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terça-feira, 2 de janeiro de 2024

 A História da ocupação de Gardênia Azul (Parte II)

Leonardo Soares dos santos

Professor de História/UFF

Pesquisador do IHBAJA e do IAP


A vida propriamente dita no Parque Gardênia Azul não era das mais fáceis no início dos anos 60. 


Em sessão da Assembleia Legislativa da Guanabara, o deputado Valdemar Viana (Partido Republicano Trabalhista) apresentou requerimento por “informações indagando porque o proprietário do loteamento ‘Gardênia Azul’, em Jacarepaguá, não respeita a lei 6.000” (Tribuna da Imprensa, 26/01/1961, p. 4).





http://urbecarioca.com.br/um-passeio-pelos-cantos-e-encantos-historicos-de-jacarepagua-parte-1-de-marcelo-copelli/


As queixas dos moradores se multiplicavam. No início de 1962, uma comissão de moradores visitaria a redação do jornal O Globo, “solicitando que divulgássemos os memoriais em que pedem providências ao Governador Carlos Lacerda para irregularidades que afirmam existir” no local. Segundo o “memorial com dezenas de assinaturas, residem 866 famílias, que estão privadas de água, luz, escolas e outras tantas necessidades, pelo que desejam que a administração do Estado constate diretamente tais irregularidades para as necessárias providências” (O Globo, 15/01/1962, p. 14).


O semanário comunista Novos Rumos noticiava no início de agosto de 1962, em matéria intitulada “Moradores do Parque Gardênia Azul vítimas da especulação imobiliária” que eram 600 famílias, “totalizando cerca de três mil pessoas”, tinham se organizado em torno da “Associação Pró-Melhoramentos do Bairro Gardênia Azul” para a defesa de seus interesses. Era, segundo o jornal, o início da “luta contra os danos, que lhes vêm causando comerciantes e corretores de imóveis”.


O jornal detalhava a fundo várias denúncias dos moradores. Segundo o Novos Rumos, os moradores teriam sido vítimas de um “conto”, que foi o que consistiu, segundo o jornal, as promessas oferecidas pela empresa aos compradores dos lotes:

Afirmando aos interessados que a área do atual Parque Gardênia Azul constava do “plano de reloteamento em processo na prefeitura do Distrito Federal, de acordo com planta aprovada sob o numero 18 328, em 24 de julho de 1955” a firma José Padilha Nunes Coimbra vendeu ali dezenas de lotes de terreno para a construção de residência. As operações de vendas e contratos foram feitas por intermédio do corretor Denize Michel Emanuel, estabelecido em escritório na Praça Mauá, 7, quinto andar (Novos Rumos, 3 a 9 de agosto de 1962, p. 7).


Após a compra, segundo o que afirma o jornal comunista, os compradores se deparariam com uma situação totalmente destoante do que havia sido anunciada: 


Acontece entretanto que toda a imensa área não consta de plano algum de urbanização do Estado: ao contrário do que asseguravam os vendedores dos imóveis. Assim as famílias que compraram os terrenos, ou não construíram suas casas ou as construíram e estão morando numa zona sem iluminação, sem rede de esgotos e sem água, uma vez que tais melhoramentos, indispensáveis ao preenchimento de condições mínimas de habitabilidade, não tiveram sua instalação providenciada pelo governo do Estado. Os compradores dos terrenos não escondem sua revolta contra o engodo de que foram vítimas. Muitos deles chegaram mesmo a suspender o pagamento das prestações dos lotes (Idem).


Ainda segundo o periódico, dois quadros políticos ligados ao PCB, o deputado estadual Hércules Corrêa e o jornalista Marco Antonio Coelho, teriam participado de um debate com os moradores da localidade “em assembléia popular”, “para a qual foram convidados”, com o intuito de discutir “problemas referentes à carestia e à necessidade das reformas de base. Junto a questões típicas da militância partidária, o jornal asseverava que os representantes comunistas “ficaram a par da ‘desenvoltura’ com que agiram os especuladores de imóveis contra os moradores da região”, e, garantia o Novos Rumos, ambos “prometeram incorpora-se à sua luta” (Idem). Com esse propósito, Hercules Correa teria solicitado em requerimento apresentado em sessão da Assembleia Legislativa, no dia 17 de julho (o debate ocorreu em 1º de julho), informações ao poder executivo do Estado sobre o Parque Gardênia Azul.


1 – A quem pertencem os lotes agrícolas de números 1 a 11 e de 33 a

49, situados em Jacarepaguá?

2 – A antiga prefeitura do Distrito Federal, hoje governo do Estado da

Guanabara, ao aprovar a planta dos citados lotes (processos número

18.328 de 24 de julho de 1955) que permissão legal deu ao

proprietário dos mesmos?

3 – Quais as providências legais que dispõe o poder executivo para

legalizar a situação dos que residem na área dos citados lotes? (Idem)


Significativo que logo depois desse pronunciamento, a administração estadual se apressasse para apresentar propostas de intervenção na localidade. Até para que o Gardênia Azul não se tornasse facilmente numa espécie de base política dos grupos de esquerda.


Tendo isso em mente, em outubro daquele ano, o governador Carlos Lacerda anunciava a execução de obras de urbanização e saneamento na “favela” Gardênia Azul (A Noite, 03/10/1962, p. 2). O anúncio era um indicador de que as demandas dos moradores encontravam algum eco na esfera governamental estadual. Curiosamente, o reconhecimento de que havia algo de errado nas condições de moradia da localidade era o fato de imprensa e poder público começarem a nomear Gardênia Azul não como um “loteamento” e sim como “favela”. 


Mais do que isso, o anúncio estava relacionado a um importante aspecto conjuntural. O governo Carlos Lacerda iniciava uma campanha agressiva de "remoções de favelas e buscava complementar tal iniciativa investindo na construção de conjuntos habitacionais. Para tanto, ele começou a procurar vultosas fontes de financiamento junto aos órgãos exteriores, especialmente estadunidenses, já que a possibilidade de financiamento por vias internas encontrava-se bloqueado devido às disputas políticas com o governo presidencial de João Goulart, herdeiro do varguismo e adversário político e ideológico do representante udenista. 


Por essa razão, Gardênia Azul poderia cumprir até mesmo um papel nessa nova estratégia de Lacerda, da mesma forma como os conjuntos habitacionais de Vila Kennedy e da Cidade de Deus. Talvez Lacerda enxergasse o local como o destino de pessoas expulsas do Leblon ou Humaitá. O Jornal do Commércio (07/10/1962, p. 7) dava maiores detalhes, que nos ajudam a visualizar melhor o cerne da proposta do governo. A decisão pela intervenção urbanística do governo Lacerda teria como base o “relatório apresentado pela Administração Regional de Jacarepaguá, contendo uma série de sugestões relacionadas com o saneamento e urbanização da favela Gardênia, local que naquele momento abrigava 2.300 pessoas. Segundo o jornal, o administrador Mário Campelo afirmava no relatório “serem ‘péssimas e inferiores ao mínimo tolerável de desconforto’ as condições de vida daquela favela”. O administrador ainda se mostrava pessimista quanto à realização de melhorias por parte do autor do loteamento. Além de explicar as razões de tal pessimismo, ele apresentava ainda uma denúncia quanto à legalidade do empreendimento:


[O administrador Mário Campelo] Ressalta que o proprietário da área ocupada pela favela Gardênia Azul nada faria para executar as obras de urbanização porque: a) venderá os lotes a preços baixíssimos, cujas prestações variam em torno de Cr$ 60 a Cr$ 100 por mês e por terem alguns lotes sido também invadidos; e b) o projeto de loteamento não chegou a ser aprovado” (Idem).


Não obstante a falta de confiança na realização de mudanças efetivas na situação do Gardênia Azul, Mário Campelo apresentava algumas “sugestões” a serem ponderadas:


1) O proprietário deve realizar obras de urbanização; 2) essas obras devem ser fixadas em função do resultado financeiro da venda dos lotes vagos e do reinício do pagamento dos lotes vendidos, paralisado há tempo; 3) deve ser aprovado um projeto de loteamento, modificando o atual, para que os moradores tenham seus títulos de propriedade e, com eles, garantia para efetuar os pagamentos das prestações; 4) o Governo providenciaria também, a curto prazo, para que água e luz cheguem até às portas do loteamento (Idem).


As sugestões seriam consideradas pelo governo. Nota-se que em nenhum momento se aventa a possibilidade de desapropriação. Mesmo que o relatório aponte a possibilidade de irregularidades, nas soluções apontadas pelo administrador regional, o governo teria que estabelecer ações conjuntas com o proprietário. Este seguiria recebendo os pagamentos pelos lotes e ficaria responsável pelas obras de urbanização, sendo que serviços como água e luz ficariam a cargo do governo. Na proposta de Campelo, abria-se até mesmo a possibilidade de refazer o projeto de loteamento. Ou seja, em que pese a gravidade da situação dos moradores, a administração regional seguia considerando o proprietário como um parceiro e não como um antagonista.


Na verdade, o governo Lacerda tinha a intenção de atuar como um intermediário do conflito entre moradores e proprietário (José Padilha). Ainda segundo o relatório, deveria haver “a assinatura de um acordo entre o proprietário e os moradores, com a interveniência da Fundação Leão XIII, pelo qual se fará o controle da receita e a execução das obras fixadas no termo de obrigações, e pelo qual pagará o proprietário à Fundação Leão XIII o valor de seu trabalho” (Idem).


Continua.........

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sábado, 22 de setembro de 2012



Campo Grande, Guaratiba, Jacarepaguá, Irajá, Inhaúma, Tijuca, Engenho Novo, Santo Antônio e Santa Cruz – eram estes os nomes das freguesias que em conjunto formavam a zona rural da cidade do Rio de Janeiro, instituída pelo Ato Adicional de 12 de agosto de 1834. O historiador Ilmar Mattos em seu O Tempo Saquarema nos informa que eram chamadas de freguesias “de fora”, em contraste com as freguesias “de dentro”, pois, mais próximas dos centros de decisão da corte, a saber, as “instituições e instalações que tornavam possível a reprodução dos interesses dominantes”: o Paço, o Senado, a Câmara dos Deputados e a Câmara Municipal. Um pouco antes, no século XVIII, tinha sido a zona rural carioca grande produtora de açúcar. Os engenhos dos carmelitas e dos beneditinos eram as principais unidades produtoras. Só em Jacarepaguá, eram 11 os engenhos da “Veneranda Ordem de São Bento”. O século XIX traz uma aparente “decadência” econômica, ou como ele também prefere designar – um “estado de letargia produtiva”. Em vez de grandes unidades – fazendas e engenhos – serão as chácaras e sítios os responsáveis pelo novo tipo de produção. Esta nem de longe se aproximava da do século anterior, tanto que será a produção doméstica ou de subsistência a ocupar o papel de maior relevância econômica. A chamada produção comercial estará restrita a poucas fazendas, localizadas principalmente nas freguesias de Irajá e Jacarepaguá. Fora dessas regiões, a cultura do café, por exemplo, teria sido efêmera e tão somente de “fundo de quintal”. Por outro lado, chácaras e sítios de Jacarepaguá “plantavam para o gasto” (mercado interno), mas também se dedicavam a uma produção de larga escala, “com colheitas de centenas de milhares de arrobas”, voltada para o abastecimento de um mercado mais amplo. A cultura do café teria se disseminado nas encostas de morros propícias ao cultivo, as “soalheiras” (vertentes ensolaradas e bem drenadas), deixando de lado as “noruegas” (vertentes úmidas e sombrias) e as baixadas de Sepetiba e Jacarépaguá.


A região da Baixada de Jacarepaguá no Mappa do Município Neutro.



     Muitos historiadores entendiam que a partir da década de 1890 a região conheceria uma grande crise. Até aquele momento, a Zona Rural tinha-se mantido como uma área de “grande valor populacional e comercial”. Prova disso era Jacarepaguá, a freguesia de maior população escrava da Corte. Segundo o recenseamento de 1838, entre seus 7.302 habitantes, 4.491 eram escravos. O fim da escravidão somado ás outras transformações sócio-econômicas, promoveriam importantes mudanças na paisagem social da zona rural. E as representações sobre esse lugar não ficaram imunes a essas mudanças. Os autores dos relatos sobre a região interpretavam as transformações que estavam ocorrendo nessa época como indícios de “decadência” e “abandono”. É como se terras antes em plena produção tivessem sido tomadas pela esterilidade agrícola e por doenças como febre-amarela e malária. O Almanaque Laemmert de 1900 informava que a circunscrição de Guaratiba, a outrora “mais rica e florescente” do Distrito Federal, encontrava-se com seus cafezais destruídos, seus vastos campos de criação em agonia, infestada por doenças. A única coisa que talvez destoasse desse quadro de desalento era o desenvolvimento da pequena lavoura. Dizemos talvez, pois o fato era apresentado de maneira a comprovar a situação de franca decadência de uma área antes dominada por famílias tradicionais, com suas grandes propriedades e imensos cafezais. O relato de Noronha Santos, escrito no mesmo ano, é emblemático dessa visão calcada na idéia da decadência. O que o autor procura fazer com isso, é impor um marco divisório entre um antes, pleno e produtivo com grandes propriedades que funcionavam com mão-de-obra escrava, e um depois, quando o fim da escravidão impõe a tomada de novas estratégias por parte dos grandes proprietários em relação às novas formas de trabalho. Mas escrevia Noronha Santos que em Campo Grande havia “algumas” lavouras nas fazendas do Barata, do Monte Alegre, do Juriari e da Paciência, e pequenas plantações de cana em diversos sítios, “próximos dos povoados e lugarejos”. Havia também importantes fazendas de gado, “hoje abandonadas por falta de braços para o trabalho rural”. Sobre Guaratiba, em que pese o desenvolvimento da pequena lavoura e outras atividades como a extração de madeira (cedro, peroba, jequibá, canela, jacarandá e pau-ferro), “sua decadência é sensível devido às secas que têm consumido suas plantações e importantes cafezais”. Em Santa Cruz, junto a um comércio incipiente havia uma pequena lavoura existente em terras “outrora tão bem aproveitadas”.

     Essa representação que tomava a zona rural pelo viés da decadência, carregada pela nostalgia de uma “época de ouro”, não nos permite compreender importantes processos que a partir dessa época passavam a tomar forma na zona rural. Um deles diz respeito à formação e expansão de uma agricultura baseada na pequena produção. Se atentarmos para este processo com mais cuidado, veremos que a disseminação da pequena lavoura se deveu menos à derrocada da ordem dos grandes senhores de terra e mais a uma estratégia posta em prática por eles mesmos para a obtenção de ganhos econômicos e, possivelmente simbólicos.

     Uma espécie de economia de subsistência passa a dominar a zona rural a partir do último quartel do século XIX foi possibilitada pela divisão das grandes propriedades em chácaras e sítios que foram arrendadas ou aforadas aos lavradores.   Isto cumpria aos olhos dos antigos senhores de terra, dois papéis muito importantes. Primeiro, era preciso atrair uma nova mão-de-obra para as terras, a fim de que através de seu trabalho, elas se mantivessem produtivas e rentáveis. Uma das formas mais utilizada para tal fim foi a cessão da posse da terra através da enfiteuse, uma instituição jurídica que remontava à Idade Média portuguesa. Por meio dela o proprietário recebia uma pensão ou foro anual, ficando o adquirente obrigado a conservar a terra produtivamente. Mas havia nisso um segundo propósito. Ao ceder apenas o direito de posse, pretendia-se conservar a extensão territorial da grande propriedade e o domínio sobre ela. Mas o fundamental nisso tudo era a introdução na área do pequeno lavrador, seja como foreiro, arrendatário ou parceiro. Ou seja, com eles, novas relações sociais começavam a se consolidar na região. No início, esses agentes eram vistos pelos grandes proprietários como solução para a valorização de suas terras, “enquanto estas aguardam novos tempos, à espera do antigo fausto”. É de suma importância que tenhamos isso em mente quando começarmos o estudo desses “novos tempos”.

Anúncio de fins do século XIX do Jornal do Commercio.

     Mas a terra e, principalmente, o que havia nela (benfeitorias, ferramentas, plantações, etc.), proporcionaram ganhos aos seus proprietários através de outras formas. Enquanto muitos proprietários preferiram manter suas terras para fins de cultivo com a simples cessão da posse, outros preferiram inseri-las no circuito comercial de compra, venda e aluguel de terrenos e benfeitorias. Este mercado se desenvolveu nas freguesias de Irajá, Inhaúma, Tijuca, Engenho Novo e Santo Antônio. O desenvolvimento dessa forma de valorização daria ensejo, segundo Pechman, ao surgimento de um “mercado de terras” no subúrbio da cidade. Negócio que, segundo ele, mostrou ser proveitoso a partir da década de 1840. A proliferação de anúncios de venda e aluguel de terrenos e benfeitorias nas páginas de classificados dos jornais no início daquela década seria um seguro indício. Mas os próprios anúncios nos mostram o quanto é problemático afirmarmos sobre a existência, ao menos naquela época, de um mercado de terras. Vejamos então alguns deles:

-     Arrenda-se um sítio na Penha, distante 3 léguas da cidade, com muito boa casa de vivenda, excelente água, grande cafezal, muito capim, podendo tirar diariamente 12 talhas, muito arvoredo frutífero e porto de mar muito perto...
      
-     Vendem-se terras pertencentes à Ilma. Sra. D. Jerônima Duque Estrada Meyer, no Engenho Novo, um sítio com arvoredos frutíferos, um apequena casa de palha e parte das terras ainda em capoeirão...

-     Vendem-se as benfeitorias de um sítio em terras do Engenho Novo do Campinho, distrito de Inhaúma, contendo boa casa de vivenda, plantações de café, enxertos de laranja de todas as qualidades, mandiocas e bananeiras, tudo em quantidade...
    

     Dos três anúncios, só no segundo a terra aparece como o objeto de transação. O primeiro se refere a um arrendamento, ou seja, o que se negocia é o direito de uso sobre a terra e não a terra em si. No terceiro, o que se põe a venda são as benfeitorias. Isso passará a mudar a partir de 1870 com a extensão das linhas de trem e de bonde em direção aos subúrbios, de um lado, e a abertura de ruas, do outro. Neste momento, parte da zona rural – compreendida pelas freguesias referidas acima – passará a ver a transformação de suas fazendas em lotes urbanos. Numa área que vai até o limite entre a freguesia de Inhaúma e Jacarepaguá, verifica-se uma diminuição do tamanho dos terrenos postos à venda e uma nova lógica na repartição da terra. Cabe lembrar que os lotes vendidos localizavam-se em áreas arruadas e faziam parte de um conjunto de outros lotes, “caracterizando, sem sombra de dúvidas, um processo de constituição de uma malha urbana”. Esta só se consolidaria a partir da década de 1890, quando si inicia a urbanização dos bairros do subúrbio como Engenho Novo e Méier. Data dessa época o grande número de pedidos encaminhados à Diretoria de Obras e Viação para abertura, nivelamento e calçamento de ruas, prolongamento e aceitação de logradouros, e licenças para construir. A intensidade desse processo fará com que, iniciado o século XIX, as freguesias de Inhaúma, Irajá, Engenho Novo, Tijuca e Santo Antônio passem a constituir uma “franja urbano-rural”, onde é intensa a mistura de usos dos dois tipos. Mesmo as freguesias que ainda eminentemente rurais (onde a maior parte das propriedades se destinava à atividade agrícola) entrarão no novo século tendo que conviver com o aprofundamento de um processo de urbanização, que se dá seja através do retalhamento das terras, seja pela expansão de obras urbanas com a extensão de linhas de trem, bonde e abertura de ruas e avenidas. Mas por se tratar de um processo marcadamente lento, os usos urbanos terão de conviver forçosamente com os usos rurais, ainda amplamente dominantes.

Outro anúncio do JC.


     O século XIX terminava mas a região tinha bons motivos para não ser considerada decadente. Em primeiro lugar, há um significativo mercado girando em torno do uso sobre a terra (sob a forma principalmente do arrendamento), e o desenvolvimento de um “mercado de terras”, bem mais tímido é verdade. Mas tanto um como outro ajudavam a expandir uma agricultura baseada em pequenas unidades de produção e lançar as primeiras sementes de uma malha urbana no subúrbio do Rio, e que nas freguesias mais próximas do centro da cidade já se encontrava consolidada desde a década de 1890. Em segundo, o fato dos antigos proprietários terem retalhado seus terrenos pode muito bem não ter sido um sintoma de decadência. Na verdade, o discurso sobre a “decadência” dizia mais respeito a um olhar saudoso da época das grandes plantações movidas pelo trabalho escravo do que a processos que efetivamente ocorriam na região.  Infelizmente alguns pesquisadores incorporariam isso em suas análises. 

Leonardo Soares dos Santos
Membro do IHJA
Professor Adjunto II do Curso de História do Polo da UFF/Campos
Coordenador do NEPETS
Professor  Colaborador da USS

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