região.


Texto: Renato Dória - Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá

Fotos: Aparecida Mercês
 
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sexta-feira, 21 de março de 2014

Atividade Cultural Quilombola na Comunidade do Alto Camorim, em Jacarepaguá - 23/03/2014




 

No próximo domingo, 23 de março, moradores da comunidade do Alto Camorim, em Jacarepaguá, com apoio da Rede Carioca de Agrcultura Urbana, realizarão uma atividade de inestimável valor histórico-cultural para a região da Baixada de Jacarepaguá como um todo, e em particular, para todas as comunidades afrodescendentes do Rio de Janeiro e Brasil. 

A atividade tem como objetivo dar visibilidade às lutas atuais e históricas da comunidade do Alto Camorim, pois há dez os moradores pleiteiam, através de processo no INCRA, para que a instituição reconheça a comunidade enquanto descendente de Quilombo. Contando com alguns apoios e parcerias locais, entre elas o Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá (IHBAJA) e o Jornal Abaixo Assinado de Jacarepaguá (JAAJ), os organizadores do evento oferecem na programação inúmeras atividades ao longo de todo o dia. Confira abaixo a programação completa!

Leia também, abaixo da programação do evento cultural, um  texto falando do histórico quilombola no Alto Camorim e das lutas atuais da comunidade. Elaborado por Maraci Soares, moradora do Alto Camorim e liderança histórica de Jacarepaguá, o texto também possui contribuição de Renato Dória, morador de Jacarepaguá há mais de 30 anos e militante do Instituto Histórico da Baixada de Jacarepáguá. Conifra!


PROGRAMAÇÃO DA ATIVIDADE

8h - 9:30h: Acolhimento dos participantes e café da manhã agroecológico com comidas oferecidas pelos lavradores da Agrovargem, de Vargem Grande.

9:30h - 10h: Abertura - A luta pelo reconhecimento da Comunidade do Alto Camorim enquanto descendente Quilombola - com Maraci Soares, representante da comunidade do Alto Camorim

10h - 10:30h: Nas Trilhas da Resistência - Bate-papo sobre História de Jacarepaguá a partir das lutas sociais: da resistência dos escravos quilombolas no período colonial até as lutas atuais dos moradores de favelas - com Renato Dória, representante do Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá e morador de Jacarepaguá.
 
10:30h - 13h: Atividades Diversas
 
Atividade Opcional I: Missa e visita ao quintal do Seu Sebastião (agricultor local)
Atividade Opcional II: Caminhada no Parque Estadual da Pedra Branca com visita à cachoeira do véu da noiva. Obs: a trilha é de nível baixo de dificuldade.
Atividade Opcional III: Ciranda o Erê

13h: Almoço - Feijoada tradicional

14h: Atividades Culturais diversas: Hip-Hop da melhor qualidade - com Us Neguin Q Não Se Calam.

Roda de Capoeira tradicional, Graffiti em tela


17h: Enceramento.

Como chegar:

Pegar qualquer condução que vá pelo menos até o Centro de Convenções Riocentro pela Estrada dos Bandeirantes.
Seguindo pela Estrada dos Bandeirantes sentido Vargem Grande, ficar atento às seguintes referencias, pela ordem: Supermercado Mundial da Curicica, Projac e Adega Vovô Tino.
Descer no ponto de ônibus que fica em frente à Cobra Tecnologia (pertence ao Banco do Brasil) situado na esquina da estrada dos Bandeirantes com a estrada do Camorim.
Entrar na estrada do Camorim e seguir até o final, onde fica o ponto final das kombis, na Praça da Igreja São Gonçalo de Amarante.
Pronto, chegou! A atividade será no espaço da Igrejinha.

Conduções que seguem pela Estrada dos Bandeirantes:

Do centro do Rio: 368 (via Serra Grajaú-Jacarepaguá) e 348 (via Linha Amarela).

De Madureira e Cascadura: 747, 749, 758, 757.

Da zona sul: 332. Ou pegar qualquer ônibus até o Downtown, Barrashopping ou Alvorada e pegar outro ônibus: 832, 831, 806 (se informem antes).

Demais: 810, vans e Kombis pra o Camorim, Varem Grande e Recreio dos Bandeirantes. Observação: vans e kombis que fazem a linha do Camorim é o transporte que deixa em frente à atividade. É a melhor opção pra quem vem a pé.


 
Destruição ambiental e a luta Quilombola no Alto Camorim

Tivemos que assitir a deburrada de árvores centenárias sendo executada pelo poder financeiro através de acordos com agentes do governo. Os acadêmicos debatem e argumentam que tudo está dentro da legalidade, endossando a prática governamental e propondo como solução e compensação o reflorestamento. estamos cansados dessas histórias! Somos sbestimados e excluídos. Os moradores do Alto Camorim são nativos nestas terras, somos os verdadeiros ambientalistas que vivem na prática uma relação harmoniosa com anatureza e sentimos na pele o impacto ambiental. Não vivemos só de teorias.

As terras do Alto Camorim constitui um Sítio Arquológico de um Quilombo histórico, um dos primeiros a surgir no Rio de Janeiro durante a colonização portuguesa. Historiadores contam que os primeiros escravos africanos chegaram à cidasde do Rio de Janeiro no ano de 1614, para trabalhar sob a domimnação dos primeiros semeiros e proprietários de engenho. Mas a resistência escrava não tardou e as primeiras notícias sobre a existência de quilombos no Rio de Janeiro são das terras de Jacarepaguá: foi o Quilombo do Camorim, que data do ano de 1625, apenas 11 anos após a chegado dos africanos escravidos e 90 anos após o início da invasão das terras indígenas americanas pelos portuguesas.

Aqui, na comunidade descendente quilombola do Alto Camorim, existem inúmeras provas desta ancestralidade: "a casa Grande dos escravos", a Pedra do Quilombo e os achados arqueológicos de uma escavação realizada no início da década de 2000, quando foram encontrados utensílios de diferentes épocas e ossadas de seres humanos que indicam algumas serem de escravos. Estes achados apontam para uma possível existência de cemitério de escrvaos nas proximidades da Igreja, no coração da nossa terra. Tudo isto reforça a ancestralidade dos nossos descendetes nestas terras.



À direita, exemplo de ossada de escravos desenterrada após escavações. À esquerda, ilustração exemplifica a forma como eram dispostos os corpos dos escravos ao serem enterrados. Chama atenção a quantidade de ossos, o que indica que os escravos eram enterrados em conjunto, cf a ilustração sugere. É provável que a ossada encontrada do lado de fora da Igreja São Gonçalo de Amarante, no Camorim, no início da década de 2000 durante obras, tenha semelhança com a foto acima.

A geografia das terras do Alto Camorim possui a mais notável herança de todas as tradições de resistência quilombola: para se defender e combater o intento de dominação escravista dos portugueses senhores de engenho, cafeicultores e dos capitães do mato, os negros que ousavam resisistir à escravização construíam os seus mocambos, para os portugueses quilombos, sempre em terras altas, o que facilitava a defesa e a fuga, caso as forças de repressão os encontrassem. Portanto, Alto Camorim concentra todas as provas de comunidade remanescente de Quilombo.

Há dez anos a comunidade vem pleiteando um espaço para desenvolvimento cultural das nossas tradições exatamente onde ocorreu a devastação das árvores pelas empreiteiras. Percebemos que a derrubada parou bem próximo à Igreja São Gonçalo de Amarante. No entanto, a "sobra" de espaço que poderia ser cedido (devolvido?) para a comunidade, foi-nos informamdo que seria reservado para a Prefeitura. Recentemente o Sr. Prefeito solicitou o envio para o seu gabinete da documentação do pleito e o projeto do Desenvolvimento Cultural Quilombola. Todos os documentos e fotos foram enviados, entretanto, até o momento não nos foi respondido. Estamos ainda no aguardo de uma resposta.

Assim como no passado caolonial, o quilombo do Camorim segue ainda hoje na luta pela preservação da natureza e da identidade cultural que os portugueses colonizadores e os governantes atuais insistem em desrespeitar. Viva a luta Quilombola! Viva o Quilombo do Alto Camorim!

Maraci Soares, Alto Camorim (outros moradores também colaboraram)
Renato Dória, Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá

 
 
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sexta-feira, 14 de março de 2014

PROBLEMAS SOBRE TRILHOS: o sistema de bondes em Jacarepaguá e os moradores descontentes.

Problemas com transporte público em Jacarepaguá não são recentes. Qualquer pessoa que precise utilizar o transporte público precisa: 1. Acordar ou sair cedo; 2. Se acostumar com ônibus, trem ou metros cheios; 3. Pagar uma tarifa considerada cara por um serviço, muitas vezes, mal prestado; 4. Se acostumar com as constantes obras para “melhor” o trânsito. Mas essa situação não é atual. Em Jacarepaguá é um problema que persiste desde a inauguração do primeiro transporte público que ligou o bairro ao restante da cidade: o bonde.
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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

150 anos de Ernesto Nazareth

Janis Cassília

Hoje se perguntarmos a uma pessoa o que é o tango brasileiro, muito provavelmente a pessoa dirá “não sei”. Ou então se perguntarmos quem era Ernesto Nazareth, poucas pessoas saberão dizer. Numa época em que pagodes, sambas e outras músicas populares invadem as lojas e nossos iphones, deveríamos saber que houve outra época, em que mesclar o erudito com o popular era inovador. Um feito para grandes mestres da música brasileira, o mais reconhecido deles, Ernesto Nazareth.
Há 150 anos nasceu Ernesto Nazareth (1863-1934). Esse homem que foi, no fim de sua vida, paciente da Colônia Juliano Moreira, é visto como um dos grandes mestres da música popular brasileira, lugar de destaque que divide com Chiquinha Gonzaga. Nasceu em uma casa na encosta do Morro do Pinto na região do Porto do Rio de Janeiro. Seu pai era um despachante aduaneiro e sua mãe, que morreu quando Ernesto ainda era criança, a responsável por lhe instruir os primeiros ensinamentos musicais. Aos 14 anos compôs sua primeira música, a polca-lundu “Você bem sabe”, uma resposta ao pai, para afirmar sua vocação musical. Ernesto Nazareth compôs mais de 200 obras, a mais famosa “Odeon”, e a maior parte delas tangos brasileiros, que faziam parte dos Chorões, uma união de ritmos que animava as festas (forrobodós) cariocas. Ligado à música erudita, Nazareth trazia em suas composições elementos populares e africanos. Passou a vida, gravando músicas, se apresentando nas casas de música como pianista demonstrador e no salão de espera do Cinema Odeon. Foi reconhecido internacionalmente, o que não lhe privou de uma vida modesta, apesar de suas músicas terem dado lucro para seus editores. Casado e pai de quatro filhos, trabalhou como compositor, instrumentista, pianista e professor de música.

No decorrer de sua vida perdeu a audição e foi internado na Colônia Juliano Moreira em 1933, onde tocava piano na casa do administrador. Em 1934, depois de visita da sua filha, Ernesto Nazareth fugiu da instituição. Seu corpo foi achado três dias depois, na cachoeira da Colônia, em estado de decomposição. Era um domingo triste de carnaval. O Rio de Janeiro havia perdido um grande compositor para a morte e a loucura. 

Ernesto Nazareth aos 45 anos, 1908. Coleção Luiz Antonio de Almeida. Fonte: http://www.ernestonazareth150anos.com.br/Images




Anúncios de discos da gravadora Odeon, 1930, incluindo o 78-RPM gravado pelo próprio Nazareth contendo as peças Apanhei-te, cavaquinho e Escovado. Coleção Luiz Antonio de Almeida. Fonte: http://www.ernestonazareth150anos.com.br/Images


Reportagem anunciando a morte de Ernesto Nazareth, Correio da Manhã, terça-feira, 6 de fevereiro de 1934. Fonte: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx



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Participação do IHBAJA no I Seminário Colônia Juliano Moreira: cartografias de um corpo de memórias em transformação.

No dia 30 de novembro de 2013, o IHBAJA participou do seminário Colônia Juliano Moreira: cartografias de um corpo de memórias em transformação realizado pelo Museu Bispo de Rosário na Colônia Juliano Moreira (CJM). Janis Cassília e Valdeir Costa palestraram sobre a história da Colônia Juliano Moreira e sobre a história de Jacarepaguá. O seminário abordou o processo de reordenação do espaço físico e das relações sociais que está ocorrendo na Colônia Juliano Moreira em vista as várias intervenções governamentais e a crise de identidade pela qual passa o recente bairro. Cenário da implantação de diversas políticas públicas na área da saúde mental, a CJM transformou-se em bairro com características próprias que acompanha as modificações estruturais e sociais de Jacarepaguá e num nível maior da cidade do Rio de Janeiro. O I Seminário pretendeu oferecer subsídios históricos, sociais, políticos e culturais para compreensão crítica dos processos que contribuíram para a estruturação da CJM na região da Baixada de Jacarepaguá, oferecendo um panorama das transformações na instituiçãoao longo do século XX até a atualidade. Na parte da manhã, Janis Cassilia, do IHBAJA, palestrou sobre a história da Colônia, desde sua inauguração em 1924 até fins da década de 50. Janis nos apresentou à uma época em que a CJM era considerada o hospital modelo da atuação federal na saúde pública., as várias visitas da Getúlio Vargas ao estabelecimento, as modernas técnicas terapêuticas implantadas pelos médicos e a superpopulação decorrente do fechamento de outras instituições psiquiátricas no Rio de Janeiro. Também foi abordado o início das vilas de moradias que originaram o bairro em que se transformou a CJM. A palestra foi bastante apreciada pelo público, que contribuiu com várias perguntas sobre o passado da CJM.
Na parte da tarde, as atividades foram divididas. Primeiro foi realizada a caminhada histórica pelo centro histórico da Colônia, dirigida por Valdeir Costa, também integrante do IHBAJA. Valdeir destacou os aspectos históricos e geográficos de Jacarepaguá, como por exemplo, a importância mística e religiosa que a área da atual colônia possuía para os índios tupinambás antes da colonização portuguesa, a divisão de sesmarias, com a doação da sesmaria de Jacarepaguá à família Correia de Sá e a importância da produção do açúcar para a colonização e do antigo Engenho Novo, que deu origem à CJM, quando desapropriada pela união em 1912. Valdeir, também em palestra muito elogiada pelo público, percorreu o Centro Histórico, apresentando as construções do antigo engenho e da Colônia e suas respectivas funções, com destaque para a Igreja Nossa Senhora de Remédios e o Aqueduto.
Seguindo a programação, após a caminhada histórica ocorreram uma nova palestra de Janis Cassília e do professor da PUC-Rio Guilherme Guttman. Guttman refletiu sobre o que é a loucura, a loucura de cada pessoa dentro do seu intimo. Já Janis Cassília abriu espaço para uma conversa sobre os processos sociais que estão ocorrendo dentro do espaço da Colônia, em destaque para a questão dos grandes eventos que o Rio sediará.

Seguem abaixo fotos do evento:


A diretora do Museu, Raquel, como mediadora e a palestrante Janis Cassilia.


Início da caminhada histórica.


Caminhada histórica, Morro Dois Irmãos.


Valdeir Costa durante a caminhada histórica.





No portão secundário do Antigo Engenho Novo, Centro Histórico da Colônia.


Valdeir Costa palestrando.


Sob o aqueduto da Colônia.




Fim da caminhada histórica, fornos do antigo engenho.


Palestra da Tarde.


Janis Cassília, a mediadora Bianca e Guilherme Guttman.


Público.
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sexta-feira, 1 de novembro de 2013




No ano de 1929, quando a cidade do Rio de Janeiro ainda era a capital do Brasil, estourou uma das maiores crises do sistema capitalista mundial, a chamada Crise de 29. Esta crise provocou demissões em massa em diversos setores da economia mundial, impactando também no Brasil, onde milhares de operários se viram, de uma hora para outra, sem seu único meio de garantir sua subsistência e de sua família.  No mês de março de 1929, uma equipe do jornal A Pátria esteve presente em Deodoro, na Fábrica de Tecidos Sapopemba, e descreveu a situação de “desolação” e “abandono” daquela oficina que “há mais de vinte anos animara a remota estação Suburbana de Deodoro”. Aquela oficina fabril, que outrora empregava mais de 700 operários, se via sem “capital e sem trabalho”, de acordo com o caseiro da fábrica (CARONE, 1984).

Neste mesmo ano, de acordo com um relatório da Polícia Civil do D.F. foram realizadas aproximadamente dez greves protagonizadas por diferentes categorias de trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro. Uma delas ocorreu aqui na Baixada de Jacarepaguá, próximo da atual Praça Seca, no nº 1.243 da Avenida Cândido Benício: foi a greve dos padeiros da Padaria Jandyra. Um dos empregados do estabelecimento, provavelmente em sérias dificuldades financeiras devido à conjuntura caótica da crise de 1929, e premido pela necessidade, foi solicitar ao seu empregador um adiantamento de seu salário. Como se encontrava em débito com o patrão, este se recusou a dar o adiantamento ao padeiro em dificuldades e em solidariedade ao colega de trabalho os demais trabalhadores da Padaria Jandyra decidiram paralisar os trabalhos. Como se recusavam em prosseguir com as atividades, foram conduzidos ao 24º Distrito Policial e os serviços naquela padaria voltaram ao normal com o apoio da Polícia que deslocou padeiros de outros lugares para substituírem os grevistas que foram conduzidos para o D.P (ver fundo DESPS no APERJ).

Esta situação é bem ilustrativa daquele período, pois a questão social, ou seja, as reivindicações básicas por melhores condições de vida encampadas pela classe trabalhadora eram tidas como caso de Polícia. Isso evidencia os sérios limites da democracia então em vigor no país. Não podemos esquecer que dependendo da filiação partidária ou ideológica, uma pessoa podia ser simplesmente banida do Brasil, caso dos anarquistas, os mais visados pela Lei Gordo de 1907, que autorizava tal ato.

Av. Cândido Benício entre os nº1219 e 1271. O número 1243 em que
situava a Padaria Jandyra no ano de 1929 não existe mais.
Foto de nov./2012 por Val Costa.
O “levante” dos padeiros da padaria Jandyra é precioso, pois nos revela também outros importantes aspectos do processo de luta dos trabalhadores, somente perceptíveis quando o reinserimos no contexto mais amplo de disputas das classes laborais de sua época. Podemos notar, por exemplo, que atos como a greve ou a paralisação estavam se difundindo por um conjunto amplo de segmentos do mundo do trabalho, não se restringindo aos setores “mais dinâmicos” da economia e nem as paralisações e greves ocorriam por motivo de aumento de salário ou redução da jornada de trabalho. Daí vermos mesmo na década de 20 a profusão de ações de protesto desse tipo não só entre tecelões, metalúrgicos e ferroviários, como também entre motorneiros, sapateiros, funcionários de hotéis, padeiros, mecânicos, chapeleiros, alfaiates, trabalhadores da estiva, motoristas, açougueiros, garçons etc.

Daí vermos também a ocorrência de greves e paralisações motivadas pela solidariedade e necessidade de apoio mútuo entre os trabalhadores que dividiam o cotidiano do mesmo ambiente de trablaho, e, portanto, submetidos aos mesmos problemas e dilemas, como a dominação pelo patrão e a miséria da vida em família.  Essas e muitas outras experiências vivenciadas em conjunto pelos trabalhadores produziam ações mais conscientes e organizadas dos trabalhadores, que resultaram em greves potentes que surgiram ao longo das décadas 1910 e 1920, demonstrando que os trabalhadores se identificavam como classe e que, portanto, reconhecia o seu inimigo de classe: os patrões e o Estado como aliado. E os padeiros e outras tantas categorias de trabalhadores faziam ranger a velha máquina patriarcal e estatal, atuando no sentido de desnaturalizar as tradicionais relações de trabalho, ainda muito embebidas pela cultura escravista. Basta pensar que naquele ano da greve na padaria Jandyra o país havia abolido a escravidão a apenas pouco mais de 30 anos.

Outro aspecto importante - e as paralisações da Jandyra, as inúmeras da Fábrica de Deodoro, de Bangu, de Vila Isabel, do Andaraí, e muitas outras, só para ficarmos no exemplo do Rio de Janeiro – que se torna evidente é que esses e outros protestos, se vistos como fazendo parte do mesmo processo, foram fundamentais para dobrar os governos e eliminar privilégios que o Estado mantinha em favor das classes dominantes que impediram a introdução  das leis trabalhistas desde a década 1910 até o período varguista. O que desmonta a tese de que a CLT teria sido fruto de um ato de bondade de Getúlio Vargas para com os trabalhadores brasileiros. Muito pelo contrário: ela foi resultado inequívoco de lutas e embates, sustentado cotidianamente pelos trabalhadores em seu local de trabalho, como aquele verificado na padaria Jandyra da rua Cândido Benício naquela remota manhã de 1929.

Leonardo S. dos Santos e Renato de S. Dória

 Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá 




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quinta-feira, 5 de setembro de 2013




Não é mistério para ninguém que Jacarepaguá foi uma área de grande produção agrícola há uns 50 ou 60 anos atrás. Aqui por essas bandas se produzia quase tudo um pouco. Se na época da escravidão os grandes proprietários se fartavam com a produção de cana-de-açúcar, a partir de 1888 a região seria ocupada por um sem número de hortas e pomares. Um mar de sítios e chácaras, pequenos lotes de terra movidos pelo trabalho e suor de diversas famílias – a maioria de portugueses. Tínhamos o predomínio de uma agricultura de subsistência. 


Era um modelo onde o que se plantava se voltava principalmente para as necessidades das pessoas. A mão-de-obra era familiar. Poucos eram assalariados. Cuidava-se de alimentar o povo, a gente trabalhadora. Nada lembrava aquele terrível sistema colonial e escravista, de plantation, agroexportador. Uma pena que ele estava restrito a poucos lugares, como Jacarepaguá. Uma pena não ter havido a Reforma Agrária! Certamente teríamos um povo mais bem alimentado, saudável e feliz.


Pior: tal cenário foi destruído em nossa região por um modelo de urbanização predatório, sem nenhuma regulamentação. Destruidor mesmo. E contra isso se voltaram muitos moradores e, principalmente, a esmagadora maioria dos seus pequenos lavradores. E o mais notável de tudo – e essa é uma história ainda muito pouco conhecida: esses trabalhadores vendo a necessidade de constituir uma organização em defesa de seus interesses criaram uma Liga Camponesa. Ela foi uma das primeiras do Brasil, junto com a de Ribeirão Preto e de Iputinga (PE). Para tanto contaram com a inestimável colaboração de comunistas, como o engenheiro e professor Pedro Coutinho Filho. Cearense e membro do PCB, ele foi uma das principais lideranças do “campesinato” da baixada de Jacarepaguá e um dos idealizadores da Liga. Nela os trabalhadores tinham acesso a serviços jurídicos, assistiam a palestras, recebiam orientações técnicas. 




Pedro Coutinho ao centro, junto a uma comissão da Liga. Tribuna Popular, abril de 1946.




E também funcionou como importante base local do PCB na região, servindo como comitê eleitoral para os seus candidatos. A Liga também patrocinava diversos festejos (festa junina, o do Dia das Crianças etc.), churrascos, concursos. Comemorava-se até mesmo o 14 de julho francês (Queda da Bastilha!). Política e diversão caminhavam juntas. Mas sem alienação. A Liga era um importante espaço de conscientização política dos pequenos lavradores. Ali eles passavam a ter a dimensão dos seus direitos, da importância da luta, da pressão constante sobre os poderosos e de como era importante a mobilização tendo por base uma pauta, uma bandeira, uma identidade.  Com a ilegalidade do PCB em 47, as Ligas foram fechadas. Os “camponeses” de Jacarepaguá teriam que reinventar outras formas de organização e lutas na década de 50, mas sem perder a alegria. Jamais.




À direita da foto, o antigo endereço da Liga Camponesa de Jacarepaguá. Foto do autor (2012).



Leonardo Soares dos Santos é pesquisador do IHBAJA e professor da UFF.


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domingo, 9 de junho de 2013

O Comunista da Colônia Juliano Moreira



Tente imaginar você caro(a) leitor(a): estamos na década de 40, bem no coração da ainda agrícola Jacarepaguá, pouco acessível em termos de transportes. É bom lembrar que a região nunca foi atravessada por linhas de trem. E mesmo as linhas de bonde eram alvos de numerosas críticas por parte da população. Além disso, com exceção de alguns centros locais, bastante populosos para os padrões da região, como Pechincha, Tanque e Freguesia, as demais áreas eram escassamente povoadas. E eram nessas áreas que ainda predominavam as atividades agrícolas. Esse também era o caso da Colônia Juliano Moreira. Onde era plantado de quase tudo um pouco (hortaliças, legumes e frutas). Inclusive por quase todos os seus pacientes. Mas ali um antigo funcionário cuidava de plantar outra coisa.
O Dr. Jacinto, no início de 1947. Foto do jornal Tribuna Popular. Acervo DPS/APERJ.

Seu nome era Jacinto Luciano Moreira. Nascido em Minas, negro, de família bastante humilde, veio ainda jovem para o Rio. Começou a trabalhar na Colônia quando ela ainda se localizava na Ilha do Governador. Como seu funcionário fazia o típico papel de “pau pra toda obra”, de servente de pedreiro a entregador de pão. Sua estatura elevada e grande porte físico pareciam incliná-lo para tal. Mas quando passa a cuidar mais diretamente dos pacientes, Jacinto parece despertar para sua verdadeira vocação e decide se tornar médico. Com muito custo e empenho se forma pela Faculdade de Medicina de Niterói em 1942.

E nessa nova experiência o Dr. Jacinto se deparará com outra. Também intensa e que marcará sua vida até os últimos dias: ele passa a ter contato com as ideias, projetos e sonhos do antigo PCB. Nutria simpatias pelo partido desde a década de 30, contribuindo com o Socorro Vermelho, mas se filiaria a ele efetivamente em junho de 1945 e logo se tornou o “secretário político” da Célula 23 de Outubro, que tinha como base de atuação a Colônia Juliano Moreira. Percorria toda a região de bicicleta para atender “aos operários, lavradores, famílias sem recurso”. Também chegou a ter uma pequena clínica no Largo da Taquara. Também ficou muito conhecido por organizar serenatas ao redor do seu violão no lugar. É bem provável que em tais momentos o Dr. Jacinto também exercitasse a sua veia militante, buscando incorporar mais gente para as “fileiras do glorioso partido de Luiz Carlos Prestes”. E por todos esses serviços prestados o PCB decidiu lançá-lo como candidato às eleições para vereador em 47. Ele teve pouco menos de mil votos. Mas apesar disso e mesmo a dura repressão aos comunistas que se seguiu após aquele mesmo ano não o desanimaram na tarefa da militância partidária. E assim foi até seus últimos anos de vida. Jacinto, o médico, negro, comunista, viria a falecer em 10 de agosto de 1961.

"Santinho" do candidato a vereador pelo então Distrito Federal. Acervo DPS/APERJ.


Renato Dória  - IHJA, FIOCRUZ e  UFF 
Leonardo Soares - IHJA e UFF
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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Carlos Lacerda e os posseiros de Jacarepaguá






No início da década de 1960, o Partido Comunista Brasileiro já havia adotado um rumo de total conciliação com os setores da burguesia nacional, seja do meio urbano quanto do meio rural. Mas ainda havia algumas forças conservadoras cuja aliança ou parceria era tida como inviável para o PCB. Uma delas era a UDN, especialmente a sua liderança maior – Carlos Lacerda. Era esta a figura a ser combatida, talvez o principal adversário político do PCB no âmbito do estado da Guanabara. A ele seriam dirigidos a partir do início da década de 60 os principais e mais intensos ataques, mais até do que ao “império ianque”. Lacerda seria responsabilizado por todos os infortúnios vividos pela população carioca e o Novos Rumos (novo nome do jornal do PCB) tentava demonstrá-lo seja através de editoriais e reportagens ou de pequenas “homenagens”, como a que foi concedida na forma de uma música de autoria de Sarandy, leitor assíduo do jornal:   
Nas eleições
quanto potoca,
mil ilusões
pro carioca

Hoje está vendo
o tempo perdeu,
e está sofrendo
quem te elegeu

A água sumiu
o “bicho” rendeu, o povo sentiu
e se arrependeu

Ao progresso
sois um estorvo,
filho da Esso
maldito Corvo

Ódio da farda
é tua sina
o rio da guarda
virou piscina
ódios internos
ódios antigos
crias infernos
mata-mendigos (Novos Rumos, 06-12/09/63, p.6.)

CHARGE DE LACERDA DO ÚLTIMA HORA. ACERVO: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

      As notícias sobre violências e crimes cometidos por grileiros contra lavradores cariocas seriam usadas pela imprensa comunista como um instrumento de afirmação do seu antagonismo em relação a Lacerda. Todos os problemas e desventuras sofridas pelo lavrador do Sertão Carioca eram, no final das contas, colocados da conta do “corvo da rua do Lavradio” (Esta era a rua onde se localiza até hoje o Tribuna da Imprensa, na época de propriedade de Lacerda), que agiria mancomunado com as companhias imobiliárias no crescente processo de especulação das terras da zona rural do Estado da Guanabara.
      Exemplo disso foi a destruição das hortas de cem lavradores em Jacarépaguá por parte de policiais da vigilância sanitária. Sob o título “Polícia de Lacerda protege a ‘saúde da light”, o Novos Rumos desvendava os verdadeiros motivos “da invasão destruidora, com tôda a sua truculência de tipo fascista” da polícia. Alegava Lacerda que a destruição das hortas tinha se dado em função de preocupações com a higiene e a saúde da população, já que as hortas seriam regadas com águas de um riacho contaminado. Na verdade, revelava o Novos Rumos, as terras pertenceriam à Rio Light S.A., que estaria disposta a expulsar os lavradores para poder alugar os lotes agrícolas a uma companhia imobiliária:
“É simplesmente o aumento do lucro imobiliário que o sr. Lacerda favoreceu, ao iniciar, na prática, a expulsão dos lavradores das terras da ‘Light’, destruindo suas plantações sem a menor indenização e sem qualquer informação aos lavradores sôbre seu futuro(...).
Talvez agora se torne mais compreensível porque tão grande número de escritórios eleitorais do sr. Lacerda localizava-se nos térreos de edifícios em construção”( Novos Rumos, 10-16/02/61, p. 6.).

Nessa mesma área seriam instalados anos mais tarde o Hospital Cardoso Fontes e a Fábrica de Papelão (hoje desativada e prestes a se tornar um shopping).

CHARGE DE LACERDA DO ÚLTIMA HORA. ACERVO: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.


      Meses depois a polícia de Lacerda voltaria a “assinar ponto no sertão guanabarino”. Tal como em Jacarépaguá, aquele mobilizaria a polícia em Campo Grande para atender aos “negros propósitos” dos “tubarões de terra” numa nova “empreitada sinistra”:
“Cenas difíceis de se supor que ocorressem em longínquos rincões do interior, onde o coronelismo e o latifúndio impõem sua vontade, acontecem a menos de hora e meia de ônibus do centro do RJ.(...) com o conhecimento e a aprovação tácita do governador – (...) o aparelho policial se presta a violentar primários direitos de cidadãos pacatos, de quais não se conhece outra atitude que não o do trabalho, penoso e diuturno” (Novos Rumos, 11-17/08/61, pp. 1 e 6.).  


Segundo noticiava o Luta Democrática às vésperas do golpe de 64, uma “reforma agrária” estava prestes a ser “decretada” em Vargem Pequena (Jacarepaguá), mas não pelos seus 1.220 “posseiros” e sim “pelos velhos e conhecidos grileiros da região, antes abandonada e desvalorizada.” Por meio dessa “reforma agrária”(!) os “posseiros” estavam “sendo violentamente ameaçados de serem expulsos de suas terras” e ainda “perdendo suas benfeitorias”. Para sua implementação recorria-se aos serviços de capangas armados, “incumbidos de invadir as terras, abrindo fogo, a todo custo, como se aquilo fosse terra de ninguém”. E segundo jornal, tudo isso contaria com o beneplácito do poder público:
“Todas as queixas levadas às autoridades policiais, pedindo garantias, são recusadas ou postas na ‘geladeira’, porque o assunto é da alçadas da Justiça ... salvo se houver bala!
Já se verificaram casos em que os lavradores que vão pedir garantias ficam presos para averiguações.” (Luta Democrática, 24/03/1964. p. 7).
    
      Longe de serem vistos como um fenômeno distante e inexplicável, só apreendido pela matemática dos censos, os loteamentos eram considerados como sendo de autoria de “grileiros”, “ladrões de terras” e “aventureiros”, cujas práticas acarretavam inúmeros “malefícios ao abastecimento da cidade” e à “vida de humildes lavradores” e suas famílias. Ou seja, a expansão dos loteamentos sobre o Sertão Carioca se deu paralelamente à formação de uma importante arena de disputas em torno de valores e significados referentes a noções de direito e justiça. A existência de tal arena acabou sendo desconsiderada quando alguns estudiosos preferiram designar esse processo como “expansão do vetor urbano pela área rural” ou como Fânia Fridman preferia afirmar como “loteamentos promovidos em sua maior parte pelo setor imobiliário”. Mas na época em que esse processo se deu, ele era qualificado por alguns órgãos de imprensa como “repelentes assaltos de terras” praticados por “malfeitores encasacados”, ou, como contra-argumentavam as loteadoras, como a “chance sem igual de uma vida alegre” com “aplicação de capital seguro”, em terras “devidamente registradas e legalizadas”. E além de produzir novas ruas e casas, tal expansão concorreu para o surgimento de novas idéias, representações e certezas: dentre elas, foi-se consolidando a de que os infortúnios vividos pelos habitantes da região atendiam a interesses de um determinado grupo: enquanto a diminuição da produção agrícola acontecia, levando ao declínio das condições de vida dos lavradores e à falta de gêneros para o abastecimento da cidade, havia homens que faziam fortunas com ela.  
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