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sexta-feira, 18 de junho de 2021

Pixinguinha e o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, em Jacarepaguá



Renato Dória

 Nas fotos vemos Meira e Dino (violão), Canhoto (cavaquinho), Gilson de Freitas (pandeiro), Pixinguinha (saxofone), Benedicto Lacerda (flauta) e Luiz Gonzaga (sanfona). Em movimento, vemos Luiz Gonzaga ao centro, tocando sua sanfona ao lado de Benedicto Lacerda e sua flauta. A imagem mostra o entusiasmo de Benedicto diante do Rei do Baião, enquanto este ouve atentamente as notas suaves que ecoam da flauta. Ladeando Luiz Gonzaga e Benedicto Lacerda vemos Pixinguinha no sax e Canhoto no cavaquinho (à esquerda), Dino no violão (de costas) e Gilson de Freitas no pandeiro (na retaguarda). Um detalhe curioso da foto é a presença de um cinegrafista registrando o evento. Ele aparece em pé em destaque, numa altura acima dos convidados.

Os músicos posam e tocam em um almoço festivo em comemoração ao aniversário do jurista Eduardo Espínola, realizado em Jacarepaguá em novembro de 1947. O baiano Eduardo Espínola foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1931, onde ocupou os cargos de vice-presidente (1937) e presidente (1940) durante os governos ditatoriais de Getúlio Vargas.

Pixinguinha foi morador e frequentador da região de Jacarepaguá em vários momentos de sua vida. Por volta dos seus onze anos de idade, ainda na infância, começou a tocar em festa e bailes, onde comparecia levando flauta e cavaquinho. Foi em uma reunião musical em Jacarepaguá que o menino prodígio Pixinguinha passou a ser reconhecido como músico. Na ocasião o pequeno gênio negro tocou a polca "língua de preto", de autoria de Honorino Lopes, durante meia hora sem errar, causando espanto na plateia.

 Na festa de aniversário do jurista Eduardo Espínola, em 11 de novembro de 1947, já havia um mês da estreia do programa de rádio "O pessoal da velha guarda", em que Pixinguinha tocava com Benedicto de Lacerda (flauta), Dino (violão de sete cordas), Meira (violão de seis cordas), Canhoto (cavaquinho), Gilson (pandeiro) e Pedro da Conceição (percussão).

Quatro anos antes de morrer, em 1969, Pixinguinha se mudou com sua esposa Betty para uma casa de vila no bairro da Praça Seca, na rua Pedro Teles número 423. Esta foi, provavelmente, a última passagem de Pixinguinha em vida pela região de Jacarepaguá.

Já Luiz Gonzaga contava apenas 35 anos em 1947 e lançara havia pouco tempo mais uma música de sucesso: Asa Branca. Desde 1939 o futuro Rei do Baião já fazia sucesso na cidade do Rio de Janeiro, onde conquistou o primeiro lugar no concurso de calouros do programa de rádio comandado por Ary Barroso.

 Em 1941 gravou um dos seus primeiros sucessos como solista, a música Vira e mexe. Dois anos depois Luiz Gonzaga faz uma apresentação na Rádio Nacional apresentando um figurino que seria a sua marca dali em diante: a roupa de vaqueiro nordestino.


Foto: Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional. 

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segunda-feira, 7 de junho de 2021

O CAMPESINATO NEGRO NAS FAZENDAS DOS BENEDITINOS DA BAIXADA DE JACAREPAGUÁ DO SÉCULO XIX

 


Um fato extremamente relevante a respeito das terras dos frades Beneditinos na Baixada de Jacarepaguá durante a segunda metade do século XIX, que atualmente correspondem aos bairros de Camorim, Vargem Pequena e Vargem Grande, era a existência de inúmeros lotes agricultáveis ocupados em arrendamento por trabalhadores negros libertos e escravizados num regime de "economia autônoma". Analisando documentos da época, o historiador Júlio Dória relata a existência de mais de 300 arrendatários nas terras do Engenho do Camorim e nas fazendas das Vargens.

No mesmo período, a quantidade de escravizados nas terras dos beneditinos em Jacarepaguá também é surpreendente, chegando a ultrapassar 1200. No entanto, o mesmo historiador destaca que as informações nos documentos pesquisados não são muito claras, ficando encoberto a origem étnica dos cativos e se procedência dos mesmos era ilegal, uma vez que o tráfico de escravizados já havia sido proibido há mais de 15 anos. Portanto, tais lacunas levam ao questionamento da possível existência da prática da escravização indígena concomitante à dos negros na região.

A respeito das alforrias praticas no mesmo período pelos beneditinos em suas terras, Júlio Dória informa que foram mais de 80, sendo que destas mais de 15 foram concedidas a mulheres escravizadas que haviam contraído matrimônio. Outros historiadores já registraram que nas terras beneditinas da Baixada Fluminense se verificava a existência das maiores quantidades de negros aquilombados, situação que se confirma em outras proporções na baixada de Jacarepaguá com a existência dos quilombos do Camorim e das Vargens. Além dos aquilombados, temos que considerar os ex-cativos que habitavam as terras dos religiosos e que puderam, por conta própria, comprar sua alforria.

Mas, afinal, o que estas informações significam para aquele período? Em primeiro lugar, devemos lembrar que a sociedade carioca do século XIX permitia por lei a escravização de  negros e isto tinha um peso considerável na organização das hierarquias sociais, determinadas por critérios étnico-raciais. Na prática isto
correspondia a uma posição social vantajosa aos indivíduos brancos em relação à negros, pardos e mestiços, mesmo havendo níveis semelhantes de riqueza ou de pobreza.

Em segundo lugar, considerando essa estrutura social racialmente excludente da sociedade carioca, a situação não era igualmente favorável em relação ao acesso à terra para negros e mestiços. No entanto, os dados acima, em relação às fazendas dos Beneditinos em Jacarepaguá, apontam para a direção contrária e constata a existência de um fenômeno bastante estudado pelos historiadores desde a década de 1970. Porém, igualmente negligenciado nos relatos sobre história de Jacarepaguá: a existência de um campesinato negro.

Sabe-se que era muito comum, no século XIX, os beneditinos concederem lotes de terra a homens negros e mulheres negras escravizados que decidissem se casar. Inclusive, esta prática era estimulada pelos religiosos. Por outro lado, é muito conhecida, também, a prática de fazendeiros do mesmo período, relatarem que a melhor forma de evitar as revoltas de negros escravizados nas fazendas de café era cedendo um lote de terras para que eles mesmos pudessem, a partir do próprio trabalho, obter o seu sustento.

Quanto aos quilombos, devido aos sucessivos embates contra as forças policias do Império, possuíam uma dinâmica de surgimento e deslocamento que foi responsável, em parte, pelo movimento de interiorização do espaço ocupado pela cidade. Os quilombos ocupavam áreas devolutas ou "desabitadas, entre os sítios próximos à área central ou aquelas localizadas nas  freguesias rurais". Mas, preferencialmente, os negros fugidos do cativeiro formavam os quilombos em áreas não aproveitadas pelas fazendas, como os charcos e as encostas de morros com densas coberturas florestais. No entanto, nas terras beneditinas de Iguaçu (Baixada Fluminense) os aquilombados estabeleciam estreita relação com os escravizados da senzala. Em Jacarepaguá, por exemplo, há registros de quilombos formados nas encostas dos morros e florestas desde o século XVII até por volta da década de 1880. O que torna razoável supor que por estas terras também havia um contato estreito entre quilombos e senzalas.

Estes exemplos redimensionam ainda mais a dinâmica de ocupação territorial e as possibilidades de acesso à terra em Jacarepaguá por parte de populações marginalizadas durante o século XIX: trabalhadores negros e trabalhadoras negras livres e pobres, escravizados ou ex-escravizados (libertos e alforriados) e quilombolas. Estes grupos contribuíram para formar um verdadeiro campesinato negro dentro do conjunto da população rural carioca daquele período. E na Baixada de Jacarepaguá não foi diferente, conforme os dados acima, pelo contrário, apontam para números bastante expressivos de negros e negras com acesso à terra.

Vê-se, portanto, que ao longo das décadas finais do século XIX o monopólio da terra pela grande propriedade senhorial e escravista não era, de forma alguma, absoluto na região de Jacarepaguá. Ao contrário, havia mecanismos que garantiam a possibilidade de homens negros e mulheres negras superarem as condições sociais de exclusão que eram colocados no contexto de uma sociedade rural e escravista.



Renato Dória é Professor de História da rede estadual de
ensino e pesquisador do IHBAJA. Estuda História local,
com ênfase em História da Zona Oeste do Rio de Janeiro e
movimentos sociais no campo e na cidade.

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