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domingo, 30 de julho de 2023

A História da ocupação de Gardênia Azul: anos 1950



Por Leonardo Soares dos Santos

Professor de História e membro do IHBAJA


O território da Gardênia Azul faz parte do que já foi um dia o Engenho D’Água de Jacarepaguá. Ele pertenceu a diferentes donos ao longo de mais ou menos três séculos - todos eles pertencentes à família Correia de Sá. No século XIX, o então proprietário das terras, o sexto Visconde de Asseca José Maria Correia de Sá, que passava por sérios problemas financeiros, decidiu vender a propriedade ao Comendador Francisco Pinto da Fonseca (pai do Barão da Taquara).


Em meados dos anos 1950, ele constava como sendo de propriedade de José Padilha Coimbra, empresário rico e com bens espalhados por toda a cidade.




https://www.guiajpa.com.br/gardenia-azul/


Em 1953, ele resolve lotear sua fazenda, criando o Parque Gardênia Azul (planta que cultivava à larga em sua propriedade). Tão logo foi aprovado, o projeto do loteamento Gardênia Azul começou a ser anunciado nas páginas dos jornais em 1954.


Tão logo foi aprovado, o projeto do loteamento Gardênia Azul começou a ser anunciado nas páginas dos jornais em 1954. 



Anúncio de venda de lotes no Parque Gardênia Azul na Gazeta de Notícias, 4/12/1954, p. 5.



Carolina Zuccarelli Soares apresenta um importante aspecto da história de ocupação do território em sua dissertação sobre “as diferentes estratégias de  escolarização utilizadas por famílias de segmentos populares na Gardênia Azul”, lembrando que nos primeiros anos, “o pedreiro Severo Silveira Maciel construiu grande parte das casas na região tornando-se, posteriormente, líder comunitário” (p. 53) 


Num verbete sobre o bairro que corre por diversos sites na internet é comum encontrarmos a versão de que a implantação do seu “núcleo” - ou seja, a concretização do loteamento - teria se dado nos anos 60. Mas a história não foi bem essa. A ocupação do território já havia sido iniciada poucos anos depois da aprovação do projeto nos anos 50. Mas, é certo que tudo era muito difícil nos primeiros anos de consolidação do bairro. Sintomática era a forma como o bairro de Gardênia Azul era retratado nas poucas vezes que estampavam alguma nota nas páginas da imprensa carioca. O território aparecia muito associado a um local perigoso, violento, vicioso e refúgio de criminosos.


Em oito de agosto de 1955, o Diário da Noite estampava na página 10 a notícia de um sério conflito entre vizinhos no “Parque Gardênia Azul”, ocasionando um “ferimento penetrante no occipto-frontal” de Carlos Chagas Alvaro, na época com 25 anos. Segundo a reportagem, Carlos morava na “quadra 13, lote 10”. A contenda com os seus vizinhos Antonio Ribeiro de Oliveira e Domingos Lopes de Oliveira, teria sido motivada por “uns centímetros de terra”. Assim, no “auge da discussão, os dois, empunhando foice e enxada, respectivamente, o agrediram, após o que Antonio conseguiu fugir, sendo o outro detido pela guarnição da Patrulha 5”.


Ainda no final da década de 50 pululavam pelo noticiário carioca dando conta da ocorrência desses fatos. Em cinco abril de 1958, o Última Hora noticiava a morte a foiçadas de “Cachaça”, apelido do operário Jocelino Gomes de Sousa. Eis o que relatava a reportagem “Abatido a Foice no Parque Gardênia Azul”:


Seriam pouco mais de zero hora de sexta-feira quando o operário Rubem Silva (Rua “D”, sem número, Parque Gardênia Azul) ouviu forte discussão entre duas vozes masculinas e a seguir um baque surdo de algo caído. Mas como fôsse tarde e o lugar abandonado de policiais, foi dormir. Pouco depois era acordado pelo Comissário Nogueira Guedes, do 26º Distrito, que investigava o assassinato de Jocelino Gomes de Sousa, vulgo “Cachaça”, operário, casado, morador à Estrada da Água, 45. Segundo ficou apurado a vítima havia sido assassinada possivelmente a golpes de foice, pois apresentava dois profundos ferimentos na cabeça e pescoço. Ninguém que pudesse dar informações pelas redondezas, afora a testemunha já citada. O corpo fóra achado pelo motorista de praça Maurício Cesar de Andrade (Conselheiro Rubens de Melo, 581, Jacarepaguá), quando voltava da residência de um freguês. Foi pedido o auxílio da perícia e da Polícia Técnica, tendo comparecido por esta última, o Detetive Nielsen Kauffman. O autor do homicídio é inteiramente desconhecido (p. 8)



Mas para o que nos interessa aqui, muito mais importante do que analisar a associação que a imprensa faz da região como um espaço perigoso, é observar que muitas das pessoas citadas nas reportagens já moravam na região. A briga envolvendo Antonio Ribeiro e seus vizinhos em 1955, o assassinato de Jocelino em 1958, as testemunhas arroladas - todos eles moravam em Gardenia Azul, num determinado lote, inserido numa quadra e rua. O loteamento já estava sendo ocupado desde então. Porém, era uma ocupação precária em seu conjunto. As condições de vida na região eram difíceis.


Diante de tantos problemas observados, um fato novo começa a ganhar corpo na cobertura jornalística sobre o bairro. Desde o início dos anos 60, vários jornais passam a noticiar declarações de personalidades políticas em favor de melhorias no Gardênia Azul. Em maio de 1960, por exemplo, o então deputado federal pelo PSB Breno da Silveira teria ido “cobrar do Governador as promessas feitas ao povo carioca”, entre os pedidos constava a demanda por “água e luz para o bairro Gardênia Azul, hoje transformado pelo abandono, num antro de viciados em maconha e outros vícios”, complementava o Última Hora (30/5/1960, p. 2).


Após os primeiros anos de consolidação, a luta pela melhoria das condições de moradia seria o grande desafio dos anos 1960. E o crescente interesse de lideranças políticas sobre o assunto foi um importante sinal. 


Trataremos disso no próximo artigo.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


“Gardênia Azul”. Disponível em: https://www.guiajpa.com.br/gardenia-azul/. Acessado em: 28/07/2023.


SOARES, Carolina Zuccarelli. Segregação urbana, geografia de oportunidades e desigualdades educacionais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2009.


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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023


Organizações camponesas em Jacarepaguá:

o caso da Caixa Auxiliadora dos anos 1920


Por Leonardo Soares dos Santos

Professor de História e membro do IHBAJA



Não foram poucas as organizações camponesas que brotaram na Baixada de Jacarepaguá entre os anos de 1940 e 1960. Associações de Lavradores, Associações Rurais, e até mesmo Ligas Camponesas deram as caras na região, reunindo as demandas e aspirações de posseiros e pequenos lavradores. Por meio delas tais agentes buscaram fazer frente às tentativas de despejos encetadas por grandes companhias imobiliárias, bancos e pretensos proprietários individuais. Esse processo atingiu seu clímax na virada da década de 50 para 60. Imensos loteamentos varreram a região, destruindo terras antes voltadas para a produção agrícola.

 

Mesmo antes, em meados da década de 20, alguns lavradores buscaram constituir entidades para a defesa de seus interesses. Foi o caso das caixas beneficentes. Magalhães Corrêa, naturalista que se dedicou a desbravar a região do Sertão Carioca (a zona rural do município do Rio de Janeiro) menciona a existência de uma certa Caixa Auxiliadora Beneficente dos Lavradores de Jacarepaguá e Guaratiba (CORRÊA, 1936. p. 186). 


Como contava o naturalista, tal associação teria sido criada por Maurício de Lacerda, vereador carioca, e notória liderança anarquista da cidade. A Caixa tinha como principal finalidade contribuir com os lavradores na sua disputa contra grandes proprietários da região. Os lavradores estavam sendo ameaçados de despejo. Aqui se revelava uma questão que atuaria grandemente na mobilização dos pequenos lavradores da região pelas décadas seguintes: a questão fundiária seria mais premente do que as questões estritamente econômicas.


Podemos encontrar vários registros de suas atividades na imprensa carioca de esquerda. O Trabalho e Capital (“Actividade Proletaria”, 18/02/1928, p. 1) dava conta de uma assembleia ocorrida em fevereiro de 1928. Entre os assuntos tratados constava a prestação de contas da entidade pela tesouraria, “que acusou saldo recolhido no Banco Ultramarino”. Na “ordem do dia” figurava a eleição da “nova Directoria e inauguração do retrato do Sr. Mauricio de Lacerda em sua sede social”. 


Após a eleição da nova diretoria, Manoel Carvalhaes (reeleito presidente da Caixa), Maurício de Lacerda e J. Cruz discursaram. O primeiro rendeu elogios ao segundo, patrono da entidade, afirmando que enquanto a Caixa Auxiliadora “tiver os abnegados sócios que tem e o patrono que a assiste, poderá prestar grandes serviços aos proletários do campo”. 


Já Lacerda lembrou que se “hontem a luta era contra um banco, que disputava a terra aos lavradores, hoje deve se secundar na resistencia ao fisco, que arranca dessa terra, assim conquistada, o producto do trabalho camponez”. E também concitava os “lavradores a formar associações de classe para essa luta contra os tributos, defendendo-se de quem lhe suga o suor”.  


J. Cruz em sua fala procurou mostrar “o valor da solidariedade, dizendo que a Caixa que deu as terras a todos dará agora as garantias a cada um dos seus direitos”.


E finalizava o jornal: “Terminando esse discurso, que foi longo, expressivo, arrancando aplausos nas passagens principalmente em que pedia a união o espírito de organização, encerrou-se a sessão, às 15 horas e 45 minutos”.



Referência bibliográfica:


Corrêa, Armando Magalhães. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936. (Originalmente escrito durante durante o ano de 1933).




A CAIXA AUXILIADORA DE JACAREPAGUÁ E GUARATIBA NOS JORNAIS





MAURICIO LACERDA


Crítica, 01/02/1928, p. 3
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