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domingo, 12 de setembro de 2021

Revisitando "O Sertão Carioca": exposição comemorativa de 11 anos.

Neste aniversário de 427 anos de Jacarepaguá, o IHBAJA preparou alguns materiais para homenagear esta data festiva. O primeiro deles é um novo olhar sobre a exposição "Magalhães Corrêa - 125 anos de O Sertão Carioca" de 2010. 

    Em 2010, o Instituto Histórica da Baixada de Jacarepaguá disponibilizou ao público a exposição virtual “O sertão carioca” com as penas de Magalhães Corrêa que ilustram o livro homônimo deste autor. 
    Agora, em 2021, voltamos a apresentar a exposição, com novas imagens e design, objetivando trazer uma reflexão, tanto pela atualidade do livro quanto pela urgência em projetar e criar ações de preservação do patrimônio cultural, histórico e natural da nossa região. 
    Se na década de 1930, Magalhães Corrêa chamava a atenção para a constante destruição da fauna e flora de Jacarepaguá, além de apresentar os problemas sociais de uma região abandonada pelo poder público, hoje podemos traçar um paralelo com as transformações estruturais e urbanas pelos quais passou e ainda passa Jacarepaguá. 
    Magalhães Corrêa questionava o pensamento de que o sertão e os problemas sertanejos ocorriam em regiões afastadas do Rio de Janeiro (então Distrito Federal). Ao contrário, o sertão começava bem perto do centro urbano, a um pouco mais de 30 quilômetros. Seu “Sertão Carioca”, lugar de visitas turísticas, praias, rios e cachoeiras, era também o local do abandono, de mazelas sociais, da pobreza, do desmatamento e das fazendas em decadência. Bem diferente de uma urbanização incipiente encontrada na “porta de entrada” da região (Praça Seca, Tanque e as estradas das regiões da atual Pechincha e Freguesia), o resto da Baixada era um ambiente em sua essência rural, visto de forma pitoresca, mas ainda desconhecido pelo governo à época.
    Hoje, podemos pensar que o crescimento urbano e o olhar governamental sobre essa região mudou e muitas das antigas características se perderam. Porém é necessário refletir sobre como esses avanços ocorrem e qual o sentido de desenvolver e preservar, sem que ambos os conceitos sejam antagônicos e excludentes.
    O Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá deseja que todos apreciem esta exposição.


Para assistir diretamente no canal do Youtube do IHBAJA clique aqui.

Para uma navegação interativa (clicando em ícones de sua escolha) clique aqui que você será direcionado para arquivo pps.





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domingo, 12 de março de 2017

AS LIGAS CAMPONESAS DO PCB EM DE JACAREPAGUÁ


LIGAS CAMPONESAS DO PCB - E DE JACAREPAGUÁ....



Veja aqui o relatório de pesquisa de Leonardo Soares dos Santos sobre as "Ligas Camponesas do Partido Comunista do Brasil".

A pesquisa acabou revelando que uma das primeiras Ligas Camponesas foi exatamente a de Jacarepaguá, com sede no atual bairro do Pechincha.

Para ler o relatório na íntegra, clique AQUI.



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segunda-feira, 3 de outubro de 2016




 por Leonardo Soares, pesquisador do IHBAJA e professor da UFF e UFRJ



Não era fácil os trabalhadores rurais se organizarem em associações trabalhistas em pleno início da década de 1960. Muito embora as iniciativas do Governo João Goulart favorecessem a criação de novos sindicatos, é preciso que não se esqueça que o ambiente anti-comunista era muito presente no interior dos aparelhos policiais. E tal fato condicionava enormemente o intenso trabalho de vigilância da polícia política sobre essas entidades. A suspeita de que tais entidades não passavam de meros aparelhos a serviço do PCB eram acentuadas.
Entre as poucas informações que temos sobre como funcionavam efetivamente aquelas entidades é bastante emblemático que a mais detalhada seja exatamente um relatório produzido pelos DOPS do então estado da Guanabara, em dois de dezembro de 1963. A ânsia do agente em captar os mínimos detalhes da Associação Rural de Jacarepaguá acaba nos proporcionando informações que infelizmente não encontramos em relação a outras. Por ele ficamos sabendo que a Associação se localizava na estrada dos Bandeirantes, nº 5.045, “a 100 m. adiante do marco Km 5”. O agente da polícia política nota ainda que “suas instalações são toscas. Constam de pequena sala e carteiras e bancos tipo escolar. Algumas gravuras nas paredes com motivos e trajes do campo”. A minúcia no detalhamento é tanto que consta também que existe “um quadro negro onde estava escrito - ‘manina’ e gravuras relativas ao dia das mães”. A sede da associação parecia ser pobre não apenas em mobiliário, como em termos de acervo de livros: “num armário encontra-se um número da revista A Lavoura, papéis não identificados e alguns talões de blocos de recibo amarrados e sem uso”.
Certos detalhes do relato sugerem que as observações do agente não foram realizadas numa única visita à sede. É bem provável que ele participasse de várias reuniões. É o que se deduz quando lemos detalhes sobre a rotina de funcionamento da sede:
- A chave da sede é guardada na residência do filho do tesoureiro localizada nos fundos do terreno. Note-se que esse indivíduo é desconfiado e não responde a perguntas. Tem pequeno defeito nos quadris.

- Das reuniões participam constantemente políticos e, no show de 24, o Ministro do Trabalho enviou representante.

- Tudinho e Arlindo Amador da Silva possuem carteira social. São moradores na rua do Rio do Cascalho, no antigo Km 28 da Estrada dos Bandeirantes e nada de concreto quiseram informar. Demonstraram medo em suas respostas que são sempre repetições do que tem sido divulgado pela Associação.

    O relatório revela também um aspecto da metodologia de investigação do DOPS, e que  reforça a hipótese de que as observações de campo que os agentes efetuavam          demandavam dias – talvez semanas - de trabalho de apuração:
Embora o Sr. Caseiro informe que a Associação tem por finalidade a legalização da situação dos posseiros, frente aos legítimos proprietários, verifica-se que se está promovendo a intensificação de um progresso social visando arregimentar novos socios ao mesmo tempo que novas teorias lhes são apresentada[s].
Cheguei a tal conclusão, não só pelo que ouvi no local como também pela faixa afixada frente a estrada dos Bandeirantes, que convidava aos lavradores para um grande show, enquanto os convites distribuidos entre os associados menciona grande assembléia para a fundação do sindicato.

Além das informações sobre o dia-a-dia da Associação, o relatório concede grande papel à figura do tesoureiro da entidade, o sr. Antonio Ferreira Caseiro. É ele quem “conhece todo o histórico imobiliário do local, descrevendo tudo com muita facilidade.” Conhecimento esse que de certa forma revela a notável importância que nesse tipo de entidade possuía a figura do advogado, que no caso da Associação de Jacarepaguá era o dr. Pedro Coutinho Filho.



Antonio Caseiro na visita da comissão do Sindicato Rural de Jacarepaguá é o segundo da esquerda para a direita. Fundo Última Hora do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.



Mas o que mais chama atenção do agente mesmo é a grande capacidade do tesoureiro Antonio Caseiro em efetuar uma espécie de trabalho de conscientização política dos posseiros que recorriam à entidade. Lembra o agente que ele devia “possuir biblioteca” e que lia “tudo sobre o problema de terras e colonos”.
Capacidade essa que se expressava na própria organização da estrutura física da sede.  Aspectos que denotavam o desenvolvimento da Associação como uma espécie de centro de socialização e aprendizado de conceitos e categorias discursivas e de pensamento, voltados para a configuração de uma determinada leitura sobre os processos sociais da região que mais dissesse respeito à experiência de vida dos pequenos lavradores que recorriam à organização. Além das carteiras e cadeiras disposta como num auditório ou sala de aula, o agente do DOPS notava que “na frente da sede existe pequeno palanque”. O mesmo frisava ainda vários “políticos” costumavam comparecer à Associação. O próprio Caseiro era descrito como “amigo influente” de políticos como os deputados pela Guanabara Mourão Filho, Roland Corbusier, Hercules Correia e Oswaldo Pacheco. Rede de amizades que provavelmente muito tinha a ver com o fato de ser “Cabo Eleitoral desde muitos anos, existindo no terreno de sua residência uma placa eleitoral do Dr. João Machado – [do partido] MRT”.
A formação de uma rede de apoiadores não visava apenas às autoridades políticas. Os dirigentes da Associação, até por contar com algum recurso viabilizado pela entidade (ou mesmo por partidos, como o PCB, ou mesmo por alguns daqueles políticos), desenvolvia ações que buscava congregar o maior número possível de pequenos lavradores, dos diversos pontos não só da região de Jacarepaguá, mas de outros do Sertão Carioca. Para a reunião do dia oito de dezembro de 1963, haviam sido “fretados 2 ônibus para transporte grátis dos participantes”. No dia 1º daquele mês, o “ônibus nº de ordem 49.513 da Viação Taquara S.A. conduziu associados para uma reunião em Santíssimo”.
O reconhecimento da grande habilidade de Caseiro em articular seus argumentos leva o investigador do DOPS a destacar em tópicos os temas de maior interesse por parte do português:
Sem grande conhecimento, porém com grande vibração discute:
Criticas ao Governador
Reforma Agrária na China
Necessidade de Reforma Agrária
Inoperância do Poder Legislativo
Ricos ‘demais’ e pobres ‘miseráveis’
Sindicalização
S.U.P.R.A.
A Reação inevitável do camponês

Outro aspecto a se destacar é que bem antes da averiguação da Associação Rural de Jacarepaguá por parte do DOPS, este já tinha uma ficha com informações sobre seus dirigentes. Eles já sabiam, por exemplo, que “Teobaldo ou Theobaldo José Ribeiro, brasileiro, preto, morador na estação de Santíssimo. [...] Cabo eleitoral experimentado e influente entre autoridades” (as mesmas que Caseiro).
Sobre Antonio Caseiro, os agentes já tinha ciência que se tratava de um “português naturalizado, branco, casado com brasileira, pouca instrução, 60 anos aparentes, morador no local 33 anos em casa situada à 200 metros da sede da Associação, onde são guardados todos os documentos e livros do órgão”.

Para infelicidade de Caseiro os agentes não apenas conheciam muito de sua vida e de sua atuação sindical e política. Na visão deles, o luso-brasileiro era subversivo demais para os padrões políticos da região. Tanto assim que mal havia sido desencadeada com o Golpe de 1964, a Ditadura Militar por meio do mesmo DOPS iria ao encalço de Antonio Caseiro, prendendo-o e torturando-o, certamente pelo “programa social” que ele tinha o costume de discutir com tanta “vibração”.



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segunda-feira, 23 de novembro de 2015




As informações que temos a respeito da origem dos pequenos lavradores são além de muito imprecisas, bastante fragmentárias, não só em termos de espaço como também de tempo. Sabemos, por exemplo, da origem de arrendatários e foreiros de algumas grandes propriedades no século XIX, contudo muito pouco sabemos da origem dos ocupantes que se estabelecem no século XX, o que torna difícil identificar a suposta ligação entre “antigos” e “novos” ocupantes. No entanto, se essas informações não nos permitem comprovar ou desdizer afirmações, elas podem ao menos sinalizar para importantes aspectos do campo de possibilidades do Sertão Carioca. Aproveitemos delas portanto aquilo que estimule a construção de novas hipóteses.



Carta do Distrito Federal, de Everardo Backheuser, 1925.

Em boa parte das localidades de pequenos lavradores, as indicações sugerem que a ocupação por parte desse tipo de trabalhador teria se dado quando as propriedades ainda eram grandes engenhos ou fazendas de café no século XIX e XVIII, os quais eram na sua maioria pertencentes às ordens religiosas como a dos Beneditinos e dos Carmelitas. Francisco Siqueira, memorialista e “posseiro” da região de Guaratiba, destaca que a detentora de parte das terras de Pedra de Guaratiba, a Matriz de São Salvador do Mundo, começou em fins do século XVIII a “arrendar as terras já ocupadas a seus posseiros” que, em troca, teriam que manter a iluminação dos templos. Segundo o autor, os “posseiros” que entraram em litígio com pretensos proprietários a partir da década de 1940, eram todos eles descendentes daqueles “posseiros” de fins do XVIII. O geógrafo Sylvio Fróes também destaca que a região foi nas primeiras décadas do século XX o ponto de chegada de uma numerosa leva de migrantes cearenses, mais precisamente da região de Cariri. Ao se estabelecerem ali passaram a promover amplamente o cultivo de laranjas e coqueiros-anões. Além disso, segundo nos atesta Fróes, também produziam “rapadura de excelente qualidade”. Alcebíades Rosa, em suas memórias sobre Sepetiba, menciona que a ocupação daquela região se consolidou por meio do decreto-lei de 26 de julho de 1813, pelo qual a Coroa doou as terras de Sepetiba aos pescadores e lavradores que ali já estavam estabelecidos.


Família de lavradores-pescadores da Barra da Tijuca. Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 18/12/1954.


Em algumas áreas, os lotes rurais tinham se originado de arrendamentos, aforamentos ou livres concessões dos proprietários aos seus escravos ou ex-escravos. Fridman destaca que isso era uma prática comum entre os Beneditinos. Seus escravos possuíam pequenas roças e gado para seu sustento, sendo permitida a comercialização de seu excedente contanto que não exercessem “ofício para lucro”.


Em 1871, o Mosteiro de São Bento libertou os 918 escravos que trabalhavam naquelas terras, há indício de que alguns deles tenham permanecido morando e trabalhando naquelas terras. Ainda no século XIX, o Engenho da Serra, que se localizava numa área hoje cortada pela estrada Grajaú-Jacarepaguá no bairro da Freguesia, abrigava diversas fazendas, entre as quais a de Cantagalo, onde trabalhavam 70 escravos que plantavam arroz, cana-de-açúcar e café. Todos eles possuíam ali uma “choupana”.

Outra família de lavradores da Barra da Tijuca.  Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 18/12/1954.

Como dissemos anteriormente, são poucas as informações que pudemos colher nos textos de geógrafos e memorialistas sobre ocupações que tenham se processado durante o início do século XX. Uma delas se refere à ocupação das fazendas Guandu do Sena e Sete Riachos, na Serra do Mendanha. Os lavradores estariam ali estabelecidos desde 1913 como “arrendatários”, uma situação que aliás permaneceria nas décadas de 50 e 60, quando das disputas pela terra contra companhias imobiliárias. Mas a maior parte das informações se refere mesmo às ocupações realizadas por imigrantes portugueses. Eles teriam se instalado em Realengo, Bangu, Jacarepaguá, Rio da Prata, Gaundu do Sena e Guaratiba. Leonarda Musumeci afirma que eles se notabilizaram pelo cultivo de verduras e legumes e pela introdução de algumas técnicas (horta encanteirada, terraceamento nas encostas, adubação orgânica). No Sertão Carioca, segundo a autora, era às chamadas “hortas de portugueses” que se atribuía a “vanguarda em produtividade e eficiência”. Muitos dos que se dirigiram para Realengo tiveram que se deslocar no início da década de 50 para outras terras por conta do avanço dos loteamentos. A área escolhida foi o Guandu do Sena, na Serra do Mendanha. Hilda Silva nos informa que esses portugueses eram da Ilha da Madeira. Também foi naquele período que os portugueses começaram a afluir para Vargem Grande, principalmente para a área do “Brejo”. Maria Galvão afirma que eles eram 90% da população dessa área. Galvão pôde identificar uma certa diferenciação entre os próprios portugueses, que se dividiam entre os “portugueses”(Continente) e “ilhéus”(Ilha da Madeira). No dizer dela, os primeiros não gostavam de “se misturar” com os ilhéus por considerá-los pessoas “rudes e belicosas”.  Fossem da Ilha ou do Continente, os portugueses, quando aqui estabelecidos reuniam-se “em sociedade de 3, 4 e até muitos membros provenientes da mesma província, e até da mesma freguesia” do território português. Entre os “portugueses” predominavam os do Conselho de Penacova, enquanto os “ilhéus” vinham em sua maioria do Conselho de Ponta do Sol.
     
Idem.


Quanto à produção, praticamente todo o Sertão Carioca privilegiava a “lavoura branca”(hortaliças e legumes) e a fruticultura; as lavouras, se assim podemos dizer, mais típicas de um Cinturão Verde, como era o caso dessa região. Mas a proximidade com o centro urbano não parece ter sido o único motivo para a implantação dessa modalidade agrícola. Pedro Geiger e Myriam Mesquita afirmavam que o processo de grande valorização das terras que passa a se intensificar na década de 50 fazia com que a manutenção das propriedades agrícolas se desse “na base de produtos bastante lucrativos como as verduras e frutas”. “Só esta lavoura”, assim consideravam, “podia se manter às portas da cidade ou então os aviários e apiários”. Os dados coligidos por outros geógrafos quando da realização dos seus estudos de caso em algumas localidades do Sertão Carioca nas décadas de 50 e 60 reiteram essa afirmação. Amélia Nogueira, em seu estudo sobre a localidade de Vargem Grande, observa que as plantações se dividem por três áreas: nas “encostas”, plantava-se banana-prata. Em sua “baixada argilosa”, encontravam-se plantações de laranja, banana, aipim, mamão, milho, cana, tangerina, hortaliças e, até, café (para consumo interno). Em outra área, a “baixada turfosa”, produzia-se banana d’água, laranja, coqueiros, milho, arroz, aipim, batata-doce e hortaliças. Maria do Carmo Galvão, estudando a mesma região, fornece-nos um quadro mais detalhado. Na “Serra”- nome que ela dá às “encostas”- produzia-se também mangueira, jaqueira, jiló, maxixe, abóbora, abacateiro, batata, aipim e chuchu. O “Brejo” - nome dado à “baixada turfosa”- conheceu um incremento na sua produção, segundo a autora, a partir da chegada dos portugueses. Com eles teria se desenvolvido “consideravelmente” ao lado do aipim, do milho e da batata-doce, o cultivo do chuchu, da berinjela, do alface, da couve, do brócolis, da chicória, do jiló e do quiabo. Todos eles, continua Galvão, “produzidos em larga escala para o mercado”. 


Lavrador da Barra da Tijuca, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 09/06/1953.


Quanto à “Vargem” –nome dado à “baixada argilosa”- a descrição é quase totalmente idêntica à de Nogueira.
      

Nas fazendas Guandu do Sapê, Guandu do Sena e Sete Riachos - todas situadas na localidade do Mendanha - havia o predomínio em suas “Várzeas” dos laranjais e da “lavoura mista”, já nas “Serras” encontravam-se bananais e “grandes latadas” de chuchu.  Em Sepetiba, nas terras da antiga fazenda Piaí, havia plantação de aipim, batata-doce, laranja e “todo tipo” de hortigranjeiros. Mas segundo Alcebíades Rosa o “cultivo forte” ainda era o café e a cana-de-açúcar.
      
Lavrador de Guaratiba, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 07/04/1959.



Em Jacarepaguá, seus lavradores, “horteiros em sua maioria trabalhando mais próximo do centro”, produziam quase que exclusivamente repolho, pimentão, abobrinha, agrião, alface, acelga, couve, tomate, berinjela, cenoura, chicória, beterraba, rábano, rabanete, salsa, cebolinha. Fora isso cultivavam alguns poucos tipos de frutas como banana e laranja.
      

Lavradoras de Guaratiba, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 17/03/1953


Mas além das verduras, legumes, cereais, frutas, outro produto muito valorizado era a lenha. Segundo P. Geiger, a grilagem de imensas áreas de terra da Fazenda Nacional de Santa Cruz se destinava, “desde há tempos”, à extração de madeiras das partes cobertas de mata. Mais tarde, P. Geiger e Myriam Mesquita estabeleceriam um paralelo entre o comércio de lenha e a crescente especulação com a terra, sendo os dois resultados diretos da “conjuntura da expansão de loteamentos”. No entanto, ao observarmos as experiências de algumas localidades, podemos ver que o comércio de lenha não era resultado do abandono da produção de gêneros alimentícios, e sim algo que lhe era complementar. Magalhães Correa mencionava desde a década de 30 a importância desse produto na produção agrícola de algumas localidades. Em Cafundá, localizada no “valle do Rio Taquara”, seus lavradores exploravam o “commercio da banana, batata, laranja, carvão e lenha”. Nas lavouras de Cabuçu, no Distrito de Campo Grande, os arrendatários se dedicavam ao cultivo de banana e também fabricavam carvão e trançavam lenha. Segundo José Cezar de Magalhães, a proximidade de padarias e outros estabelecimentos comerciais junto às áreas de plantio também era um fator que impulsionava alguns lavradores a plantar eucaliptos de modo a fornecer lenhas para os seus fornos. Versão que é confirmada por Amélia Nogueira, para o caso de Vargem Grande. Nas suas encostas, os lavradores exploravam lenha e carvão, que eram transportados em “Jacás sobre o dorso de burros e empilhadas onde vão ter os caminhões dos comerciantes”. Depois a lenha era revendida na Taquara e em Cascadura para o abastecimento de fornos de pequenas fábricas e padarias. Porém, fosse qual fosse o motivo, Magalhães assegurava que a fiscalização empreendida pela Secretaria de Agricultura no início da década de 60 era “muito rígida”, fazendo com que a atividade extrativa de lenha não fosse tão abundante quanto o era no período 1930-1938.
       


Idem.


A partir dessas informações podemos saber o que em geral era cultivado, mas cabe ainda perguntar as maneiras pelas quais era realizada a exploração dos “lotes” ou “roças”. Na serra do Mendanha, as duas regiões estudadas por Hilda Silva apresentavam o seguinte perfil: no Guandu Sapê, a produção era tocada por “arrendatários”; no Guandu do Sena, a maior parte das lavouras seria explorada por “sitiantes”. No caso desta fazenda – assim como em outras áreas do Sertão Carioca - a categoria “sitiante” designava não somente pequenos proprietários, que “já são donos das terras”, como também “outros [que] assim se consideram em virtude de estarem aí fixados há muitos anos”. A mão-de-obra desses lavradores provinha da própria família; nos “sítios maiores”, empregava-se o trabalho de dois ou três “assalariados”, que eram também chamados por Hilda Silva por “diaristas”.            
     

Lavradores de Bangu, 13/01/1959. Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 17/03/1953



Em Vargem Grande, na área do “Brejo”, os portugueses além de serem maioria ali eram também “arrendatários” do Banco de Crédito Móvel. O interessante é que era comum haver dois ou três sócios em cada arrendamento. Já na “Serra”, a paisagem era dominada pelas propriedades dos “sitiantes” e “pequenos proprietários”. A diferença entre eles era que enquanto os primeiros residiam em seus sítios, os segundos moravam na zona urbana do Distrito Federal. Na “Vargem”, o quadro era bem mais diversificado: havia “grandes” e “pequenos proprietários”, assalariados e arrendatários.
      


No caso do Sertão Carioca é interessante notar que boa parcela desses pequenos lavradores não se dedicava exclusivamente à agricultura. Em Sepetiba por exemplo, a produção agrícola também era realizada por pescadores. Esse também parecia ser o caso dos pequenos lavradores de Pedra de Guaratiba. Em Vargem Grande, os carvoeiros também eram lavradores. Em alguns casos, as ocupações alternativas podiam ser eminentemente urbanas. Lyndolpho Silva, conhecida liderança camponesa do PCB e que começou seu trabalho de militância no Sertão Carioca, mais precisamente em Campo Grande, argumenta que pelo fato da “roça” dessa região ser muito próxima do centro urbano, os pequenos lavradores faziam trabalhos urbanos e temporários. Segundo ele, era comum o arrendatário e o posseiro trabalhar “uma parte de seu tempo vago no posto de gasolina”. Havia um caso no qual nem mesmo a produção era realizada por lavradores. Isso teria se dado em Vargem Grande, onde segundo nos informa Maria Galvão, “muito” dos bananais da “Vargem”, principalmente na parte sul da estrada dos Bandeirantes(mais próxima do Recreio dos Bandeirantes), não era explorados por lavradores e sim por “donos de sítios de veraneios”.         
     
Realengo em seu cotidiano, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 08/05/1953.


Os dados coligidos não nos permitem assegurar a proporção entre o volume da produção que se destinava para a subsistência e aquele que era comercializado. Amélia Alba informa que nas “Encostas”(ou “Serra”) de Vargem Grande, os “sitiantes” que moravam na “cidade” praticavam apenas agricultura comercial, já os “sitiantes” que além de trabalhar moravam no “sítio” também produziam para sua subsistência. Maria Galvão acrescenta que entre estes, somente feijão, milho, café e cana-de-açúcar não eram comercializados, e “muitas vêzes” eram cultivados pelas próprias “crianças da casa”. Porém, com a passar do tempo, essa economia de subsistência ia perdendo espaço para a “economia de exportação”, isto é, destinada aos mercados e feiras-livres.
     

De qualquer modo é possível assegurar que essa produção para o mercado era significativa, já que em todas as localidades havia atividades nesse sentido. Em poucos casos a venda da mercadoria se dava na própria localidade do lavrador que a produzia. Temos um exemplo, ainda da década de 30, em que M. Corrêa nos fala sobre o que acontecia na estrada de Jacarepaguá, que ligava o bairro de mesmo nome à Barra da Tijuca. Ali segundo ele, o contato entre o produtor e o consumidor de gêneros era direto:
“Ao longo da estrada, transformada em feira livre, pelos seus habitantes, encontram-se gurys, à margem de suas choupanas, tendo em permanente exposição gaiolas com passarinhos, meninas vendendo ovos e gallinhas, mulheres e velhos com bananas e laranjas, emfim, tudo que produz essa zona exuberante. Estas mercadorias penduradas em vários giráos e ganchos, esperam a passagem dos turistas.”


Lavradores da Barra da Tijuca, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 10/03/1952.
     
Porém, o autor ressalva que esses compradores eram turistas estrangeiros,
“pois os nossos, quando vão por essas estradas, passam em automóveis voando, já são conhecidos; quando chegam, porém, aos lares ou em roda de amigos, dizem: ‘foi extraordinário, indescriptivel o que vimos!...’ Pobres dos que ficaram no caminho, pois à sua passagem transformam a estrada em verdadeiro vendaval, nuvens de poeira, só poeira!”

      

O mais comum, entretanto, era que esses produtos fossem comercializados em Mercados e feiras-livres. Quanto aos primeiros, os maiores destinatários daquela produção eram o Mercado Municipal, localizado no centro do Distrito Federal, que tinha a preferência das bananas de Vargem Grande e das laranjas do Mendanha, e os Mercados regionais de Madureira e Campinho, para onde ia a maior parte da produção de Sepetiba e da área de Vargem Grande conhecida como “Serra”. Quanto às feiras, as mais freqüentadas por produtos do Sertão Carioca eram as de Campo Grande, Cascadura, Irajá Madureira, Marechal Hermes, Realengo, Penha e Tijuca. Com exceção das duas ultimas, todas ficavam nas zonas rural e suburbana.
           
Lavradores de Jacarepaguá visitando a redação do Última Hora, Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 11/10/1954.


A expansão imobiliária somada a outro processo que lhe era correlato, a inflação,  concorreram para modificações nos próprios mecanismos de reprodução desses pequenos lavradores.  Vimos páginas acima que estudos de época de alguns geógrafos entendiam que a simples iminência da constituição de loteamentos influía na escolha do tipo de lavoura(temporária ou permanente) a ser explorada e, de certa forma, na própria forma de moradia (feita com material de muita ou pouca resistência) desses lavradores. Mas não era só a etapa dedicada à produção que parece ter sofrido certas modificações, como também a etapa voltada para a comercialização. Assim como a terra era objeto da “cobiça” crescente do jogo especulativo, o mesmo ocorria com os gêneros alimentícios. E tanto um como outro tinham em termos econômicos um valor bem mais auto do que os custos da produção de gêneros alimentícios. Nesse tipo de conjuntura passava a ser vital que o produtor detivesse um mínimo de controle sobre os mecanismos de circulação de mercadorias. No caso do Sertão Carioca isso significava possuir meios de transporte ou ao menos participar de sistemas de frete que lhe fossem favoráveis. Alguns estudos mostram que no Mendanha, Jacarepaguá e Vargem Grande uma parcela significativa dos pequenos lavradores procurou exercer domínio sobre duas das etapas da “operação agrícola”: a produção e a comercialização.
      

Tomemos o exemplo de Vargem Grande. Ali os portugueses, sejam os “ilhéus” ou os “portugueses”, teriam desenvolvido uma peculiar “divisão” de atividades entre a lavoura e o mercado. 


Virada de ano em Sepetiba com grande participação dos lavradores locais. Fundo Última Hora, do Arquivo Público de SP, 31/12/1954.

Diferentemente dos brasileiros, ressalta Maria Galvão, os portugueses distribuíam entre si, “de acordo com as aptidões e preferências pessoais”, as tarefas “do campo e da cidade”. As “sociedades” exerciam importante papel para que esse sistema funcionasse:
“O que é escalado para a feira não se envolve na roça, os da roça não faz (sic) feira. Uma reunião, realizada geralmente aos domingos, entre feirantes e lavradores de uma mesma sociedade, permite o acêrto de contas semanal e a distribuição eqüitativa de despesas e lucros.”

E os portugueses faziam questão de propalar que esse “acêrto de contas” assim como as “sociedades” se assentavam no “respeito pela palavra”, não tendo nenhum fundamento jurídico.




Leonardo Soares é professor da UFF e pesquisador do IHBAJA




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