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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Seminário “Territórios de memória: Rio das Pedras e a Baixada de Jacarepaguá”

Participação do IHBAJA no seminário “Territórios de memória: Rio das Pedras e a Baixada de Jacarepaguá”, organizado pela Agência Lume, os integrantes do IHBAJA apresentaram a Exposição Itinerante “Vida e luta na Baixada de Jacarepaguá” (23/11/2024).

A exposição apresenta imagens da paisagem e da vida da população de Jacarepaguá durante as décadas de 1940, 1950 e 1960, num momento em que a população rural da região resistia ao avanço acelerado do processo de urbanização.
Com curadoria de Carolina Rodrigues e Gabriel Reis, ambos do Museu Bispo do Rosário, e de Leonardo Soares dos Santos, do Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá, a exposição esteve em exibição de abril a outubro deste ano no Museu Bispo do Rosário, no bairro da Colônia. Atualmente a exposição faz parte do acervo do IHBAJA.
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terça-feira, 2 de janeiro de 2024

 A História da ocupação de Gardênia Azul (Parte II)

Leonardo Soares dos santos

Professor de História/UFF

Pesquisador do IHBAJA e do IAP


A vida propriamente dita no Parque Gardênia Azul não era das mais fáceis no início dos anos 60. 


Em sessão da Assembleia Legislativa da Guanabara, o deputado Valdemar Viana (Partido Republicano Trabalhista) apresentou requerimento por “informações indagando porque o proprietário do loteamento ‘Gardênia Azul’, em Jacarepaguá, não respeita a lei 6.000” (Tribuna da Imprensa, 26/01/1961, p. 4).





http://urbecarioca.com.br/um-passeio-pelos-cantos-e-encantos-historicos-de-jacarepagua-parte-1-de-marcelo-copelli/


As queixas dos moradores se multiplicavam. No início de 1962, uma comissão de moradores visitaria a redação do jornal O Globo, “solicitando que divulgássemos os memoriais em que pedem providências ao Governador Carlos Lacerda para irregularidades que afirmam existir” no local. Segundo o “memorial com dezenas de assinaturas, residem 866 famílias, que estão privadas de água, luz, escolas e outras tantas necessidades, pelo que desejam que a administração do Estado constate diretamente tais irregularidades para as necessárias providências” (O Globo, 15/01/1962, p. 14).


O semanário comunista Novos Rumos noticiava no início de agosto de 1962, em matéria intitulada “Moradores do Parque Gardênia Azul vítimas da especulação imobiliária” que eram 600 famílias, “totalizando cerca de três mil pessoas”, tinham se organizado em torno da “Associação Pró-Melhoramentos do Bairro Gardênia Azul” para a defesa de seus interesses. Era, segundo o jornal, o início da “luta contra os danos, que lhes vêm causando comerciantes e corretores de imóveis”.


O jornal detalhava a fundo várias denúncias dos moradores. Segundo o Novos Rumos, os moradores teriam sido vítimas de um “conto”, que foi o que consistiu, segundo o jornal, as promessas oferecidas pela empresa aos compradores dos lotes:

Afirmando aos interessados que a área do atual Parque Gardênia Azul constava do “plano de reloteamento em processo na prefeitura do Distrito Federal, de acordo com planta aprovada sob o numero 18 328, em 24 de julho de 1955” a firma José Padilha Nunes Coimbra vendeu ali dezenas de lotes de terreno para a construção de residência. As operações de vendas e contratos foram feitas por intermédio do corretor Denize Michel Emanuel, estabelecido em escritório na Praça Mauá, 7, quinto andar (Novos Rumos, 3 a 9 de agosto de 1962, p. 7).


Após a compra, segundo o que afirma o jornal comunista, os compradores se deparariam com uma situação totalmente destoante do que havia sido anunciada: 


Acontece entretanto que toda a imensa área não consta de plano algum de urbanização do Estado: ao contrário do que asseguravam os vendedores dos imóveis. Assim as famílias que compraram os terrenos, ou não construíram suas casas ou as construíram e estão morando numa zona sem iluminação, sem rede de esgotos e sem água, uma vez que tais melhoramentos, indispensáveis ao preenchimento de condições mínimas de habitabilidade, não tiveram sua instalação providenciada pelo governo do Estado. Os compradores dos terrenos não escondem sua revolta contra o engodo de que foram vítimas. Muitos deles chegaram mesmo a suspender o pagamento das prestações dos lotes (Idem).


Ainda segundo o periódico, dois quadros políticos ligados ao PCB, o deputado estadual Hércules Corrêa e o jornalista Marco Antonio Coelho, teriam participado de um debate com os moradores da localidade “em assembléia popular”, “para a qual foram convidados”, com o intuito de discutir “problemas referentes à carestia e à necessidade das reformas de base. Junto a questões típicas da militância partidária, o jornal asseverava que os representantes comunistas “ficaram a par da ‘desenvoltura’ com que agiram os especuladores de imóveis contra os moradores da região”, e, garantia o Novos Rumos, ambos “prometeram incorpora-se à sua luta” (Idem). Com esse propósito, Hercules Correa teria solicitado em requerimento apresentado em sessão da Assembleia Legislativa, no dia 17 de julho (o debate ocorreu em 1º de julho), informações ao poder executivo do Estado sobre o Parque Gardênia Azul.


1 – A quem pertencem os lotes agrícolas de números 1 a 11 e de 33 a

49, situados em Jacarepaguá?

2 – A antiga prefeitura do Distrito Federal, hoje governo do Estado da

Guanabara, ao aprovar a planta dos citados lotes (processos número

18.328 de 24 de julho de 1955) que permissão legal deu ao

proprietário dos mesmos?

3 – Quais as providências legais que dispõe o poder executivo para

legalizar a situação dos que residem na área dos citados lotes? (Idem)


Significativo que logo depois desse pronunciamento, a administração estadual se apressasse para apresentar propostas de intervenção na localidade. Até para que o Gardênia Azul não se tornasse facilmente numa espécie de base política dos grupos de esquerda.


Tendo isso em mente, em outubro daquele ano, o governador Carlos Lacerda anunciava a execução de obras de urbanização e saneamento na “favela” Gardênia Azul (A Noite, 03/10/1962, p. 2). O anúncio era um indicador de que as demandas dos moradores encontravam algum eco na esfera governamental estadual. Curiosamente, o reconhecimento de que havia algo de errado nas condições de moradia da localidade era o fato de imprensa e poder público começarem a nomear Gardênia Azul não como um “loteamento” e sim como “favela”. 


Mais do que isso, o anúncio estava relacionado a um importante aspecto conjuntural. O governo Carlos Lacerda iniciava uma campanha agressiva de "remoções de favelas e buscava complementar tal iniciativa investindo na construção de conjuntos habitacionais. Para tanto, ele começou a procurar vultosas fontes de financiamento junto aos órgãos exteriores, especialmente estadunidenses, já que a possibilidade de financiamento por vias internas encontrava-se bloqueado devido às disputas políticas com o governo presidencial de João Goulart, herdeiro do varguismo e adversário político e ideológico do representante udenista. 


Por essa razão, Gardênia Azul poderia cumprir até mesmo um papel nessa nova estratégia de Lacerda, da mesma forma como os conjuntos habitacionais de Vila Kennedy e da Cidade de Deus. Talvez Lacerda enxergasse o local como o destino de pessoas expulsas do Leblon ou Humaitá. O Jornal do Commércio (07/10/1962, p. 7) dava maiores detalhes, que nos ajudam a visualizar melhor o cerne da proposta do governo. A decisão pela intervenção urbanística do governo Lacerda teria como base o “relatório apresentado pela Administração Regional de Jacarepaguá, contendo uma série de sugestões relacionadas com o saneamento e urbanização da favela Gardênia, local que naquele momento abrigava 2.300 pessoas. Segundo o jornal, o administrador Mário Campelo afirmava no relatório “serem ‘péssimas e inferiores ao mínimo tolerável de desconforto’ as condições de vida daquela favela”. O administrador ainda se mostrava pessimista quanto à realização de melhorias por parte do autor do loteamento. Além de explicar as razões de tal pessimismo, ele apresentava ainda uma denúncia quanto à legalidade do empreendimento:


[O administrador Mário Campelo] Ressalta que o proprietário da área ocupada pela favela Gardênia Azul nada faria para executar as obras de urbanização porque: a) venderá os lotes a preços baixíssimos, cujas prestações variam em torno de Cr$ 60 a Cr$ 100 por mês e por terem alguns lotes sido também invadidos; e b) o projeto de loteamento não chegou a ser aprovado” (Idem).


Não obstante a falta de confiança na realização de mudanças efetivas na situação do Gardênia Azul, Mário Campelo apresentava algumas “sugestões” a serem ponderadas:


1) O proprietário deve realizar obras de urbanização; 2) essas obras devem ser fixadas em função do resultado financeiro da venda dos lotes vagos e do reinício do pagamento dos lotes vendidos, paralisado há tempo; 3) deve ser aprovado um projeto de loteamento, modificando o atual, para que os moradores tenham seus títulos de propriedade e, com eles, garantia para efetuar os pagamentos das prestações; 4) o Governo providenciaria também, a curto prazo, para que água e luz cheguem até às portas do loteamento (Idem).


As sugestões seriam consideradas pelo governo. Nota-se que em nenhum momento se aventa a possibilidade de desapropriação. Mesmo que o relatório aponte a possibilidade de irregularidades, nas soluções apontadas pelo administrador regional, o governo teria que estabelecer ações conjuntas com o proprietário. Este seguiria recebendo os pagamentos pelos lotes e ficaria responsável pelas obras de urbanização, sendo que serviços como água e luz ficariam a cargo do governo. Na proposta de Campelo, abria-se até mesmo a possibilidade de refazer o projeto de loteamento. Ou seja, em que pese a gravidade da situação dos moradores, a administração regional seguia considerando o proprietário como um parceiro e não como um antagonista.


Na verdade, o governo Lacerda tinha a intenção de atuar como um intermediário do conflito entre moradores e proprietário (José Padilha). Ainda segundo o relatório, deveria haver “a assinatura de um acordo entre o proprietário e os moradores, com a interveniência da Fundação Leão XIII, pelo qual se fará o controle da receita e a execução das obras fixadas no termo de obrigações, e pelo qual pagará o proprietário à Fundação Leão XIII o valor de seu trabalho” (Idem).


Continua.........

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domingo, 12 de setembro de 2021

Revisitando "O Sertão Carioca": exposição comemorativa de 11 anos.

Neste aniversário de 427 anos de Jacarepaguá, o IHBAJA preparou alguns materiais para homenagear esta data festiva. O primeiro deles é um novo olhar sobre a exposição "Magalhães Corrêa - 125 anos de O Sertão Carioca" de 2010. 

    Em 2010, o Instituto Histórica da Baixada de Jacarepaguá disponibilizou ao público a exposição virtual “O sertão carioca” com as penas de Magalhães Corrêa que ilustram o livro homônimo deste autor. 
    Agora, em 2021, voltamos a apresentar a exposição, com novas imagens e design, objetivando trazer uma reflexão, tanto pela atualidade do livro quanto pela urgência em projetar e criar ações de preservação do patrimônio cultural, histórico e natural da nossa região. 
    Se na década de 1930, Magalhães Corrêa chamava a atenção para a constante destruição da fauna e flora de Jacarepaguá, além de apresentar os problemas sociais de uma região abandonada pelo poder público, hoje podemos traçar um paralelo com as transformações estruturais e urbanas pelos quais passou e ainda passa Jacarepaguá. 
    Magalhães Corrêa questionava o pensamento de que o sertão e os problemas sertanejos ocorriam em regiões afastadas do Rio de Janeiro (então Distrito Federal). Ao contrário, o sertão começava bem perto do centro urbano, a um pouco mais de 30 quilômetros. Seu “Sertão Carioca”, lugar de visitas turísticas, praias, rios e cachoeiras, era também o local do abandono, de mazelas sociais, da pobreza, do desmatamento e das fazendas em decadência. Bem diferente de uma urbanização incipiente encontrada na “porta de entrada” da região (Praça Seca, Tanque e as estradas das regiões da atual Pechincha e Freguesia), o resto da Baixada era um ambiente em sua essência rural, visto de forma pitoresca, mas ainda desconhecido pelo governo à época.
    Hoje, podemos pensar que o crescimento urbano e o olhar governamental sobre essa região mudou e muitas das antigas características se perderam. Porém é necessário refletir sobre como esses avanços ocorrem e qual o sentido de desenvolver e preservar, sem que ambos os conceitos sejam antagônicos e excludentes.
    O Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá deseja que todos apreciem esta exposição.


Para assistir diretamente no canal do Youtube do IHBAJA clique aqui.

Para uma navegação interativa (clicando em ícones de sua escolha) clique aqui que você será direcionado para arquivo pps.





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quinta-feira, 15 de junho de 2017

As freguesias rurais do Rio Janeiro (II)






Leonardo Soares
Professor de História e Pesquisador do IHBAJA



Em 22 de dezembro de 1892, encontra-se registrado nos Anais do Conselho Municipal a reclamação de alguns moradores da freguesia de Guratiba com a falta de “conserto do aterrado do Sacco” há mais de 40 anos. Em julho de 1896, moradores de Realengo enviavam um memorial pedindo a reparação do “povoado”. No memorial vários fatores eram apontados para demonstrar a crescente importância do lugar: uma população de “12 mil almas”, uma estação de trem da Central do Brasil, três escolas municipais, uma fábrica de cartucho em construção. Além de ficar há poucos minutos da Fábrica de Tecidos de Bangu e teria ainda em “breve um arsenal de Guerra e bem assim é de esperar grande aumento de edificações e accrescimo na população pelo grande numero que há de proprietários de terrenos foreiros e de particulares que se achão já retalhados e a maior parte vendidos.”

Já na administração de Pereira Passos, em 1903, o Intendente Francisco da Silva apresentava uma Indicação numa das sessões do Conselho Municipal, instando o Prefeito a promover “melhoramentos” em alguns povoados “então esquecidos” da zona suburbana, como ele já vinha fazendo em Jacarepaguá e Cascadura:

“Considerando que o digno Dr. Prefeito está disposto e tem resolvido dotar alguns pontos da zona suburbana com o importante e necessário melhoramento da iluminação.

Considerando que os povoados de Realengo, Campo Grande e Santa Cruz, pelo grande desenvolvimento que têm e pelo que contribuem para a receita municipal não podem e não devem ser esquecidos:

Indico que o Conselho Municipal solicite do Sr. Dr. Prefeito [Pereira Passos] a illuminação dos referidos povoados pelo systema que S. Ex. julgar mais conveniente e economico”.



O simples fato de uma autoridade política dizer estar interessada em promover um melhoramento num lugar da região suburbana e rural é garantia da implementação deste melhoramento? Obviamente que não. Como se pode testemunhar até hoje entre muitos políticos do cenário local e nacional, todos fazem questão em expressar boa-vontade em prometer a realização de inúmeras melhorias nas localidades por eles visitadas, especialmente em épocas de eleição. Mas em muitos casos, a consecução dessas melhorias não é levada a efeito, não passando do mero nível do discurso. Porém, no período em que estamos tratando, há alguns aspectos que precisam ser considerados. Conforme a atitude de Francisco Alves deixa sugerir, assim como a demanda acima de moradores das freguesias rurais e suburbanas, a região ao mesmo tempo que conhecia um notável crescimento demográfico, via com isso a sua importância política aumentar no cenário do Distrito Federal. Não tardaria para que líderes políticos da região explorasse a situação de carência da região em termos de serviços e infra-estrutura públicas para construir sua plataforma de atuação no legislativo da cidade. Muitos intendentes, por exemplo, para se verem reconhecidos como porta-vozes da população rural e suburbana, pautariam suas ações na “busca e conquista” de “melhoramentos” que eram até negados àqueles “povoados esquecidos” pelos poderes públicos. Isso de certa maneira geraria certos embaraços aos primeiros Prefeitos da cidade, os quais nitidamente concentravam os investimentos da municipalidade nas “zonas nobres” da cidade.

Um interessante exemplo foi a aprovação da emenda do Intendente Alvaro Albano ao Projeto n.28. Em sua primeira versão, ele estabelecia que “todos os terrenos em quaesquer das freguesias urbanas ou suburbanas, que não tiverem água, luz e esgotos, serão isentos do pagamento de emolumentos ou braçagem de qualquer natureza”. Por esta definição, apenas as freguesias não-urbanas de Inhaúma e Irajá seriam contempladas. Ao que Alvaro Albano apresentou e teve aprovada uma emenda estendendo tal “benefício” à Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz.

Para um município com tantos gastos com funcionalismo público e com as próprias obras que avolumavam ano a ano (ruas, estradas, calçamento, iluminação, esgoto etc.) a arrecadação de impostos passava a ser crucial, constituindo ela mesma num dos pilares que sustentavam a máquina governamental. Uma emenda como a de Álvaro Albano certamente teria sido vista pelos representantes da administração Pereira Passos como extremamente prejudicial às finanças da municipalidade, pois ele ameaçava retirar da alça de sua mira tributária um enorme contingente da população da cidade. Para evitar tal risco ele passava a ser obrigada a promover melhoramentos. Para uma administração como a de Pereira Passos (e igual a inúmeras outras como a de Carlos Sampaio, Prado Júnior e outros), tão comprometidas com as reformas urbanas do centro e com as localidades que estavam sendo ocupadas pela elite carioca, como Copacabana e Botafogo, não era uma decisão simples. Mas a pressão das contas e dívidas sempre crescentes, diariamente lembradas pelos funcionários ligados ao setor de finanças da Prefeitura, devem ter levado o Prefeito a concluir que não havia outra alternativa.

Há que se destacar também que havia outro motivo para os poderes públicos investirem na região. Verena Andreatta sublinha que no modelo de cidade que se afirma no Ocidente a partir do século XIX, a constituição de serviços públicos urbanos será o instrumento principal de realização da mais-valia urbana, pois

“A possibilidade de incrementar esse valor nas proximidades da cidade e os altos benefícios que supõe a passagem do solo de valor rural a urbano têm sido fator determinante da contínua explosão da cidade sobre seu território limítrofe. Extensão cujo tamanho depende enormemente do poder de cada nova infra-estrutura para reduzir distâncias, aproximar o espaço adjacente ao centro em termos de tempo, mas também em termos de possibilidade de extensão dos novos serviços urbanos, inventados desde o início desse século a cada vinte ou trinta anos, de forma recorrente”.



Talvez essa seja uma razão suficiente para descaracterizar a atuação dos poderes públicos e de líderes políticos na região como práticas de beneficência. Os investimentos na ampliação de serviços públicos na região estava longe de responder aos princípios de uma hipotética dívida histórica e social com a área. Na verdade ela parecia se reportar a um plano geral da municipalidade na sua busca permanente em conseguir receitas, via impostos e tributos, por exemplo – uma forma possível de se extrair a mais-valia urbana apontada por Andreatta – para cumprir com o seu plano orçamentário. Tendo esse princípio como norte, o então Prefeito entrava em entendimentos com o Ministério da Viação em 1895 “a fim de abastecer de água potável” o “distrito de Guaratiba e a ‘povoação’ de Sepetiba, no curato de Santa Cruz”.

Mas a região parecia se tornar atraente não apenas para os poderes públicos. Vários investidores particulares também se lançariam com inúmeros projetos – muitos deles frustrados - de investimento em serviços públicos. Não é difícil imaginar a expectativa de lucros rápidos vislumbrada por Manoel Gomes Arruda tão logo ele tenha visto aprovado o Projeto n. 204, pelo qual lhe era concedido permissão “para explorar a illuminação publica e particular, pelo systema de gaz carvão ou outro no curato de Santa Cruz, Realengo, Campo Grande e Bangú.” Perspectiva semelhante teria levado a empresa Pereira Jr. & Cia. e Carlos Rossi a propor à Prefeitura, muito provavelmente em meados da primeira década do século XX, um contrato de conservação das estradas suburbanas. Contudo, em que pese o contexto favorável para investimentos na região, havia casos em que os proponentes verdadeiramente erravam a mão em seus projetos. Atentemos para o exemplo de Pedro Antonio Filho. Num projeto de sua autoria, apresentado ao Conselho Municipal em 1891, lê-se que ele simplesmente desejava realizar “por si ou por empreza que organizar diversos melhoramentos na zona comprehendida entre Engenho Novo e Santa Cruz, no distrito federal”. Na prática, o autor se responsabilizava em mudar a face de um território que abarcava mais de 60% da superfície do Distrito Federal. Constavam entre alguns dos “melhoramentos” por ele propostos: abrir ruas, estradas e caminhos; estabelecer núcleos coloniais; construir “sobre regras de da bôa higiene casas econômicas izoladas umas das outras”; “estabelecer immigrantes de preferência belgas, allemães ou nacionaes mediante contracto prévio, auxiliando-os para sua collocação”; “proceder a drenagens e plantações de vegetais especiais nos terrenos que forem insalubres nas proximidades dos núcleos coloniaes que estabelecer”; “construir um edifício em terreno sufficiente para manter uma eschola pratica e theorica de agronomia e veterinária, onde se dê educação professional, segundo as regras modernamente ensinadas na Europa”; “constuir escholas primarias nos núcleos coloniaes que estabelecer para servir aos filhos dos colonos da localidade”; “um mercado em Cascadura e outro no Engenho Novo para vendas a varejo e por atacado”; “armazéns em Cascadura, onde os lavradores sem pérca de tempo poderão abastecerem-se de todos mistteres concernentes a uso particular, como seja: gêneros, roupa, instrumentos de lavoura”; organização de uma “exposição agrícola, bem como de floricultura e avecultura etc cujo productos sejão julgados por um jury e premiado”.

Mesmo diante de tão “patrióticos intuitos” – como classificou o próprio autor do projeto -, não foi difícil para Miguel Guimarães, o Intendente responsável em avaliar a sua viabilidade, justificar a sua decisão pelo indeferimento do pedido:

“A zona onde o suplicante pretende fazer melhoramentos por meio dos extremos favores que sollicita, é tão vasta que esta sua qualidade será sufficiente para que não lhe fosse concedido o que se pede, pois importaria para esta Intendência a alienação de grande parte de sua fonte de renda – Mais, o pedido do suplicante fére direitos adquiridos”.



Outro tipo de projeto importante apresentado por particulares versava sobre a construção de grandes conjuntos de “habitações populares”, abarcando uma área tão grande que podiam ser considerados verdadeiras cidades. De certa forma, eles eram uma visão antecipada em algumas décadas do que viria a se constituir posteriormente os grandes loteamentos residenciais implantados a partir da década de 1940. Destaque para a proposta de construção de um grande bairro abarcando as freguesias de Irajá e Jacarepaguá e outro abarcando estas mais a freguesia de Inhaúma. Gerson Brasil cita o exemplo da Cia. Cidade da Gávea, que na “época do Encilhamento” projetou a construção de um balneário na Praia da Restinga (Barra da Tijuca), “ao qual se chegaria por um boulevard”.

Um fato que parece indiscutível, mesmo que muitos desses projetos não tenham saído do papel – como foi o caso desses três projetos citados, é que eles apontam sobre a existência de uma outra leitura possível sobre a região ocupada pelas freguesias (depois distritos) rurais. Leitura esta que tendia a desdizer as imagens tradicionalmente associadas à região, que eram sintetizadas pelas idéias de “decadência” e “abandono”, idéias estas que reforçavam a imagem de um espaço “esquecido” pelos poderes públicos. Num caminho inverso, tais projetos e empreendimentos apontavam para um tipo de visão que também tomava a região como uma verdadeira área de fronteira aberta, isto é, uma região em expansão, na medida em que se constituía aos olhos de muitos agentes, especialmente os do ramo do capital industrial, financeiros e de serviços, como um espaço verdadeiramente propício a investimentos de capital.

O editorial da Gazeta Suburbana, publicado em 8 de setembro de 1910, procura veicular exatamente essa idéia:

“[...] Com o progressivo augmento da população do Distrito Federal, com o grande desenvolvimento do nosso comércio, os subúrbios, outrora abandonados e desprezados, tornaram-se ultimamente procurados e conhecidos.

Tudo tem augmentado nos subúrbios: a população, o commercio, a industria. Tão grande é o desenvolvimento actual da zona suburbana que, quase todos os jornaes diários, viram-se na necessidade de, no noticiário geral, acrescentar um suplemento consagrado unicamente aos subúrbios [...]”.
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quarta-feira, 22 de março de 2017

Lavradores de Jacarepaguá resistem ao maior assalto a terras da cidade do Rio de Janeiro





Grilagem de terras em Jacarepaguá: lavradores resistem ao maior assalto a terras da cidade do Rio de Janeiro


 por Renato Dória*
No dia 30 de janeiro de 1935, importantes jornais cariocas davam espaço à audaciosa saga de Vicente Carino, advogado dos lavradores de Jacarepaguá e Guaratiba. Carino denunciava à Corte de Ape­lação do Distrito Federal a situação dos seus clientes: o Banco de Crédito Móvel (BCM), por meio de falsas escrituras de propriedade das fazendas Camorim, Vargem Pequena e Vargem Grande, ameaça­va de despejo mais de cem famílias, seus clientes, que ocupavam uma extensão de mais de 9.000 m² de terras naquela região.
Para o advogado, as ações do banco em Jacarepaguá e Guaratiba constituía o maior assalto a terras da cidade do Rio de Janeiro. Além de contar com uma apreciação severa dos magistrados sobre a duvidosa documentação apresentada pelo banco, Carino lançou mão de uma tática bastante inovadora, que seria repetida mais tarde por Francisco Julião: lotou os salões do tribunal com uma delegação de mais de cem lavradores, aguardando o resultado da sentença que avaliava o pedido de anulação de uma promessa de venda de um sítio, assinada por um lavrador sob coação de mandatários do banco.
O BCM surgiu como uma espécie de “fiador” da Companhia Engenho Central de Jacarepaguá, que em janeiro de 1891 comprou as terras apresentadas como pertencentes à Ordem dos Beneditinos: as fazendas do Camorim e das Vargens Pequena e Grande. As famílias de lavradores, que ocupavam há dezenas de anos aquelas terras, não reconhecendo o direito do banco, fundaram a Caixa Auxiliadora dos Lavradores de Jacarepaguá e Guaratiba, por volta de 1920, e desde então passaram a sofrer ações de reintegração de posse patrocinadas pelo BCM na justiça.
Em maio de 1923, dois lavradores de Piabas, membros daquela Caixa, estavam ameaçados de despejo pelo BCM. Após se reunir diversas vezes em Piabas, os membros da Caixa decidiram não pagar aluguel a quem não provasse ser proprietário das terras. Situação semelhante protagonizou a Fábrica Bangu, que criou uma empresa para a qual foram repassadas suas terras, que supostamente estavam abandonadas, porém, na verdade, ocupadas e arrendadas por inúmeras famílias de lavradores.
A Bangu Empreendi­mentos S.A., segundo o historiador Robert Pechman, foi um “embuste criado desde 1937 para mascarar as relações de arrendamento e posse” existentes entre as famílias de lavradores e a fábrica. E, durante a década de 1970, o “embuste empresarial” foi responsável por acionar juridicamente o despejo de mais de 1.200 famílias naquela região. Caso semelhante parece ter sido o papel do Banco de Crédito Móvel na Baixada de Jacarepaguá em relação às famílias de lavradores ao longo do século XX na região.
*Pesquisador do IHBAJA

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