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terça-feira, 19 de julho de 2016

O DIA EM QUE A LOUCURA VIROU CASO DE POLÍCIA E DAS FORÇAS ARMADAS

Por Janis Cassilia 
Pesquisadora do IHBAJA e professora
Mestre em História das Ciências e da Saúde

Colônia Juliano Moreira.  Carros patrulhas da Polícia Federal e um Urucu do exército chegam. Um grupo de servidores, médicos, líderes sindicais, familiares e internos se reúnem em manifestação contra a posse do interventor federal na direção da instituição.  Câmeras de TV registram o momento. Os repórteres entrevistam o assistente do ministro da saúde que responde “que aparato policial?”. A repórter afirma “15 homens da polícia federal!”. “Pode até aparecer mais” foi a resposta obtida.

Manifestantes contra a intervenção federal na porta do Bloco da Administração da Colônia em maio de 1988. Eram médicos, funcionários, líderes sindicais, pacientes e familiares fizeram uma manifestação pacífica. Imagem de reportagem da TV Globo. Retirado do documentário sobre a Colônia Juliano Moreira, RJ – 80 anos. Acesso em https://www.youtube.com/watch?v=vjfahlwn-n4


Em 24 de maio de 1988, o movimento pela reforma psiquiátrica ganhou força na Colônia, quando o Ministro da Saúde decidiu intervir na direção das Instituições Psiquiátricas Federais. O movimento denunciava as más condições das instalações psiquiátricas e as condições desumanas aos quais estavam sujeitos doentes e funcionários. Porém, o governo, que tinha acabado de sair de um período de ditadura e repressão, via neste movimento um indício de desordem que precisava ser controlada.

Policiais Federais armados em frente ao bloco sede da administração da Colônia Juliano Moreira. Imagem de reportagem da TV Globo. Retirado do documentário sobre a Colônia Juliano Moreira, RJ – 80 anos. Acesso em https://www.youtube.com/watch?v=vjfahlwn-n4

O ano de 1988 foi conturbado no plano político e na saúde. Uma greve geral dos funcionários da saúde federal levou 15 mil servidores a paralisarem suas atividades por 15 dias, inclusive na Colônia. Além disso, acusações de desvio e corrupção dos diretores da Colônia e do Hospital Pinel, e reportagens que “denunciavam” que as condições sub-humanas continuavam a existir na Colônia, o que a tornou alvo da segunda intervenção federal. O diretor foi afastado e um interventor escolhido para ocupar a direção da instituição.

Reunião e debate durante a manifestação em 1988. Imagem de reportagem da TV Globo. Retirado do documentário sobre a Colônia Juliano Moreira, RJ – 80 anos. Acesso em https://www.youtube.com/watch?v=vjfahlwn-n4


Não foi à toa, que o Ministério da Saúde destacou equipes da Polícia Federal e da Polícia Militar. Além de que um carro de combate e o Delegado do DOPS também compareceram. Ainda que a redemocratização estivesse acontecendo, velhas táticas de intimidação foram utilizadas e escancaradas na imprensa. Os manifestantes não cederam e resistiram pacificamente. Derrotado, o Ministério da Saúde postergou a posse do interventor. No fim, o processo de transferência da Colônia para o do Governo Estadual começou. E a presença do carro de combate blindado, diante de tão pacífico, mas decidido grupo de manifestantes, levou as forças armadas a dar explicações de que tudo não passou de uma “infeliz coincidência”.

Carro de combate chamado Urucu fazendo manobras em frente ao bloco da administração da Colônia Juliano Moreira. A participação deste carro blindado teve repercussão negativa na imprensa. As forças armadas justificaram a presença para treinamento de futura competição na área do exército anexa à Colônia na época. Também afirmou que se tratava de um carro “Cascavel” e não um “Urucu”. Imagem de reportagem da TV Globo. Retirado do documentário sobre a Colônia Juliano Moreira, RJ – 80 anos. Acesso em https://www.youtube.com/watch?v=vjfahlwn-n4

Fontes:
1. Jornal do Brasil, edição de 24 de maio de 1988. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional - http://hemerotecadigital.bn.br
2. Trechos reportagem Rede Globo disponível no documentário Colônia Juliano Moreira, RJ - 80 anos. Disponível em  https://www.youtube.com/watch?v=vjfahlwn-n4

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Cerimônia de Moção Honrosa ao IHBAJA

Convidamos  a todos para a Cerimônia de entrega de moção honrosa ao Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá (IHBAJA) por serviços prestados na área de pesquisa, preservação e divulgação da memória, história, patrimônios culturais e históricos da Região da Baixada de Jacarepaguá.
Em tempos de inúmeras mudanças e intervenções no bairro, com a crescente urbanização e transformação do espaço, impactos em sociedade tradicionais como as quilombolas e de luta dos movimentos sociais da região, o trabalho do IHBAJA é bem-vindo como forma de reflexão da história local e elaboração de propostas de caminhos para o futuro de Jacarepaguá.
Dessa forma, o vereador Brizola Neto oferece ao IHBAJA a moção honrosa por suas atividades.

PROGRAMAÇÃO:
- 10h. Abertura com um filme de Brizola.
- 10h05. Exposição do vereador Leonel Brizola sobre a trajetória política de seu avô.
- 10h30. Outro filme com Brizola.
- 10h35. Abertura da palavra para os convidados.
- 11h. Outro filme com Brizola.
- 11h05. Início da homenagem ao IHBAJA com a palavra do vereador.
- 11h08. Palavra do representante do IHBAJA.
- 11h35. Entrega da Moção e fotos.
- 11h40. Encerramento.



Estamos felizes pelo reconhecimento e aguardamos a todos para comemorar conosco!
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segunda-feira, 6 de junho de 2016




A coxinha e a mortadela também têm história


Por Val Costa


Retrato de Dona Tereza Cristina, por José Correia Lima (1814-1857)


Os dois alimentos apresentados no título acima são consumidos diariamente por milhões de brasileiros. Entretanto, nos últimos meses, eles passaram a frequentar mais os noticiários políticos do que as colunas sobre culinária.
O termo “coxinha”, no contexto político, é usado para designar uma pessoa arrumadinha e conservadora. Ele passou a representar os manifestantes dos atos contra o Governo Dilma. São duas versões para essa associação. A primeira está relacionada aos policiais militares que estacionam seus carros em frente aos locais que comercializam coxinhas. A segunda relaciona-se aos homens ricos que utilizam bermudas mostrando as suas “coxinhas”.
No campo da culinária, a origem do salgado possui três explicações. No livro “Histórias e Receitas – Sabor, Tradição, Arte, Vida e Magia”, a autora Maria Nadir Cavazin afirma que a iguaria surgiu durante o período Imperial, no interior de São Paulo. A Princesa Isabel e o Conde D’Eu tinham um filho que morava na Fazenda Morro Azul, localizada em Limeira. O menino praticamente só comia coxas de frangos fritas, o que exigia uma grande quantidade dessa ave. Certa vez, a cozinheira percebeu que não havia número suficiente de frangos para o abate, resolveu então desfiar as carnes das aves disponíveis, dividindo-as em porções. Posteriormente, envolveu-as em uma massa feita de farinha de trigo, espetou cada porção em um osso de galinha e fritou. A segunda versão apóia-se no livro do chef Marie-Antoine Carême intitulado “L’Art de la Cuisine Française”, o qual afirma que esse quitute já existia na culinária francesa com o nome de croquettes de poulet (croquete de frango). A última explicação também remonta ao Brasil Império. Segundo Rogério da Silva Tjäder, autor do livro “Sua Majestade Imperial D. Thereza Christina Maria de Bourbon e Bragança – A mãe dos brasileiros”, a coxinha surgiu quando o ainda príncipe D. Pedro de Alcântara chegou em casa e o frango frito havia acabado. A própria imperatriz teria ido para a cozinha, desfiado o peito de frango que sobrou e misturado o mesmo com uma massa de farinha de trigo. Depois modelou a massa em formato de pêra, espetou um osso e fritou.
O termo “mortadela”, dentro do contexto político, está associado ao lanche, geralmente pão com mortadela, que os militantes de esquerda pretensamente recebem nos atos pró-governo. O embutido, entretanto, originou-se em Bolonha, no ano de 1376. O alimento produzido com carne de bovinos, suínos e aves, além dos cubinhos de gordura, chegou ao Brasil pelas mãos dos imigrantes italianos no início do século XX.
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quinta-feira, 2 de junho de 2016





* Texto originalmente publicado no Jornal Abaixo-Assinado de Jacarepaguá, maio de 2016.



Fonte: http://www.guiarioclaro.com.br/materia.htm?serial=151011337 (Baseada na Revolta Negra de Rio Claro em 1888).




A sociedade brasileira foi ensinada por décadas, na verdade, quase que por um século inteiro  que os negros e negras escravizadas foram libertados por uma ação bondosa da princesa Isabel. Assim, o 13 de maio de 1888 e aquilo que representou, a libertação do povo negro, só teria se dado graças a um surto de benevolência do Império (sustentado por décadas pelo suor e sangue daqueles) e das elites brasileiras. Para que houvesse tal desfecho, os próprios "escravos" teriam contribuído nada ou quase nada. Só lhes restando festejar a data e enaltecer pelo feito a “Princesa Redentora”. Nada mais falso.



Pesquisas recentes do campo da História do Brasil têm demonstrado que as lutas efetuadas pelo povo negro cumpriram papel importantíssimo no movimento de derrubada do regime escravocrata. Longe de terem assistido a tudo passivamente, como se apenas lhes restassem torcer pelo sucesso das lutas abolicionistas promovidas – em nome deles – por “homens livres” membros da elite branca, essas pessoas lutaram e sacudiram com o regime, e muito.


Em que pese as limitações e intensa opressão gerada pela condição escrava imposta pelo sistema da época, aqueles homens e mulheres foram agentes de sua própria história, seja fugindo, constituindo quilombos, boicotando ou sabotando a produção, recorrendo à Justiça. Ou seja, se rebelando de diversas maneiras contra aquela condição indigna.

Mas é certo também que tais atos de rebeldia se adensaram exatamente na década de 1880, o que explica em boa medida que a Abolição tenha se dado nesse período. A pressão exercida por aquele(a)s agentes tornava insuportável a manutenção daquele “odioso sistema”.

Foram, felizmente, anos difíceis para os “Senhores de terra e de gente”. Em boa parte do Brasil. Do Rio de Janeiro. Em Jacarepaguá. Ali teve luta, sim. Intensa e vitoriosa. Mais precisamente nas terras do Engenho Novo, nas terras onde hoje funciona a Colônia Juliano Moreira.

Os Arcos da Juliano Moreira


Em 20 de dezembro de 1887, os trabalhadores escravizados dessa fazenda fizeram greve. Isso mesmo: greve! Motivo: estavam fartos de tantos maus-tratos. Assim cruzaram os braços, “visto lhes ser dada ração dobrada de açoites e muito minguada de alimentação”. E prossegue o Diário do Commércio (09/01/1888, p. 3) – jornal de onde extraímos a notícia desse magnífico evento: a greve foi levada por aqueles trabalhadores até o dia 29 daquele mês. E foi de tal vigor, que o “Comendador-proprietário” teve que fugir, até porque, diante de tanta afronta, acabou perdendo “amor aos belos ares da fazenda”.


Sede da antiga fazenda do Engenho Novo. Aqui se escondeu o comendador quando da eclosão da revolta.....
Fonte: http://portaldoarruda.blogspot.com.br/2011/01/juliano-moreira-o-pai-da-psiquiatria.html


Contudo, confirmando a sua índole covarde, o mesmo, durante a fuga, acionou a polícia, “solicitando força para prender dois dos revoltados”.  E então, o comendador-fujão teve que engolir outro revés: a força policial se negou a realizar a repressão desse movimento. Escreveu o Diário: “as praças recusaram-se desta vez ao mister de capitães de matto”.  

Vista do Morro Dois Irmãos, da Colônia Juliano Moreira.
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/10949077





Vista aérea da Colônia Juliano Moreira.
Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=119896906


Os acontecimentos ocorridos nas terras do Engenho Novo (atual Colônia Juliano Moreira) são emblemáticos: a luta dos escravos era imparável. Ninguém podia mais conter, nem os “Senhores” da elite, mesmo com toda sua empáfia, barbárie, violência e poder. O sistema estava tão desgastado e carcomido, quem nem mesmo a polícia lhe reconhecia legitimidade. Nem ela!

Que acontecimentos. Eles foram, digo, são inspiradores.




Leonardo Soares dos Santos
Pesquisador do IHBAJA e professor de História da UFF (Campos)







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domingo, 14 de fevereiro de 2016




Neste texto, o pesquisador do IHBAJA Leonardo Soares, analisa a luta dos pequenos lavradores de Jacarepaguá em meados do século XX. Esse trabalho foi apresentado no "Old and New Worlds: the Global Challenges of Rural History International Conference", ocorrido em Lisboa entre 27 e 30 de Janeiro de 2016.

Texto completo aqui.
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segunda-feira, 23 de novembro de 2015




As informações que temos a respeito da origem dos pequenos lavradores são além de muito imprecisas, bastante fragmentárias, não só em termos de espaço como também de tempo. Sabemos, por exemplo, da origem de arrendatários e foreiros de algumas grandes propriedades no século XIX, contudo muito pouco sabemos da origem dos ocupantes que se estabelecem no século XX, o que torna difícil identificar a suposta ligação entre “antigos” e “novos” ocupantes. No entanto, se essas informações não nos permitem comprovar ou desdizer afirmações, elas podem ao menos sinalizar para importantes aspectos do campo de possibilidades do Sertão Carioca. Aproveitemos delas portanto aquilo que estimule a construção de novas hipóteses.



Carta do Distrito Federal, de Everardo Backheuser, 1925.

Em boa parte das localidades de pequenos lavradores, as indicações sugerem que a ocupação por parte desse tipo de trabalhador teria se dado quando as propriedades ainda eram grandes engenhos ou fazendas de café no século XIX e XVIII, os quais eram na sua maioria pertencentes às ordens religiosas como a dos Beneditinos e dos Carmelitas. Francisco Siqueira, memorialista e “posseiro” da região de Guaratiba, destaca que a detentora de parte das terras de Pedra de Guaratiba, a Matriz de São Salvador do Mundo, começou em fins do século XVIII a “arrendar as terras já ocupadas a seus posseiros” que, em troca, teriam que manter a iluminação dos templos. Segundo o autor, os “posseiros” que entraram em litígio com pretensos proprietários a partir da década de 1940, eram todos eles descendentes daqueles “posseiros” de fins do XVIII. O geógrafo Sylvio Fróes também destaca que a região foi nas primeiras décadas do século XX o ponto de chegada de uma numerosa leva de migrantes cearenses, mais precisamente da região de Cariri. Ao se estabelecerem ali passaram a promover amplamente o cultivo de laranjas e coqueiros-anões. Além disso, segundo nos atesta Fróes, também produziam “rapadura de excelente qualidade”. Alcebíades Rosa, em suas memórias sobre Sepetiba, menciona que a ocupação daquela região se consolidou por meio do decreto-lei de 26 de julho de 1813, pelo qual a Coroa doou as terras de Sepetiba aos pescadores e lavradores que ali já estavam estabelecidos.


Família de lavradores-pescadores da Barra da Tijuca. Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 18/12/1954.


Em algumas áreas, os lotes rurais tinham se originado de arrendamentos, aforamentos ou livres concessões dos proprietários aos seus escravos ou ex-escravos. Fridman destaca que isso era uma prática comum entre os Beneditinos. Seus escravos possuíam pequenas roças e gado para seu sustento, sendo permitida a comercialização de seu excedente contanto que não exercessem “ofício para lucro”.


Em 1871, o Mosteiro de São Bento libertou os 918 escravos que trabalhavam naquelas terras, há indício de que alguns deles tenham permanecido morando e trabalhando naquelas terras. Ainda no século XIX, o Engenho da Serra, que se localizava numa área hoje cortada pela estrada Grajaú-Jacarepaguá no bairro da Freguesia, abrigava diversas fazendas, entre as quais a de Cantagalo, onde trabalhavam 70 escravos que plantavam arroz, cana-de-açúcar e café. Todos eles possuíam ali uma “choupana”.

Outra família de lavradores da Barra da Tijuca.  Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 18/12/1954.

Como dissemos anteriormente, são poucas as informações que pudemos colher nos textos de geógrafos e memorialistas sobre ocupações que tenham se processado durante o início do século XX. Uma delas se refere à ocupação das fazendas Guandu do Sena e Sete Riachos, na Serra do Mendanha. Os lavradores estariam ali estabelecidos desde 1913 como “arrendatários”, uma situação que aliás permaneceria nas décadas de 50 e 60, quando das disputas pela terra contra companhias imobiliárias. Mas a maior parte das informações se refere mesmo às ocupações realizadas por imigrantes portugueses. Eles teriam se instalado em Realengo, Bangu, Jacarepaguá, Rio da Prata, Gaundu do Sena e Guaratiba. Leonarda Musumeci afirma que eles se notabilizaram pelo cultivo de verduras e legumes e pela introdução de algumas técnicas (horta encanteirada, terraceamento nas encostas, adubação orgânica). No Sertão Carioca, segundo a autora, era às chamadas “hortas de portugueses” que se atribuía a “vanguarda em produtividade e eficiência”. Muitos dos que se dirigiram para Realengo tiveram que se deslocar no início da década de 50 para outras terras por conta do avanço dos loteamentos. A área escolhida foi o Guandu do Sena, na Serra do Mendanha. Hilda Silva nos informa que esses portugueses eram da Ilha da Madeira. Também foi naquele período que os portugueses começaram a afluir para Vargem Grande, principalmente para a área do “Brejo”. Maria Galvão afirma que eles eram 90% da população dessa área. Galvão pôde identificar uma certa diferenciação entre os próprios portugueses, que se dividiam entre os “portugueses”(Continente) e “ilhéus”(Ilha da Madeira). No dizer dela, os primeiros não gostavam de “se misturar” com os ilhéus por considerá-los pessoas “rudes e belicosas”.  Fossem da Ilha ou do Continente, os portugueses, quando aqui estabelecidos reuniam-se “em sociedade de 3, 4 e até muitos membros provenientes da mesma província, e até da mesma freguesia” do território português. Entre os “portugueses” predominavam os do Conselho de Penacova, enquanto os “ilhéus” vinham em sua maioria do Conselho de Ponta do Sol.
     
Idem.


Quanto à produção, praticamente todo o Sertão Carioca privilegiava a “lavoura branca”(hortaliças e legumes) e a fruticultura; as lavouras, se assim podemos dizer, mais típicas de um Cinturão Verde, como era o caso dessa região. Mas a proximidade com o centro urbano não parece ter sido o único motivo para a implantação dessa modalidade agrícola. Pedro Geiger e Myriam Mesquita afirmavam que o processo de grande valorização das terras que passa a se intensificar na década de 50 fazia com que a manutenção das propriedades agrícolas se desse “na base de produtos bastante lucrativos como as verduras e frutas”. “Só esta lavoura”, assim consideravam, “podia se manter às portas da cidade ou então os aviários e apiários”. Os dados coligidos por outros geógrafos quando da realização dos seus estudos de caso em algumas localidades do Sertão Carioca nas décadas de 50 e 60 reiteram essa afirmação. Amélia Nogueira, em seu estudo sobre a localidade de Vargem Grande, observa que as plantações se dividem por três áreas: nas “encostas”, plantava-se banana-prata. Em sua “baixada argilosa”, encontravam-se plantações de laranja, banana, aipim, mamão, milho, cana, tangerina, hortaliças e, até, café (para consumo interno). Em outra área, a “baixada turfosa”, produzia-se banana d’água, laranja, coqueiros, milho, arroz, aipim, batata-doce e hortaliças. Maria do Carmo Galvão, estudando a mesma região, fornece-nos um quadro mais detalhado. Na “Serra”- nome que ela dá às “encostas”- produzia-se também mangueira, jaqueira, jiló, maxixe, abóbora, abacateiro, batata, aipim e chuchu. O “Brejo” - nome dado à “baixada turfosa”- conheceu um incremento na sua produção, segundo a autora, a partir da chegada dos portugueses. Com eles teria se desenvolvido “consideravelmente” ao lado do aipim, do milho e da batata-doce, o cultivo do chuchu, da berinjela, do alface, da couve, do brócolis, da chicória, do jiló e do quiabo. Todos eles, continua Galvão, “produzidos em larga escala para o mercado”. 


Lavrador da Barra da Tijuca, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 09/06/1953.


Quanto à “Vargem” –nome dado à “baixada argilosa”- a descrição é quase totalmente idêntica à de Nogueira.
      

Nas fazendas Guandu do Sapê, Guandu do Sena e Sete Riachos - todas situadas na localidade do Mendanha - havia o predomínio em suas “Várzeas” dos laranjais e da “lavoura mista”, já nas “Serras” encontravam-se bananais e “grandes latadas” de chuchu.  Em Sepetiba, nas terras da antiga fazenda Piaí, havia plantação de aipim, batata-doce, laranja e “todo tipo” de hortigranjeiros. Mas segundo Alcebíades Rosa o “cultivo forte” ainda era o café e a cana-de-açúcar.
      
Lavrador de Guaratiba, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 07/04/1959.



Em Jacarepaguá, seus lavradores, “horteiros em sua maioria trabalhando mais próximo do centro”, produziam quase que exclusivamente repolho, pimentão, abobrinha, agrião, alface, acelga, couve, tomate, berinjela, cenoura, chicória, beterraba, rábano, rabanete, salsa, cebolinha. Fora isso cultivavam alguns poucos tipos de frutas como banana e laranja.
      

Lavradoras de Guaratiba, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 17/03/1953


Mas além das verduras, legumes, cereais, frutas, outro produto muito valorizado era a lenha. Segundo P. Geiger, a grilagem de imensas áreas de terra da Fazenda Nacional de Santa Cruz se destinava, “desde há tempos”, à extração de madeiras das partes cobertas de mata. Mais tarde, P. Geiger e Myriam Mesquita estabeleceriam um paralelo entre o comércio de lenha e a crescente especulação com a terra, sendo os dois resultados diretos da “conjuntura da expansão de loteamentos”. No entanto, ao observarmos as experiências de algumas localidades, podemos ver que o comércio de lenha não era resultado do abandono da produção de gêneros alimentícios, e sim algo que lhe era complementar. Magalhães Correa mencionava desde a década de 30 a importância desse produto na produção agrícola de algumas localidades. Em Cafundá, localizada no “valle do Rio Taquara”, seus lavradores exploravam o “commercio da banana, batata, laranja, carvão e lenha”. Nas lavouras de Cabuçu, no Distrito de Campo Grande, os arrendatários se dedicavam ao cultivo de banana e também fabricavam carvão e trançavam lenha. Segundo José Cezar de Magalhães, a proximidade de padarias e outros estabelecimentos comerciais junto às áreas de plantio também era um fator que impulsionava alguns lavradores a plantar eucaliptos de modo a fornecer lenhas para os seus fornos. Versão que é confirmada por Amélia Nogueira, para o caso de Vargem Grande. Nas suas encostas, os lavradores exploravam lenha e carvão, que eram transportados em “Jacás sobre o dorso de burros e empilhadas onde vão ter os caminhões dos comerciantes”. Depois a lenha era revendida na Taquara e em Cascadura para o abastecimento de fornos de pequenas fábricas e padarias. Porém, fosse qual fosse o motivo, Magalhães assegurava que a fiscalização empreendida pela Secretaria de Agricultura no início da década de 60 era “muito rígida”, fazendo com que a atividade extrativa de lenha não fosse tão abundante quanto o era no período 1930-1938.
       


Idem.


A partir dessas informações podemos saber o que em geral era cultivado, mas cabe ainda perguntar as maneiras pelas quais era realizada a exploração dos “lotes” ou “roças”. Na serra do Mendanha, as duas regiões estudadas por Hilda Silva apresentavam o seguinte perfil: no Guandu Sapê, a produção era tocada por “arrendatários”; no Guandu do Sena, a maior parte das lavouras seria explorada por “sitiantes”. No caso desta fazenda – assim como em outras áreas do Sertão Carioca - a categoria “sitiante” designava não somente pequenos proprietários, que “já são donos das terras”, como também “outros [que] assim se consideram em virtude de estarem aí fixados há muitos anos”. A mão-de-obra desses lavradores provinha da própria família; nos “sítios maiores”, empregava-se o trabalho de dois ou três “assalariados”, que eram também chamados por Hilda Silva por “diaristas”.            
     

Lavradores de Bangu, 13/01/1959. Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 17/03/1953



Em Vargem Grande, na área do “Brejo”, os portugueses além de serem maioria ali eram também “arrendatários” do Banco de Crédito Móvel. O interessante é que era comum haver dois ou três sócios em cada arrendamento. Já na “Serra”, a paisagem era dominada pelas propriedades dos “sitiantes” e “pequenos proprietários”. A diferença entre eles era que enquanto os primeiros residiam em seus sítios, os segundos moravam na zona urbana do Distrito Federal. Na “Vargem”, o quadro era bem mais diversificado: havia “grandes” e “pequenos proprietários”, assalariados e arrendatários.
      


No caso do Sertão Carioca é interessante notar que boa parcela desses pequenos lavradores não se dedicava exclusivamente à agricultura. Em Sepetiba por exemplo, a produção agrícola também era realizada por pescadores. Esse também parecia ser o caso dos pequenos lavradores de Pedra de Guaratiba. Em Vargem Grande, os carvoeiros também eram lavradores. Em alguns casos, as ocupações alternativas podiam ser eminentemente urbanas. Lyndolpho Silva, conhecida liderança camponesa do PCB e que começou seu trabalho de militância no Sertão Carioca, mais precisamente em Campo Grande, argumenta que pelo fato da “roça” dessa região ser muito próxima do centro urbano, os pequenos lavradores faziam trabalhos urbanos e temporários. Segundo ele, era comum o arrendatário e o posseiro trabalhar “uma parte de seu tempo vago no posto de gasolina”. Havia um caso no qual nem mesmo a produção era realizada por lavradores. Isso teria se dado em Vargem Grande, onde segundo nos informa Maria Galvão, “muito” dos bananais da “Vargem”, principalmente na parte sul da estrada dos Bandeirantes(mais próxima do Recreio dos Bandeirantes), não era explorados por lavradores e sim por “donos de sítios de veraneios”.         
     
Realengo em seu cotidiano, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 08/05/1953.


Os dados coligidos não nos permitem assegurar a proporção entre o volume da produção que se destinava para a subsistência e aquele que era comercializado. Amélia Alba informa que nas “Encostas”(ou “Serra”) de Vargem Grande, os “sitiantes” que moravam na “cidade” praticavam apenas agricultura comercial, já os “sitiantes” que além de trabalhar moravam no “sítio” também produziam para sua subsistência. Maria Galvão acrescenta que entre estes, somente feijão, milho, café e cana-de-açúcar não eram comercializados, e “muitas vêzes” eram cultivados pelas próprias “crianças da casa”. Porém, com a passar do tempo, essa economia de subsistência ia perdendo espaço para a “economia de exportação”, isto é, destinada aos mercados e feiras-livres.
     

De qualquer modo é possível assegurar que essa produção para o mercado era significativa, já que em todas as localidades havia atividades nesse sentido. Em poucos casos a venda da mercadoria se dava na própria localidade do lavrador que a produzia. Temos um exemplo, ainda da década de 30, em que M. Corrêa nos fala sobre o que acontecia na estrada de Jacarepaguá, que ligava o bairro de mesmo nome à Barra da Tijuca. Ali segundo ele, o contato entre o produtor e o consumidor de gêneros era direto:
“Ao longo da estrada, transformada em feira livre, pelos seus habitantes, encontram-se gurys, à margem de suas choupanas, tendo em permanente exposição gaiolas com passarinhos, meninas vendendo ovos e gallinhas, mulheres e velhos com bananas e laranjas, emfim, tudo que produz essa zona exuberante. Estas mercadorias penduradas em vários giráos e ganchos, esperam a passagem dos turistas.”


Lavradores da Barra da Tijuca, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 10/03/1952.
     
Porém, o autor ressalva que esses compradores eram turistas estrangeiros,
“pois os nossos, quando vão por essas estradas, passam em automóveis voando, já são conhecidos; quando chegam, porém, aos lares ou em roda de amigos, dizem: ‘foi extraordinário, indescriptivel o que vimos!...’ Pobres dos que ficaram no caminho, pois à sua passagem transformam a estrada em verdadeiro vendaval, nuvens de poeira, só poeira!”

      

O mais comum, entretanto, era que esses produtos fossem comercializados em Mercados e feiras-livres. Quanto aos primeiros, os maiores destinatários daquela produção eram o Mercado Municipal, localizado no centro do Distrito Federal, que tinha a preferência das bananas de Vargem Grande e das laranjas do Mendanha, e os Mercados regionais de Madureira e Campinho, para onde ia a maior parte da produção de Sepetiba e da área de Vargem Grande conhecida como “Serra”. Quanto às feiras, as mais freqüentadas por produtos do Sertão Carioca eram as de Campo Grande, Cascadura, Irajá Madureira, Marechal Hermes, Realengo, Penha e Tijuca. Com exceção das duas ultimas, todas ficavam nas zonas rural e suburbana.
           
Lavradores de Jacarepaguá visitando a redação do Última Hora, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 11/10/1954.


A expansão imobiliária somada a outro processo que lhe era correlato, a inflação,  concorreram para modificações nos próprios mecanismos de reprodução desses pequenos lavradores.  Vimos páginas acima que estudos de época de alguns geógrafos entendiam que a simples iminência da constituição de loteamentos influía na escolha do tipo de lavoura(temporária ou permanente) a ser explorada e, de certa forma, na própria forma de moradia (feita com material de muita ou pouca resistência) desses lavradores. Mas não era só a etapa dedicada à produção que parece ter sofrido certas modificações, como também a etapa voltada para a comercialização. Assim como a terra era objeto da “cobiça” crescente do jogo especulativo, o mesmo ocorria com os gêneros alimentícios. E tanto um como outro tinham em termos econômicos um valor bem mais auto do que os custos da produção de gêneros alimentícios. Nesse tipo de conjuntura passava a ser vital que o produtor detivesse um mínimo de controle sobre os mecanismos de circulação de mercadorias. No caso do Sertão Carioca isso significava possuir meios de transporte ou ao menos participar de sistemas de frete que lhe fossem favoráveis. Alguns estudos mostram que no Mendanha, Jacarepaguá e Vargem Grande uma parcela significativa dos pequenos lavradores procurou exercer domínio sobre duas das etapas da “operação agrícola”: a produção e a comercialização.
      

Tomemos o exemplo de Vargem Grande. Ali os portugueses, sejam os “ilhéus” ou os “portugueses”, teriam desenvolvido uma peculiar “divisão” de atividades entre a lavoura e o mercado. 


Virada de ano em Sepetiba com grande participação dos lavradores locais. Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 31/12/1954.

Diferentemente dos brasileiros, ressalta Maria Galvão, os portugueses distribuíam entre si, “de acordo com as aptidões e preferências pessoais”, as tarefas “do campo e da cidade”. As “sociedades” exerciam importante papel para que esse sistema funcionasse:
“O que é escalado para a feira não se envolve na roça, os da roça não faz (sic) feira. Uma reunião, realizada geralmente aos domingos, entre feirantes e lavradores de uma mesma sociedade, permite o acêrto de contas semanal e a distribuição eqüitativa de despesas e lucros.”

E os portugueses faziam questão de propalar que esse “acêrto de contas” assim como as “sociedades” se assentavam no “respeito pela palavra”, não tendo nenhum fundamento jurídico.




Leonardo Soares é professor da UFF e pesquisador do IHBAJA




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