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domingo, 30 de julho de 2023

A História da ocupação de Gardênia Azul: anos 1950



Por Leonardo Soares dos Santos

Professor de História e membro do IHBAJA


O território da Gardênia Azul faz parte do que já foi um dia o Engenho D’Água de Jacarepaguá. Ele pertenceu a diferentes donos ao longo de mais ou menos três séculos - todos eles pertencentes à família Correia de Sá. No século XIX, o então proprietário das terras, o sexto Visconde de Asseca José Maria Correia de Sá, que passava por sérios problemas financeiros, decidiu vender a propriedade ao Comendador Francisco Pinto da Fonseca (pai do Barão da Taquara).


Em meados dos anos 1950, ele constava como sendo de propriedade de José Padilha Coimbra, empresário rico e com bens espalhados por toda a cidade.




https://www.guiajpa.com.br/gardenia-azul/


Em 1953, ele resolve lotear sua fazenda, criando o Parque Gardênia Azul (planta que cultivava à larga em sua propriedade). Tão logo foi aprovado, o projeto do loteamento Gardênia Azul começou a ser anunciado nas páginas dos jornais em 1954.


Tão logo foi aprovado, o projeto do loteamento Gardênia Azul começou a ser anunciado nas páginas dos jornais em 1954. 



Anúncio de venda de lotes no Parque Gardênia Azul na Gazeta de Notícias, 4/12/1954, p. 5.



Carolina Zuccarelli Soares apresenta um importante aspecto da história de ocupação do território em sua dissertação sobre “as diferentes estratégias de  escolarização utilizadas por famílias de segmentos populares na Gardênia Azul”, lembrando que nos primeiros anos, “o pedreiro Severo Silveira Maciel construiu grande parte das casas na região tornando-se, posteriormente, líder comunitário” (p. 53) 


Num verbete sobre o bairro que corre por diversos sites na internet é comum encontrarmos a versão de que a implantação do seu “núcleo” - ou seja, a concretização do loteamento - teria se dado nos anos 60. Mas a história não foi bem essa. A ocupação do território já havia sido iniciada poucos anos depois da aprovação do projeto nos anos 50. Mas, é certo que tudo era muito difícil nos primeiros anos de consolidação do bairro. Sintomática era a forma como o bairro de Gardênia Azul era retratado nas poucas vezes que estampavam alguma nota nas páginas da imprensa carioca. O território aparecia muito associado a um local perigoso, violento, vicioso e refúgio de criminosos.


Em oito de agosto de 1955, o Diário da Noite estampava na página 10 a notícia de um sério conflito entre vizinhos no “Parque Gardênia Azul”, ocasionando um “ferimento penetrante no occipto-frontal” de Carlos Chagas Alvaro, na época com 25 anos. Segundo a reportagem, Carlos morava na “quadra 13, lote 10”. A contenda com os seus vizinhos Antonio Ribeiro de Oliveira e Domingos Lopes de Oliveira, teria sido motivada por “uns centímetros de terra”. Assim, no “auge da discussão, os dois, empunhando foice e enxada, respectivamente, o agrediram, após o que Antonio conseguiu fugir, sendo o outro detido pela guarnição da Patrulha 5”.


Ainda no final da década de 50 pululavam pelo noticiário carioca dando conta da ocorrência desses fatos. Em cinco abril de 1958, o Última Hora noticiava a morte a foiçadas de “Cachaça”, apelido do operário Jocelino Gomes de Sousa. Eis o que relatava a reportagem “Abatido a Foice no Parque Gardênia Azul”:


Seriam pouco mais de zero hora de sexta-feira quando o operário Rubem Silva (Rua “D”, sem número, Parque Gardênia Azul) ouviu forte discussão entre duas vozes masculinas e a seguir um baque surdo de algo caído. Mas como fôsse tarde e o lugar abandonado de policiais, foi dormir. Pouco depois era acordado pelo Comissário Nogueira Guedes, do 26º Distrito, que investigava o assassinato de Jocelino Gomes de Sousa, vulgo “Cachaça”, operário, casado, morador à Estrada da Água, 45. Segundo ficou apurado a vítima havia sido assassinada possivelmente a golpes de foice, pois apresentava dois profundos ferimentos na cabeça e pescoço. Ninguém que pudesse dar informações pelas redondezas, afora a testemunha já citada. O corpo fóra achado pelo motorista de praça Maurício Cesar de Andrade (Conselheiro Rubens de Melo, 581, Jacarepaguá), quando voltava da residência de um freguês. Foi pedido o auxílio da perícia e da Polícia Técnica, tendo comparecido por esta última, o Detetive Nielsen Kauffman. O autor do homicídio é inteiramente desconhecido (p. 8)



Mas para o que nos interessa aqui, muito mais importante do que analisar a associação que a imprensa faz da região como um espaço perigoso, é observar que muitas das pessoas citadas nas reportagens já moravam na região. A briga envolvendo Antonio Ribeiro e seus vizinhos em 1955, o assassinato de Jocelino em 1958, as testemunhas arroladas - todos eles moravam em Gardenia Azul, num determinado lote, inserido numa quadra e rua. O loteamento já estava sendo ocupado desde então. Porém, era uma ocupação precária em seu conjunto. As condições de vida na região eram difíceis.


Diante de tantos problemas observados, um fato novo começa a ganhar corpo na cobertura jornalística sobre o bairro. Desde o início dos anos 60, vários jornais passam a noticiar declarações de personalidades políticas em favor de melhorias no Gardênia Azul. Em maio de 1960, por exemplo, o então deputado federal pelo PSB Breno da Silveira teria ido “cobrar do Governador as promessas feitas ao povo carioca”, entre os pedidos constava a demanda por “água e luz para o bairro Gardênia Azul, hoje transformado pelo abandono, num antro de viciados em maconha e outros vícios”, complementava o Última Hora (30/5/1960, p. 2).


Após os primeiros anos de consolidação, a luta pela melhoria das condições de moradia seria o grande desafio dos anos 1960. E o crescente interesse de lideranças políticas sobre o assunto foi um importante sinal. 


Trataremos disso no próximo artigo.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


“Gardênia Azul”. Disponível em: https://www.guiajpa.com.br/gardenia-azul/. Acessado em: 28/07/2023.


SOARES, Carolina Zuccarelli. Segregação urbana, geografia de oportunidades e desigualdades educacionais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2009.


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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023


Organizações camponesas em Jacarepaguá:

o caso da Caixa Auxiliadora dos anos 1920


Por Leonardo Soares dos Santos

Professor de História e membro do IHBAJA



Não foram poucas as organizações camponesas que brotaram na Baixada de Jacarepaguá entre os anos de 1940 e 1960. Associações de Lavradores, Associações Rurais, e até mesmo Ligas Camponesas deram as caras na região, reunindo as demandas e aspirações de posseiros e pequenos lavradores. Por meio delas tais agentes buscaram fazer frente às tentativas de despejos encetadas por grandes companhias imobiliárias, bancos e pretensos proprietários individuais. Esse processo atingiu seu clímax na virada da década de 50 para 60. Imensos loteamentos varreram a região, destruindo terras antes voltadas para a produção agrícola.

 

Mesmo antes, em meados da década de 20, alguns lavradores buscaram constituir entidades para a defesa de seus interesses. Foi o caso das caixas beneficentes. Magalhães Corrêa, naturalista que se dedicou a desbravar a região do Sertão Carioca (a zona rural do município do Rio de Janeiro) menciona a existência de uma certa Caixa Auxiliadora Beneficente dos Lavradores de Jacarepaguá e Guaratiba (CORRÊA, 1936. p. 186). 


Como contava o naturalista, tal associação teria sido criada por Maurício de Lacerda, vereador carioca, e notória liderança anarquista da cidade. A Caixa tinha como principal finalidade contribuir com os lavradores na sua disputa contra grandes proprietários da região. Os lavradores estavam sendo ameaçados de despejo. Aqui se revelava uma questão que atuaria grandemente na mobilização dos pequenos lavradores da região pelas décadas seguintes: a questão fundiária seria mais premente do que as questões estritamente econômicas.


Podemos encontrar vários registros de suas atividades na imprensa carioca de esquerda. O Trabalho e Capital (“Actividade Proletaria”, 18/02/1928, p. 1) dava conta de uma assembleia ocorrida em fevereiro de 1928. Entre os assuntos tratados constava a prestação de contas da entidade pela tesouraria, “que acusou saldo recolhido no Banco Ultramarino”. Na “ordem do dia” figurava a eleição da “nova Directoria e inauguração do retrato do Sr. Mauricio de Lacerda em sua sede social”. 


Após a eleição da nova diretoria, Manoel Carvalhaes (reeleito presidente da Caixa), Maurício de Lacerda e J. Cruz discursaram. O primeiro rendeu elogios ao segundo, patrono da entidade, afirmando que enquanto a Caixa Auxiliadora “tiver os abnegados sócios que tem e o patrono que a assiste, poderá prestar grandes serviços aos proletários do campo”. 


Já Lacerda lembrou que se “hontem a luta era contra um banco, que disputava a terra aos lavradores, hoje deve se secundar na resistencia ao fisco, que arranca dessa terra, assim conquistada, o producto do trabalho camponez”. E também concitava os “lavradores a formar associações de classe para essa luta contra os tributos, defendendo-se de quem lhe suga o suor”.  


J. Cruz em sua fala procurou mostrar “o valor da solidariedade, dizendo que a Caixa que deu as terras a todos dará agora as garantias a cada um dos seus direitos”.


E finalizava o jornal: “Terminando esse discurso, que foi longo, expressivo, arrancando aplausos nas passagens principalmente em que pedia a união o espírito de organização, encerrou-se a sessão, às 15 horas e 45 minutos”.



Referência bibliográfica:


Corrêa, Armando Magalhães. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936. (Originalmente escrito durante durante o ano de 1933).




A CAIXA AUXILIADORA DE JACAREPAGUÁ E GUARATIBA NOS JORNAIS





MAURICIO LACERDA


Crítica, 01/02/1928, p. 3
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quinta-feira, 21 de abril de 2022

O Meio Ambiente em Jacarepaguá não tem o que comemorar

 “Os pescadores queixam-se do óleo que a lancha deixa à superfície das águas e o barulho da mesma, afugentando os peixes, sem que se tenha obtido uma providência da Capitania dos Portos e da Diretoria da Pesca.”

(Armando Magalhães Corrêa)


O trecho acima é do livro “O Sertão Carioca”, do naturalista e pesquisador do Museu Nacional Magalhães Corrêa. Essa publicação reúne uma série de estudos leigos de botânica, geomorfologia e hidrografia sobre a Baixada de Jacarepaguá. Este fragmento do livro mostra a poluição nas lagoas da Barra da Tijuca provocada pelo lançamento de óleo dos barcos de turistas. O que parece apenas mais uma notícia da acelerada degradação ambiental da nossa região, torna-se ainda mais alarmante quando levamos em consideração que a publicação foi escrita em 1936, bem antes do boom imobiliário da Barra.

Em 2009, as Nações Unidas declararam que o Dia Internacional da Mãe Terra será comemorado no dia 22 de abril de cada ano. Infelizmente, não temos o que comemorar na Baixada de Jacarepaguá. Localizada na região litorânea oeste da cidade do Rio de Janeiro, essa região possui uma área de 160 km² que está situada numa extensa planície sedimentar circundada por dois maciços (Tijuca e Pedra Branca). Na sua base localiza-se a faixa de praia do litoral atlântico. O conjunto lagunar da região é composto pelas lagoas de Marapendi, Tijuca, Camorim, Jacarepaguá e Lagoinha das Taxas. O conjunto possui uma área total de 13,24 km².

A partir dos anos 1970, os corpos hídricos da baixada em questão vêm sofrendo profundas mudanças nas suas características, promovidas pela ação humana. O principal problema é o lançamento de esgoto bruto, sobretudo doméstico, nas águas dos rios que deságuam nas lagoas. Mesmo com a inauguração do emissário submarino, em abril de 2007, o complexo hidrográfico recebe 3,5 mil litros de dejetos por segundo. A grande quantidade de sedimentos e matéria orgânica provoca obstruções que diminuem a correnteza e dificultam muito a renovação da água. A poluição aumenta a quantidade de nitrogênio e de fósforo nas águas, contribuindo para a proliferação das cianobactérias e de microrganismos procarióticos que são capazes de produzir uma toxina que ataca o fígado e o sistema nervoso central.

O livro “O Sertão Carioca” relata a existência de uma riquíssima fauna nas lagoas da região.  Garças, socós, maçaricos, marrequinhas, irerês, frangos d’água, tainhas, lambaris, robalos, acarás, bagres e traíras povoavam esse importante ecossistema. Infelizmente, hoje muitos só podem ser contemplados nos desenhos feitos por Magalhães Corrêa. 
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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O Recreio antes do Recreio: vestígios da presença indígena e o morro do Rangel

Por Renato de Souza Dória

É comum a afirmação de que antes do século XX a região onde está situado o bairro do Recreio dos Bandeirantes teria permanecido isolada por muitos anos. E a ocupação humana digna de nota teria começado apenas com as ações de empresas e investidores do ramo imobiliário. Estes são descritos como verdadeiros desbravadores de uma natureza intocada, cuja maior façanha foi a gradativa mercantilização da terra e formação de um mercado imobiliário neste recanto da terra carioca. Desta forma, nomes como J. Weslley Fynch, Banco de Crédito Móvel, Raul Goulart, Pasquale Mauro, Holofernes de Castro e Sérgio Castro acabaram sendo consolidados nas narrativas sobre a história do bairro.


Ponto em comum nas diferentes versões sobre a origem do nome do bairro Recreio dos Bandeirantes é a menção à presença de paulistas nas praias do Pontal de Sernambetiba nas primeiras décadas do século XX, seja fazendo excursões, seja alugando ou adquirindo casas de veraneio. Daí viria o nome Recreio dos Bandeirantes. Desta forma, sobre a ocupação humana na região, a situação não é diferente: ponto em comum é a menção à supostos proprietários e a uma série de transações imobiliárias.


Joseph Weslley Fynch adquiriu na década de 1920 uma gleba do desmembramento de uma antiga fazenda no Pontal de Sernambetiba, antes pertencente ao Banco de Crédito Móvel. Este, por sua vez, teria adquirido terras da mesma fazenda junto ao professor Raul Goulart. Ao que tudo indica, o imbróglio decorrente de nebulosas transações imobiliárias não ficou restrito apenas à Barra da Tijuca, estendeu-se até o Recreio dos Bandeirantes.

Gleba A, década de 1960.

Se a história recente (cerca de 100 anos) e nome do bairro do Recreio dos Bandeirantes está na produção e comercialização imobiliárias de meados do século XX na cidade do Rio de Janeiro, os nomes de localidades do bairro e proximidades fazem referência a um passado para além dos limites do século XX, da mercantilização desenfreada da terra e dos projetos de urbanização: Itapuã, Itaúna, Itapeba, Sernambetiba, Currupira, Caetés e Piábas são testemunhos da importância da presença dos povos originários na ocupação humana da região ao longo do tempo.


A expressividade do vocabulário do tronco linguístico tupi indica que mesmo tendo sofrido derrotas e perdido territórios desde o século XVI para os invasores portugueses, as populações originárias continuaram capazes de influenciar na formação da cultura da sociedade colonial da zona oeste carioca. Segundo relatos de moradores antigos, o bairro no passado teria o nome de Currupira ou Corrupira, influência forte da cultura indígena local que a colonização portuguesa não conseguiu apagar.


Já o morro do Rangel faz referência a Julião Rangel de Macedo, militar português que lutou durante o século XVI nas guerras de invasão e conquista dos territórios Tamoios situados na atual cidade do Rio de Janeiro. Junto de Jerônimo Fernandes, Julião Rangel foi um dos primeiros sesmeiros de toda a Baixada de Jacarepaguá, região onde no século XVI estava situada as famosas Aldeias de Guaraguassumirim e Takuarussutyba.


Por outro lado, a área do morro possui várias grutas e abrigos sobre as rochas, onde foram realizadas pesquisas arqueológicas desde a década de 1960. Lá foram encontrados vestígios das culturas Tamoio e dos povos construtores de sambaquis em grutas descobertas na década de 1970. Em 1975 a área do morro do Rangel foi declarada bem tombado do Estado da Guanabara, antiga denominação da cidade do Rio de Janeiro durante a ditadura civil-militar.

Gleba C, década de 1960.

O tombamento do morro do Rangel fez parte de um conjunto de ações de preservação inaugurados pelo antigo Estado da Guanabara, cuja proposta foi proteger determinados sítios naturais para a valorização das condições históricas, paisagísticas e ambientais da região, evitando a transformação completa da paisagem pela urbanização e avanço das construções imobiliárias.


A origem do nome do bairro do Recreio dos Bandeirantes está na mercantilização da terra e na produção imobiliária e consolidou-se em meados do século XX na cidade do Rio de Janeiro. Como alternativa mais barata em relação aos imóveis dos bairros da zona sul, os dois balneários da Baixada de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, destacaram-se no mercado imobiliário urbano carioca por sua "beleza incomparável" e "excelência de seu plano urbanístico".


Agentes capitalistas e órgãos do estado atuaram na formação do mercado imobiliário e na elaboração e execução de projetos de urbanização, como o do urbanista José Otacílio Saboya Ribeiro de 1953, inspirado no modelo anglo-americano de Cidade Jardim. As vidas iniciais foram realizadas pela Recreio do Bandeirantes Imobiliária S.A. e no final da década de 1950 é assumido por Sérgio Castro, apoiado pelo senador e banqueiro Georgino Avellino, presidente do Banco do Distrito Federal.

Jornal Última Hora, 11/02/1955.

Os anúncios de vendas de lotes nas glebas A e B, do Plano Urbanístico e a execução das obras de urbanização a cargo da Recreio dos Bandeirantes Imobiliária S.A. eram comuns nos jornais cariocas mais populares durante a década de 1950, como neste Última Hora do ano de 1955. O projeto de abertura de loteamento foi registrado junto à Prefeitura do Distrito Federal no início do ano de 1954 e as vendas dos lotes da Gleba B, primeiros a serem comercializados, foram surpreendentes ao ponto de permitir a antecipação da conclusão das obras.


O plano urbanístico da Gleba B apresenta os lotes rodeando a Lagoinha das Taxas, a Pedra do Pontal tem destaque e dela partem as vias principais: as avenidas Gilka Machado (atual), Litorânea (atual Lúcio Costa) e a estrada Benvindo de Novaes (atual). Outras iniciativas de urbanização realizadas no Recreio já em 1955 foram resultados da pressão política da companhia imobiliária Recreio dos Bandeirantes S.A. para que o Departamento de Estradas e Rodagens do Distrito Federal asfaltasse as principais ruas das Glebas A e B, como a avenida Litorânea que ligava a Barra da Tijuca ao Recreio.

Jornal Última Hora, 28/04/1955.

Em 1955 as vendas dos lotes da Gleba A iniciaram após a venda dos lotes da Gleba B em menos de 190 dias. Neste anúncio publicado no jornal Última Hora vemos o plano de urbanização com o traçado das atuais avenidas principais: Gláucio Gil, Lúcio Costa (Litorânea), Genaro de Carvalho, Pedro Moura, Alfredo Balthazar da Silveira e Guignard. A atual rua Professor Hermes Lima é o traçado que acompanha o Canal das Taxas, que parte a oeste da lagoa de Marapendi. O apelo paisagístico dos terrenos são a Lagoa de Marapendi e a praia.


O anúncio mostra os dados de registro do loteamento junto à Prefeitura do Distrito Federal e no Registro Geral de Imóveis e a informação de que a empresa Recreio dos Bandeirantes S. A. detém o recorde mundial de vendas de terrenos. Diferentes garantias para evitar a desvalorização do investimento são oferecidas, assim como uma condução para levar os interessados até o local.


Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira, Biblioteca Nacional.


Fotos: https://rioquepassou.com.br/
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sábado, 22 de janeiro de 2022

Histórias sucintas das igrejas tombadas de Jacarepaguá

 

Igreja de Nossa Senhora da Penna

A Igreja de Nossa Senhora da Penna fica no topo da Pedra do Galo, um penhasco de 160 metros localizado no bairro da Freguesia Ela foi fundada pelo padre Manuel de Araújo, no ano de 1664. A sua fundação envolve duas curiosidades. A primeira está baseada em uma história oral da região.  Um escravo que perdeu uma vaca ao retornar com o rebanho, com medo de ser açoitado, invocou a mãe de Jesus para que o ajudasse a localizar o animal. Inexplicavelmente um raio de luz projetou-se do cume da Pedra do Galo indicando onde estava a vaca. O seu dono, após observar o acontecimento, o alforriou e mandou construir uma pequena capela no topo do penhasco, em 1661. Três anos depois o padre Manuel erigiu no mesmo local uma outra ermida. Apenas em 1750 foi edificada a atual igreja de N.S. da Penna. O outro fato curioso é que originalmente essa igreja chamava-se N.S. da Penha, poispenha” é sinônimo de rochedo, penedo e penhasco. O Padre Manuel de Araujo trouxe consigo uma imagem da santa católica em sua viagem para a América Portuguesa. A igreja está tombada pelo IHPAN desde 1938.


 


Igreja de São Gonçalo de Amarante

Em 1594, Gonçalo Correia de Sá funda o Engenho do Camorim, transformando parte da planície costeira de Jacarepaguá em um imenso canavial. Gonçalo doou o Engenho do Camorim para o genro, o espanhol Luis de Céspedes y Xeria, como dote de casamento dele com a sua filha Vitória de Sá. O casal foi viver em Assunção, deixando Gonçalo como administrador das terras até a sua morte, em 1633. Após o falecimento do pai, D. Vitória retornou ao Rio de Janeiro e passou a tocar o engenho até 1667, ano em que morreu. Sem ter herdeiros, D. Vitória deixou o engenho para o Mosteiro de São Bento. Os beneditinos dividiram as terras em três propriedades: Fazenda do Camorim, Fazendo da Vargem Grande e Fazenda da Vargem Pequena. Além do açúcar, os monges, que administraram essas terras por quase 200 anos, também produziram mandioca, milho, feijão e aguardente. Nesse bairro existe um dos raros exemplares da arquitetura religiosa maneirista no Rio de Janeiro: a Igreja de São Gonçalo de Amarante. Ela foi construída em 1625 por Gonçalo Correia de Sá. Esse templo possui apenas uma porta de entrada, bastante rústica, dois sinos de bronze e fachada com as cores azul e branca. Possui também pequenas aberturas em suas espessas paredes, chamadas flecheiras, que tinham o objetivo de evitar possíveis ataques dos povos indígenas. Foi tombado pelo INEPAC, em 2 de dezembro de 1965.



Igreja de Nossa Senhora dos Remédios

As terras que hoje pertencem ao atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, anteriormente chamado de Colônia Juliano Moreira, faziam parte do Engenho de Nossa Senhora dos Remédios. Essa propriedade pertenceu ao Engenho do Camorim até 1653, quando foi desmembrada e vendida por Dona Vitória de Sá para os irmãos João e Tome Silva. Em 1664, por ordem dos irmãos Silva, foi construída uma pequena capela no engenho. No mesmo local, em 19 de outubro de 1862, foi inaugurada a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Com projeto do alemão Theodoro Marx (arquiteto oficial do Império), a cerimônia de inauguração teve a presença do Imperador D. Pedro II. O templo é apontado como um dos poucos exemplares, no Rio de Janeiro, da fase neoclássica da arquitetura brasileira.  A igreja está protegida pelo Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac) desde 1972.



 

Igreja de Nossa Senhora do Loreto

Em 6 de março de 1661, com o desenvolvimento da região de Jacarepaguá, foi criada a Freguesia de Nossa Senhora do Loreto e Santo Antônio de Jacarepaguá, pelo então governador João Correa de Sá. Esta freguesia foi formada a partir do desmembramento da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, sendo a quarta a ser instituída na cidade do Rio de Janeiro.  A sede inicial da Freguesia de Jacarepaguá foi a capela da Fazenda do Capitão Rodrigo da Veiga.

 A Igreja de Nossa Senhora do Loreto, Matriz da Freguesia de Jacarepaguá, foi edificada, originalmente, pelo padre Manoel de Araújo, em 1664. Tempos depois, o antigo templo acabou em ruínas e, através da mobilização dos fiéis, foi erguida uma nova Igreja, em 1747, toda em estilo barroco. Em princípios do século XX, foram construídos dois altares laterais e colocado o piso de azulejos hidráulicos. Em 1960, o altar-mor foi restaurado e as talhas foram pintadas de branco e dourado.

Por sediar a Matriz da Freguesia de Jacarepaguá, a região do entorno da igreja passou a ser chamada de “Freguesia”, constituindo atualmente um dos principais bairros da Região Administrativa de Jacarepaguá.

Desde 1921 os padres barnabitas assumiram a direção da igreja. Nossa Senhora de Loreto é considerada, pelos católicos, a Padroeira dos Aeronautas. Em 1970, o Cardeal D. Jaime de Barros Câmara concede a esta igreja o título de Santuário Nacional dos Aeronautas. Em 14 de agosto de 2001, o templo recebeu o tombamento provisório do INEPAC.



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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Zumbi e a resistência quilombola



A expressão “Ki-lombo”, que no tronco linguístico banto significa “acampamento”, era usada para designar associações de homens, abertas a todos os grupos étnicos, sem distinção de filiação. No século XVI, a capital do reino africano de Matamba, a cidade de Santa Maria de Matamba, era conhecida como “Quilombo”. Essa denominação também foi usada para representar um ritual de iniciação dos jagas, uma sociedade militar que habitava o nordeste de Angola.

Na América Portuguesa, os quilombos ou mocambos (como foram conhecidos inicialmente) constituíam núcleos comerciais e habitacionais formando verdadeiras sociedades plurirraciais.

 A imagem de isolamento que marcou essas comunidades vem sendo revista atualmente por muitos pesquisadores. Já se sabe que o excedente dos produtos fabricados nelas – como farinha de mandioca, mel e carne – era comercializado em mercados locais. Percebe-se assim, que não eram comunidades isoladas em termos econômicos e sociais, como durante muito tempo foi divulgado pela historiografia clássica.

 No Brasil, os habitantes das comunidades de escravos fugitivos eram chamados de quilombolas. O principal foco de resistência à escravidão do nosso país ocorreu no atual estado de Alagoas. A Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, serviu de abrigo para vários quilombos que receberam o nome de Palmares. Escondidos por uma floresta fechada, esse agrupamento reunia negros e negras em fuga, mas também indígenas, cafuzos, mazombos e brancos que desejavam uma vida longe do sistema escravista colonial. Em meados do século XVII, Palmares chegou a reunir 20 mil pessoas.

Esse agrupamento passou a ser uma preocupação constante para a Coroa Portuguesa, que tentou até negociar com os quilombolas, oferecendo-lhes a liberdade se eles depusessem as armas. Um líder militar chamado Francisco e apelidado de Zumbi, o senhor da guerra, não aceitou esse acordo e se transformou no principal nome da resistência. Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança, o paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para organizar a invasão da região. Em 6 de fevereiro de 1694, depois de várias tentativas, o principal quilombo de Palmares, Macaco, foi destruído e Zumbi foi ferido. Apesar de ter sobrevivido, o líder da Confederação dos Quilombos de Palmares foi traído, capturado e morto no dia 20 de novembro de 1695. Os portugueses transportaram a cabeça de Zumbi para Recife, onde ela foi exposta em praça pública. A Lei Federal nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, instiuiu o dia 20 de novembro como o  Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) confere proteção às comunidades remanescentes de quilombos, reconhecendo aos seus moradores a propriedade definitiva da terra, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. No município do Rio de Janeiro existem quatro Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs) certificadas pela Fundação Cultural Palmares: Cafundá Astrogilda, Camorim - Maciço da Pedra Branca, Pedra do Sal e Sacopã. 

 

                                                                                                                                               Val Costa



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domingo, 12 de setembro de 2021

Revisitando "O Sertão Carioca": exposição comemorativa de 11 anos.

Neste aniversário de 427 anos de Jacarepaguá, o IHBAJA preparou alguns materiais para homenagear esta data festiva. O primeiro deles é um novo olhar sobre a exposição "Magalhães Corrêa - 125 anos de O Sertão Carioca" de 2010. 

    Em 2010, o Instituto Histórica da Baixada de Jacarepaguá disponibilizou ao público a exposição virtual “O sertão carioca” com as penas de Magalhães Corrêa que ilustram o livro homônimo deste autor. 
    Agora, em 2021, voltamos a apresentar a exposição, com novas imagens e design, objetivando trazer uma reflexão, tanto pela atualidade do livro quanto pela urgência em projetar e criar ações de preservação do patrimônio cultural, histórico e natural da nossa região. 
    Se na década de 1930, Magalhães Corrêa chamava a atenção para a constante destruição da fauna e flora de Jacarepaguá, além de apresentar os problemas sociais de uma região abandonada pelo poder público, hoje podemos traçar um paralelo com as transformações estruturais e urbanas pelos quais passou e ainda passa Jacarepaguá. 
    Magalhães Corrêa questionava o pensamento de que o sertão e os problemas sertanejos ocorriam em regiões afastadas do Rio de Janeiro (então Distrito Federal). Ao contrário, o sertão começava bem perto do centro urbano, a um pouco mais de 30 quilômetros. Seu “Sertão Carioca”, lugar de visitas turísticas, praias, rios e cachoeiras, era também o local do abandono, de mazelas sociais, da pobreza, do desmatamento e das fazendas em decadência. Bem diferente de uma urbanização incipiente encontrada na “porta de entrada” da região (Praça Seca, Tanque e as estradas das regiões da atual Pechincha e Freguesia), o resto da Baixada era um ambiente em sua essência rural, visto de forma pitoresca, mas ainda desconhecido pelo governo à época.
    Hoje, podemos pensar que o crescimento urbano e o olhar governamental sobre essa região mudou e muitas das antigas características se perderam. Porém é necessário refletir sobre como esses avanços ocorrem e qual o sentido de desenvolver e preservar, sem que ambos os conceitos sejam antagônicos e excludentes.
    O Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá deseja que todos apreciem esta exposição.


Para assistir diretamente no canal do Youtube do IHBAJA clique aqui.

Para uma navegação interativa (clicando em ícones de sua escolha) clique aqui que você será direcionado para arquivo pps.





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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Conjunto Sanatorial de Curicica, atual Hospital Municipal Raphael de Paula Souza, completa 70 anos em 2021.



Por Janis Cassilia
Formada em História pela UFRJ
Mestre em História das Ciências e da Saúde
Professora e pesquisadora do IHBAJA.

Inaugurado em 1951, o Conjunto Sanatorial de Curicica teve seu funcionamento iniciado em fevereiro de 1952 e foi destinado a internação de tísicos e do tratamento da tuberculose. A criação do hospital fazia parte do programa federal Campanha Nacional contra a da Tuberculose (CNCT), do Serviço Nacional de Tuberculose (SNT) que propunha a erradicação da doença no Brasil em até 10 anos. O tratamento para a tuberculose foi criado em 1946 e, portanto, acreditava-se que o isolamento dos doentes em Jacarepaguá, proporcionava solução para a disseminação e a cura através do tratamento pelo antibiótico estreptomicina.

"Vista aérea das obras do Sanatório de Curicica, fotografia com data de 25 de março de 1950." Fonte: Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Disponível em http://basearch.coc.fiocruz.br/.


O local escolhido para a criação do hospital era próximo a outro hospital de isolamento a Colônia Juliano Moreira e estava em terras da antiga Fazenda do Camorim. Assim, antes das obras foi necessário a abertura e asfaltamento de vias de acesso para o material da obra. O hospital foi projetado pelo arquiteto Sérgio Bernades, em projeto de hospital pavilhonar, o que o tornou um exemplo arquitetônico único entre os hospitais de isolamento de Jacarepaguá, na história da assistência pública de saúde no país e na história da tuberculose no Brasil.

Em uma área de 25 mil m², o Conjunto Sanatorial Curicica possuía capacidade para 1.500 leitos, era composto biblioteca, enfermarias, laboratório, centro cirúrgico, maternidade, biblioteca, administração, necrotério, alojamento para médicos e diretor, centro médico, biotério, capela, estação de tratamento de esgoto, subestação de luz e força, entre outros prédios típicos de hospitais de isolamento e que também existiam na Colônia e no Curupaiti. Porém, ao contrário destes dois, não previa a existência de uma comunidade dado ao alto grau de contágio da tuberculose e do plano de erradicação da doença. A imprensa na época noticiava a existência do hospital ligando sua inovação no tratamento e na arquitetura moderna à grandiosidade espacial do hospital.

"Obras do Sanatório Curicica, fotografia de 1950." Fonte: Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Disponível em http://basearch.coc.fiocruz.br/.


A partir da década de 1980, o hospital foi dividido em duas partes. Uma administrada pelo município do Rio de Janeiro, que compunha o hospital, os serviços ambulatoriais e a administração, e outra composta pela Casa do Diretor e alojamentos que passaram a compor um centro de pesquisa, Centro de Referência Hélio Fraga, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Fiocruz. Devido a falta de investimentos públicos em sua infraestrutura, a parte sob responsabilidade do município encontra-se em estado de má conservação e completo abandono, com pavilhões, enfermarias fechadas, inclusive o centro cirúrgico. Parte do terreno original do hospital sofreu com invasões havendo a criação de uma comunidade. Além disso, foi construída uma creche municipal e pavilhões foram demolidos pelo poder público alegando-se perigo de desabamento.
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sexta-feira, 18 de junho de 2021

Pixinguinha e o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, em Jacarepaguá



Renato Dória

 Nas fotos vemos Meira e Dino (violão), Canhoto (cavaquinho), Gilson de Freitas (pandeiro), Pixinguinha (saxofone), Benedicto Lacerda (flauta) e Luiz Gonzaga (sanfona). Em movimento, vemos Luiz Gonzaga ao centro, tocando sua sanfona ao lado de Benedicto Lacerda e sua flauta. A imagem mostra o entusiasmo de Benedicto diante do Rei do Baião, enquanto este ouve atentamente as notas suaves que ecoam da flauta. Ladeando Luiz Gonzaga e Benedicto Lacerda vemos Pixinguinha no sax e Canhoto no cavaquinho (à esquerda), Dino no violão (de costas) e Gilson de Freitas no pandeiro (na retaguarda). Um detalhe curioso da foto é a presença de um cinegrafista registrando o evento. Ele aparece em pé em destaque, numa altura acima dos convidados.

Os músicos posam e tocam em um almoço festivo em comemoração ao aniversário do jurista Eduardo Espínola, realizado em Jacarepaguá em novembro de 1947. O baiano Eduardo Espínola foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1931, onde ocupou os cargos de vice-presidente (1937) e presidente (1940) durante os governos ditatoriais de Getúlio Vargas.

Pixinguinha foi morador e frequentador da região de Jacarepaguá em vários momentos de sua vida. Por volta dos seus onze anos de idade, ainda na infância, começou a tocar em festa e bailes, onde comparecia levando flauta e cavaquinho. Foi em uma reunião musical em Jacarepaguá que o menino prodígio Pixinguinha passou a ser reconhecido como músico. Na ocasião o pequeno gênio negro tocou a polca "língua de preto", de autoria de Honorino Lopes, durante meia hora sem errar, causando espanto na plateia.

 Na festa de aniversário do jurista Eduardo Espínola, em 11 de novembro de 1947, já havia um mês da estreia do programa de rádio "O pessoal da velha guarda", em que Pixinguinha tocava com Benedicto de Lacerda (flauta), Dino (violão de sete cordas), Meira (violão de seis cordas), Canhoto (cavaquinho), Gilson (pandeiro) e Pedro da Conceição (percussão).

Quatro anos antes de morrer, em 1969, Pixinguinha se mudou com sua esposa Betty para uma casa de vila no bairro da Praça Seca, na rua Pedro Teles número 423. Esta foi, provavelmente, a última passagem de Pixinguinha em vida pela região de Jacarepaguá.

Já Luiz Gonzaga contava apenas 35 anos em 1947 e lançara havia pouco tempo mais uma música de sucesso: Asa Branca. Desde 1939 o futuro Rei do Baião já fazia sucesso na cidade do Rio de Janeiro, onde conquistou o primeiro lugar no concurso de calouros do programa de rádio comandado por Ary Barroso.

 Em 1941 gravou um dos seus primeiros sucessos como solista, a música Vira e mexe. Dois anos depois Luiz Gonzaga faz uma apresentação na Rádio Nacional apresentando um figurino que seria a sua marca dali em diante: a roupa de vaqueiro nordestino.


Foto: Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional. 

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segunda-feira, 7 de junho de 2021

O CAMPESINATO NEGRO NAS FAZENDAS DOS BENEDITINOS DA BAIXADA DE JACAREPAGUÁ DO SÉCULO XIX

 


Um fato extremamente relevante a respeito das terras dos frades Beneditinos na Baixada de Jacarepaguá durante a segunda metade do século XIX, que atualmente correspondem aos bairros de Camorim, Vargem Pequena e Vargem Grande, era a existência de inúmeros lotes agricultáveis ocupados em arrendamento por trabalhadores negros libertos e escravizados num regime de "economia autônoma". Analisando documentos da época, o historiador Júlio Dória relata a existência de mais de 300 arrendatários nas terras do Engenho do Camorim e nas fazendas das Vargens.

No mesmo período, a quantidade de escravizados nas terras dos beneditinos em Jacarepaguá também é surpreendente, chegando a ultrapassar 1200. No entanto, o mesmo historiador destaca que as informações nos documentos pesquisados não são muito claras, ficando encoberto a origem étnica dos cativos e se procedência dos mesmos era ilegal, uma vez que o tráfico de escravizados já havia sido proibido há mais de 15 anos. Portanto, tais lacunas levam ao questionamento da possível existência da prática da escravização indígena concomitante à dos negros na região.

A respeito das alforrias praticas no mesmo período pelos beneditinos em suas terras, Júlio Dória informa que foram mais de 80, sendo que destas mais de 15 foram concedidas a mulheres escravizadas que haviam contraído matrimônio. Outros historiadores já registraram que nas terras beneditinas da Baixada Fluminense se verificava a existência das maiores quantidades de negros aquilombados, situação que se confirma em outras proporções na baixada de Jacarepaguá com a existência dos quilombos do Camorim e das Vargens. Além dos aquilombados, temos que considerar os ex-cativos que habitavam as terras dos religiosos e que puderam, por conta própria, comprar sua alforria.

Mas, afinal, o que estas informações significam para aquele período? Em primeiro lugar, devemos lembrar que a sociedade carioca do século XIX permitia por lei a escravização de  negros e isto tinha um peso considerável na organização das hierarquias sociais, determinadas por critérios étnico-raciais. Na prática isto
correspondia a uma posição social vantajosa aos indivíduos brancos em relação à negros, pardos e mestiços, mesmo havendo níveis semelhantes de riqueza ou de pobreza.

Em segundo lugar, considerando essa estrutura social racialmente excludente da sociedade carioca, a situação não era igualmente favorável em relação ao acesso à terra para negros e mestiços. No entanto, os dados acima, em relação às fazendas dos Beneditinos em Jacarepaguá, apontam para a direção contrária e constata a existência de um fenômeno bastante estudado pelos historiadores desde a década de 1970. Porém, igualmente negligenciado nos relatos sobre história de Jacarepaguá: a existência de um campesinato negro.

Sabe-se que era muito comum, no século XIX, os beneditinos concederem lotes de terra a homens negros e mulheres negras escravizados que decidissem se casar. Inclusive, esta prática era estimulada pelos religiosos. Por outro lado, é muito conhecida, também, a prática de fazendeiros do mesmo período, relatarem que a melhor forma de evitar as revoltas de negros escravizados nas fazendas de café era cedendo um lote de terras para que eles mesmos pudessem, a partir do próprio trabalho, obter o seu sustento.

Quanto aos quilombos, devido aos sucessivos embates contra as forças policias do Império, possuíam uma dinâmica de surgimento e deslocamento que foi responsável, em parte, pelo movimento de interiorização do espaço ocupado pela cidade. Os quilombos ocupavam áreas devolutas ou "desabitadas, entre os sítios próximos à área central ou aquelas localizadas nas  freguesias rurais". Mas, preferencialmente, os negros fugidos do cativeiro formavam os quilombos em áreas não aproveitadas pelas fazendas, como os charcos e as encostas de morros com densas coberturas florestais. No entanto, nas terras beneditinas de Iguaçu (Baixada Fluminense) os aquilombados estabeleciam estreita relação com os escravizados da senzala. Em Jacarepaguá, por exemplo, há registros de quilombos formados nas encostas dos morros e florestas desde o século XVII até por volta da década de 1880. O que torna razoável supor que por estas terras também havia um contato estreito entre quilombos e senzalas.

Estes exemplos redimensionam ainda mais a dinâmica de ocupação territorial e as possibilidades de acesso à terra em Jacarepaguá por parte de populações marginalizadas durante o século XIX: trabalhadores negros e trabalhadoras negras livres e pobres, escravizados ou ex-escravizados (libertos e alforriados) e quilombolas. Estes grupos contribuíram para formar um verdadeiro campesinato negro dentro do conjunto da população rural carioca daquele período. E na Baixada de Jacarepaguá não foi diferente, conforme os dados acima, pelo contrário, apontam para números bastante expressivos de negros e negras com acesso à terra.

Vê-se, portanto, que ao longo das décadas finais do século XIX o monopólio da terra pela grande propriedade senhorial e escravista não era, de forma alguma, absoluto na região de Jacarepaguá. Ao contrário, havia mecanismos que garantiam a possibilidade de homens negros e mulheres negras superarem as condições sociais de exclusão que eram colocados no contexto de uma sociedade rural e escravista.



Renato Dória é Professor de História da rede estadual de
ensino e pesquisador do IHBAJA. Estuda História local,
com ênfase em História da Zona Oeste do Rio de Janeiro e
movimentos sociais no campo e na cidade.

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sexta-feira, 2 de abril de 2021

 A História do bairro do Anil

 Por Val Costa, pesquisador do IHBAJA e professor de história e geografia

O Anil é um bairro de classe média situado na Baixada de Jacarepaguá. Possui uma área de 350,04 hectares e, de acordo com o Censo de 2010, tem 24.172 habitantes.

Praça Soldado Mário Koser Filho

O nome do bairro está relacionado ao grande número de anileiras que existiam nessas terras durante o período colonial. A anileira (Indigofera suffruticosa) é uma planta de origem asiática usada para produzir uma tinta azul, muito utilizada pela indústria têxtil, principalmente na confecção de jeans. Essa matéria-prima era transportada pelo rio Anil até a Lagoa do Camorim. Posteriormente, ela era colocada em pequenas embarcações e carregada até o porto do Rio de Janeiro, onde, finalmente, era transferida para navios que a levavam ao continente europeu.  A produção de anil durou até o século XVIII, depois a região foi tomada por plantações de café. A jusante do rio Anil observa-se, atualmente, algumas manilhas lançando esgoto em suas águas e um rápido processo de assoreamento ao longo do seu curso.

Rio Anil

As terras nas quais estão hoje os bairros do Anil, da Gardênia Azul e da Cidade de Deus pertenciam, até meados do século XIX, ao Engenho D’Água.  A casa-sede dessa fazenda ainda existe numa colina, situada no entroncamento da Estrada do Gabinal, Rua Edgard Werneck, Avenida Tenente-Coronel Muniz de Aragão e Avenida Ayrton Senna. A edificação está tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)  desde 1938.

Na época em que era Vice-Presidente de Juscelino Kubitschek, na segunda metade da década de 1950, João Goulart iniciou a construção de uma casa de veraneio em um sítio no Anil, localizado no final da Estrada do Quitite. Ela ficava no Sítio do Capim Melado, onde hoje está um condomínio de classe média alta.

João Goulart

Em abril de 1957, João Goulart começou a trazer vários empregados de sua cidade natal, São Borja, para a propriedade. Um dos mais conhecidos, Dirceu Trilha, foi preso e torturado durante a ditadura, falecendo aos 97 anos, em 2011. Trilha era o responsável por organizar a fila dos moradores de Jacarepaguá que queriam falar diretamente com Jango. No Documentário “Doutor Jango - Lembranças de um velho capataz”, Dirceu conta, através de fotos, muitas delas do sítio, toda a intimidade do ex-presidente.

 

 

 

 




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quarta-feira, 17 de março de 2021

Stella do Patrocínio: marginalizada e poetisa

 Por Janis Cassilia, pesquisadora do IHBAJA

Professora de História e mestre em História das ciências e da Saúde

Stella do Patrocínio nasceu em 1941. Era uma mulher negra e pobre cujo sustento era mantido pelo seu serviço como empregada doméstica. Era solteira, gostava de óculos de sol, caixa de fósforo, cigarro, Coca-Cola, leite condensado e biscoito de chocolate. Era alta e tinha porte de rainha. Não sabemos muito de sua história antes da internação. Em sua ficha as informações diziam apenas que foi abordada pela polícia no bairro de Botafogo, em 1962, quando pretendia tomar um ônibus para a Central do Brasil. Levada pela viatura policial até o pronto de socorro mais próximo, foi encaminhada ao Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de dentro, onde se tornou um “sujeito psiquiatrizado”. Em 1966, foi transferida para o Núcleo Teixeira Brandão, na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, local em que ficou até sua morte em 1992. Junta de Stella viviam outros quase 6 mil internos no complexo de hospitais da Colônia. Encarcerados, esquecidos e marginalizados.

Stella do Patrocínio
 

O perfil de Stella é o mais encontrado nos arquivos de hospitais psiquiátricos durante o século XX: mulheres negras e pobres, muitas analfabetas, que sabiam, talvez, assinar apenas o próprio nome. Consideradas indigentes, passaram longo tempo internadas, sem visitas regulares e com poucas anotações médicas em seus prontuários. Períodos de 10, 20 anos ou mais de internação que se refletem em prontuários vazios, quase em branco, muitos sem fotos, com informações escassas (diagnósticos, evasões, alguns exames ou anotações de tratamento e por fim o motivo da morte). Eram enterradas como indigentes. Esses prontuários expressam a ausência de voz dessas mulheres, silenciadas pelo sistema manicomial.

 A história de Stella teria o mesmo fim que tantas outras mulheres institucionalizadas se não fosse os esforços de técnicos, médicos, familiares e indivíduos contra o modelo manicomial psiquiátrico da época. Junto de outras mulheres participou do “Projeto de Livre Criação Artística” que funcionou na Colônia entre 1986 e 1988, conseguindo através da poesia que sua voz fosse ouvida. O seu falatório (oratória) expressa críticas à vida dentro da Colônia, ao controle de sua vida, corpo e à sociedade. Com a interrupção do projeto em 1989, foi realizado uma exposição com os principais trabalhos no Museu do Paço Imperial, entre eles o de Stella. Junto dela é importante mencionar o nome das outras artistas: Iracema Conceição dos Santos, Maria Hortência Bandeira da Costa, Maria José, Carolina Vieira Machado, Januária Marta de Souza e Simone Faria Maciel.

 O trabalho de registro do falatório de Stella do Patrocínio continuou entre 1990 e 1991 resultando entre outros produtos em um livro de poesias transcritas dos áudios dos falatórios de Stella, intitulado “Versos, reversos, pensamentos e algo mais ...” (1991).

Mais livros e homenagens foram criados e realizados após sua morte. Neste mês de reflexão sobre a luta pelos direitos das mulheres, personagens como Stella do Patrocínio que mantiveram suas vozes, em meio a uma morte social, são importantes para entendermos e refletirmos sobre a nossa sociedade atual. Para além da luta manicomial pelo qual Stella é um dos ícones e destaque, esta mulher, negra, pobre, psiquiatrizada tornou-se uma voz poderosa.

Alguns poemas de Stella do Patrocínio:



Olha quantos estão comigo

olha quantos estão comigo
estão sozinhos
Estão fingindo que estão sozinhos
pra poder estar comigo



Eu era gases puro

eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
eu era ar, espaço vazio, tempo
e gases puro, assim, ó, espaço vazio, ó
eu não tinha formação
não tinha formatura
não tinha onde fazer cabeça
fazer braço, fazer corpo
fazer orelha, fazer nariz
fazer céu da boca, fazer falatório
fazer músculo, fazer dente
eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
fazer cabeça, pensar em alguma coisa
ser útil, inteligente, ser raciocínio
não tinha onde tirar nada disso
eu era espaço vazio puro.

Referências:

CASSILIA. Janis A. P. Doença Mental e Estado Novo: A loucura de um Tempo. Dissertação no PPGHCS,. Rio de Janeiro, 2011.

VENANCIO, A. T. A. ; CASSILIA, J. A doença mental como tema: uma análise dos estudos no Brasil. Espaço Plural, v. 11, n.22, pp. 24-34, 1º. sem. 2010. 

ZACHARIAS, Anna C. V. Stella do Patrocínio ou o retorno de quem sempre esteve aqui. Revista Cult, 2020. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/stella-do-patrocinio-retorno-sempre-esteve-aqui/. Acesso em: 08 mar. 2021.

ZARA, Telma B. de M. "Eu sou um anega, preta e crioula": gênero e identidade na obra de Stela do Patrocínio. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. Disponível: http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1377028465_ARQUIVO_Texto_Completo_Fazendo_Genero_-_Telma_Beiser_de_Melo_Zara.pdf. Acesso em: 06 mar 2021.











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