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quinta-feira, 19 de setembro de 2019



Por Leonardo Santos, pesquisador do IHBAJA



Nem sempre era a atuação de funcionários “comunistas” o que mais preocupava os agentes do SNI em relação à Colônia Juliano Moreira na época da ditadura empresarial-militar (1964-1985). Às vezes os principais alvos de inquéritos eram funcionários que, em que pese não serem adeptos do “credo de Moscou”, teriam – na visão desses agentes - um tipo de comportamento também “subversivo”, pois corrupto.


O caso envolvendo uma possível “fuga” de três “pacientes” é bem ilustrativo da linha de pensamento dos órgãos de informação da ditadura empresarial-militar.


No dia oito de março de 1974, por volta das 13 horas, Ney dos Santos, Moacir Pereira Soares e Carlos Roberto do Carmo Ribeiro, que se achavam recolhidos nos “quartos de contenção nº 5 e 7 do Pavilhão 10 do Núcleo Ulisses Viana”, teriam se evadido da Colônia Juliano Moreira, logo após "renderem" por meio do uso de perigosas armas os guardas lotados naquele momento.


O relato contido no Livro de Ocorrências dava conta do seguinte:


“Dos Guardas de serviço ao encarceramento do Pavilhão.

Levo ao seu conhecimento que às 13,00 horas, o Guarda Wilson foi solicitado para trazer o paciente Carlos Roberto do Carmo Ribeiro, porque se achava no quarto forte nº 7 para ser medicado, pois o mesmo achava-se em forte crise de agitação. Ao abrir a porta que dá acesso aos quartos fortes, foi surpreendido pelos pacientes Ney dos Santos, Moacir Pereira Soares e Carlos R. do Carmo Ribeiro, que armados de estoque obrigaram o Guarda a recuar, dando passagem para o corredor de onde subindo pela parede alcançaram o telhado, e pularam para fora do Pavilhão.”


A fuga deu-se por motivo dos pacientes Ney e Moacir, que se achavam no mesmo quarto forte, terem arrombado a porta e soltado o paciente Carlos R. do Carmo Ribeiro que se achava no quarto 7.”


Essa era ao menos a história contada por Wilson Barroso e Erano Custódio de Lima, os referidos guardas do “Quadro de funcionários do Ministério da Saúde”, lotados naquele momento, “numa escala de serviço de 24x72”. Mas a narrativa de Wilson e Erano não convenceu o oficial (Thorvald Dalsgaard) encarregado do inquérito instaurado para apurar a “fuga”. De cara, Thorvald afirmaria, logo depois de ouvir os dois guardas, que estes cuidaram apenas de “estoriar, com justificativas que lhes pareceram apropriadas, e que para nós, foram de um primarismo impar, face ao fato, o drama de ameaça que disseram ter sofrido por ocasião da fuga”.


Thorvald passava a elencar os “fatos” narrados por cada um dos guardas que, a seu ver, eram os mais estranhos:

“Impressionante foi a declarada rapidez desenvolvida pelos três fugitivos, que pela exposição feita pelos Guardas [...], ao afirmarem, que em fila, cada um dos pacientes evadidos, trepando na parede pelos buracos de ventilação, atingiram o telhado, após a retirada de quatro telhas, por onde evadiram-se, levando o cadeado e a chave do quarto 7”.


Além disso, o oficial se mostrou abismado com a declaração sobre a periculosidade das armas empunhadas pelos fugitivos: “eram três pequeninas pedras de concreto armado, que pelo seus tamanhos poderiam servir na prática de um jogo infantil conhecido por “NENTE”, e dois pedaços de ferro laminados, sem pontas, enrolados, medindo cada um cerca de trinta centímetros de comprimento por um e meio centimentro de largura”.


Outro fato estranhado pelo oficial foi a declaração de dois dos fugitivos, que disseram possuir as chaves do quarto de “contenção nº 7”, cuja por “porta foi por eles aberta, para dar fuga ao seu companheiro Carlos Roberto”.


Thorvald Dalsgaard especula até mesmo qual deveria ter sido a abordagem dos guardas:

“Incrédulo na violência que dizem ter sido empregada no momento da fuga, sou de opinião que o último dos evadidos poderia ser agarrado pelas pernas e, facilmente dominado pelos Guardas. Entretanto, nada disso aconteceu, pois além da passividade do Guarda Wilson Barroso, ainda uma outra razão nos causou espécie, foi a atitude do Guarda Erano Custodio de Lima que, estando há poucos metros do seu companheiro, a tudo assistindo, deixou de prestar-lhe o necessário auxílio.”


No decorrer do inquérito fica-se sabendo que um PM de “serviço no Portão” ainda teria dado quatro tiros "para o alto" de modo a intimidar os três pacientes, mas sem nenhum efeito. 


Mas o que teria ocorrido com os três pacientes? Qual o destino deles após a fuga? Somos informados que um motorista de nome Sebastião Inácio Rodrigues, da empresa de transporte Jan-Taxi, teria levado Carlos Roberto às 21:50 para a residência de Erano, o mesmo guarda “rendido” horas antes pelo mesmo. Sebastião teria apanhado Carlos em Senador Camará, indo com ele para a Praia Vermelha, Sepetiba e Campinho, sempre com o objetivo de parar numa “roda de macumba”. Ao chegar a residência de Erano, Carlos teria pedido para aquele “pagar a corrida”, de 207,20 cruzeiros. Erano prontamente o encaminhou à Colônia Juliano Moreira e pediu que o motorista cobrasse a conta ao diretor da instituição.


Moacir teria voltado à Colônia por volta das duas da madrugada do dia 10 de março, “voluntariamente”, por “não ter para onde ir””.


Dias depois, em 12 de março, o diretor da Colônia cel. Juarez Costa de Albuquerque se manifesta, e de maneira contundente contra os guardas Wilson e Erano:

“Acredito não ter sido em vão, às suspeitas que me causaram os Guardas Wilson Barroso e Erano Custodio de Lima, pela narrativa da tão espetacular fuga dos pacientes em questão. Não só pela apresentação do perigoso material empunhado, pela notória passividade dos responsáveis pela Guarda, pela rapidez apontada, pela hora ocorrida, como também a cantilena dos autores.”


E como se não bastasse todas essas suspeitas, o coronel faz questão de enfatizar a sua revolta com o fato do guarda Erano ter orientado o motorista do taxi a cobrar dele, coronel, a conta da corrida de Carlos Roberto. 


O motorista Sebastião ainda teria declarado que no momento em que discutia a forma de pagamento com Erano, este teria declarado:

“ESTÁ TUDO CERTO, O CORONEL JÁ TEM CONHECIMENTO DE TUDO, DIRIJAM-SE À COLÔNIA QUE O PAGAMENTO SERÁ EFETUADO.”


Logicamente que o fato do cel. Juarez citar essa declaração em caixa alta no seu relatório só mostra a sua indignação com a fala de Erano.


O inquérito termina sem chegar a qualquer conclusão. Ficamos sem saber qual a punição teria sido aplicada aos guardas, se é que houve. Carlos Roberto foi “medicado” assim que entregue pelo taxista e ficou deste então no quarto forte do Pavilhão 11.


Segundo o “depoimento” de Carlos tomado pelo próprio diretor da Colônia:

“a fuga já fazia parte de um plano organizado fora e dentro do Pavilhão. Esquivando-se, todavia, em fornecer nomes ou responsáveis, entretanto, seu objetivo seria o de desmoralizar a Administração. Que, ainda recolhidos no quarto de contenção, num acordo comum, após a evasão, seus objetivos seriam de princípio o ataque da cantina explorada por um outro paciente de nome Adão, cujo produto do furto seria repartido entre eles, ainda no interior da Colônia, no local conhecido por ‘Esqueleto’. Por razões desconhecidas, não se realizou o assalto desejado.”


Quais as providências do diretor sobre a inusitada denúncia de Carlos, a respeito da cantina explorada por Adão? Não sabemos quais foram. Se é que tenham sido tomadas algum dia.


E Ney seguia sem paradeiro. Não há menção a ele nem nas falas dos outros dois “fugitivos”.


O caso que aparentemente seria prosaico, envolvendo uma simples fuga, acabou revelando situações intrigantes: pacientes que exploravam uma cantina, um paciente sem paradeiro, suposta cumplicidade de agentes de segurança...


Mas, como de costume, como ocorre com vários inquéritos no país até hoje, a investigação nada apura, nada resolve. E isso se veria em várias outras situações na própria Colônia. Situações muito mais graves, envolvendo até homicídios. Esse padrão inconclusivo dos órgãos investigativos é mais emblemático ainda. Nossa cidadania (esta sempre inconclusa também) que o diga.

Fonte: Relatórios do SNI sobre a Colônia Juliano Moreira. Acervo do ARQUIVO NACIONAL. Consulta completa do documento AQUI.

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quarta-feira, 11 de setembro de 2019

História da Colônia Juliano Moreira



Por Janis Cassilia (pesquisadora do IHBAJA)
Nos primeiros anos do século XX, a nova república brasileira lutava pela criação de um Brasil Moderno. No Rio de Janeiro foi a época das “Reformas de Pereira Passos” que embelezou a cidade, mas criou um abismo entre os mais ricos e mais pobres. Foi a época da Revolta da Chibata, da Revolta da Vacina e tantos outros movimentos que contestavam a desigualdade e exclusão social. 
Avenida Central (atual Rio Branco) em 1920



Na área da saúde, o novo governo queria dar uma solução à questão das doenças mentais, considerando o antigo Hospício da Praia Vermelha, inadequado e “depósito humano”. Começaram a surgir discursos pela criação de um hospital afastado do Centro em que os pacientes recebessem as terapias médicas necessárias. Jacarepaguá foi o lugar escolhido.


Em 1924, foi inaugurada nas terras do Antigo Engenho Novo, o novo hospital para tratamento de pacientes psiquiátricos masculinos. Criado com apenas um núcleo de Pavilhões, a “Colônia Psicopatas-Homens” possuía o que a medicina via como de mais moderno nos tratamentos das psicopatias. 


Havia oficinas de Praxiterapia, isto é, oficinas de colchões, hortaliças e oficinas mecânicas, que ajudaria no tratamento dos doentes e na manutenção do hospital. E o Tratamento Hetero-Familiar, onde o paciente considerado apto era acolhido por alguma família de servidores para sua a reinserção social. Para tanto, ao longo das décadas o governo federal realizou a doação de terrenos para a criação de uma vila de moradores. 

           Ao longo dos anos, a Colônia de Jacarepaguá, sofreu diversas melhorias, ampliações de sua estrutura e formas de atendimento. Passou a possuir 4 núcleos de pavilhões, a atender pacientes mulheres, crianças, tuberculosos e os considerados perigosos. A Vila de Moradores aumentou, recebeu escola, oficinas, cinema e rádio. Foi construído o Bloco Médico Álvaro Ramos, onde eram realizadas as psicocirurgias, como a Lobotomia e tratamentos como o Choque Elétrico e a Convulsoterapia por Cardiazol. 



           Até 1954, a Colônia, que já era nomeada Colônia Juliano Moreira, era considerada modelo de Hospital-Colônia pelo Serviço Nacional de Doenças Mentais, órgão do Governo Federal responsável pela execução das políticas públicas na área da Doença Mental. A colônia era a “garota propaganda” do Governo Populista de Getúlio Vargas, recebendo visita de autoridades políticas em diversas ocasiões.




Com a Ditadura Civil-Militar, a situação da Colônia mudou. Ela passou a sofrer com a superlotação, o choque elétrico passou a ser administrado como forma de punição, o número de servidores, cuidadores, médicos e enfermeiros era insuficiente para atender a população de internos. Faltava verba, médicos, comida e roupas. Em contrapartida, a antiga vila de moradores cresceu criando um verdadeiro bairro dentro de Jacarepaguá. A Colônia era um bairro com uma vida própria ao mesmo tempo que havia se tornado o novo “depósito humano” de doentes. 
Bispo do Rosário, artista internado na Colônia.

Nesse cenário, a reforma psiquiátrica ganhou força dentro da instituição. A luta dos servidores por melhorias e pela reformulação das políticas de saúde mental renderam frutos apesar da repressão durante a ditadura. A reforma possibilitou o fim da internação compulsória e a criação do Hospital Dia. Com o tempo, as antigas instalações que ainda funcionavam foram desativadas e em 1996 o hospital foi municipalizado, passando a se chamar Instituto Municipal de Atendimento à Saúde Mental Juliano Moreira (IMASJM).



Centro Histórico da Colônia Juliano Moreira em abandono

Portão principal do IMASJM
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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Mais um boletim do Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá (IHBAJA). Clique AQUI.


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