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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O Recreio antes do Recreio: vestígios da presença indígena e o morro do Rangel

Por Renato de Souza Dória

É comum a afirmação de que antes do século XX a região onde está situado o bairro do Recreio dos Bandeirantes teria permanecido isolada por muitos anos. E a ocupação humana digna de nota teria começado apenas com as ações de empresas e investidores do ramo imobiliário. Estes são descritos como verdadeiros desbravadores de uma natureza intocada, cuja maior façanha foi a gradativa mercantilização da terra e formação de um mercado imobiliário neste recanto da terra carioca. Desta forma, nomes como J. Weslley Fynch, Banco de Crédito Móvel, Raul Goulart, Pasquale Mauro, Holofernes de Castro e Sérgio Castro acabaram sendo consolidados nas narrativas sobre a história do bairro.


Ponto em comum nas diferentes versões sobre a origem do nome do bairro Recreio dos Bandeirantes é a menção à presença de paulistas nas praias do Pontal de Sernambetiba nas primeiras décadas do século XX, seja fazendo excursões, seja alugando ou adquirindo casas de veraneio. Daí viria o nome Recreio dos Bandeirantes. Desta forma, sobre a ocupação humana na região, a situação não é diferente: ponto em comum é a menção à supostos proprietários e a uma série de transações imobiliárias.


Joseph Weslley Fynch adquiriu na década de 1920 uma gleba do desmembramento de uma antiga fazenda no Pontal de Sernambetiba, antes pertencente ao Banco de Crédito Móvel. Este, por sua vez, teria adquirido terras da mesma fazenda junto ao professor Raul Goulart. Ao que tudo indica, o imbróglio decorrente de nebulosas transações imobiliárias não ficou restrito apenas à Barra da Tijuca, estendeu-se até o Recreio dos Bandeirantes.

Gleba A, década de 1960.

Se a história recente (cerca de 100 anos) e nome do bairro do Recreio dos Bandeirantes está na produção e comercialização imobiliárias de meados do século XX na cidade do Rio de Janeiro, os nomes de localidades do bairro e proximidades fazem referência a um passado para além dos limites do século XX, da mercantilização desenfreada da terra e dos projetos de urbanização: Itapuã, Itaúna, Itapeba, Sernambetiba, Currupira, Caetés e Piábas são testemunhos da importância da presença dos povos originários na ocupação humana da região ao longo do tempo.


A expressividade do vocabulário do tronco linguístico tupi indica que mesmo tendo sofrido derrotas e perdido territórios desde o século XVI para os invasores portugueses, as populações originárias continuaram capazes de influenciar na formação da cultura da sociedade colonial da zona oeste carioca. Segundo relatos de moradores antigos, o bairro no passado teria o nome de Currupira ou Corrupira, influência forte da cultura indígena local que a colonização portuguesa não conseguiu apagar.


Já o morro do Rangel faz referência a Julião Rangel de Macedo, militar português que lutou durante o século XVI nas guerras de invasão e conquista dos territórios Tamoios situados na atual cidade do Rio de Janeiro. Junto de Jerônimo Fernandes, Julião Rangel foi um dos primeiros sesmeiros de toda a Baixada de Jacarepaguá, região onde no século XVI estava situada as famosas Aldeias de Guaraguassumirim e Takuarussutyba.


Por outro lado, a área do morro possui várias grutas e abrigos sobre as rochas, onde foram realizadas pesquisas arqueológicas desde a década de 1960. Lá foram encontrados vestígios das culturas Tamoio e dos povos construtores de sambaquis em grutas descobertas na década de 1970. Em 1975 a área do morro do Rangel foi declarada bem tombado do Estado da Guanabara, antiga denominação da cidade do Rio de Janeiro durante a ditadura civil-militar.

Gleba C, década de 1960.

O tombamento do morro do Rangel fez parte de um conjunto de ações de preservação inaugurados pelo antigo Estado da Guanabara, cuja proposta foi proteger determinados sítios naturais para a valorização das condições históricas, paisagísticas e ambientais da região, evitando a transformação completa da paisagem pela urbanização e avanço das construções imobiliárias.


A origem do nome do bairro do Recreio dos Bandeirantes está na mercantilização da terra e na produção imobiliária e consolidou-se em meados do século XX na cidade do Rio de Janeiro. Como alternativa mais barata em relação aos imóveis dos bairros da zona sul, os dois balneários da Baixada de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, destacaram-se no mercado imobiliário urbano carioca por sua "beleza incomparável" e "excelência de seu plano urbanístico".


Agentes capitalistas e órgãos do estado atuaram na formação do mercado imobiliário e na elaboração e execução de projetos de urbanização, como o do urbanista José Otacílio Saboya Ribeiro de 1953, inspirado no modelo anglo-americano de Cidade Jardim. As vidas iniciais foram realizadas pela Recreio do Bandeirantes Imobiliária S.A. e no final da década de 1950 é assumido por Sérgio Castro, apoiado pelo senador e banqueiro Georgino Avellino, presidente do Banco do Distrito Federal.

Jornal Última Hora, 11/02/1955.

Os anúncios de vendas de lotes nas glebas A e B, do Plano Urbanístico e a execução das obras de urbanização a cargo da Recreio dos Bandeirantes Imobiliária S.A. eram comuns nos jornais cariocas mais populares durante a década de 1950, como neste Última Hora do ano de 1955. O projeto de abertura de loteamento foi registrado junto à Prefeitura do Distrito Federal no início do ano de 1954 e as vendas dos lotes da Gleba B, primeiros a serem comercializados, foram surpreendentes ao ponto de permitir a antecipação da conclusão das obras.


O plano urbanístico da Gleba B apresenta os lotes rodeando a Lagoinha das Taxas, a Pedra do Pontal tem destaque e dela partem as vias principais: as avenidas Gilka Machado (atual), Litorânea (atual Lúcio Costa) e a estrada Benvindo de Novaes (atual). Outras iniciativas de urbanização realizadas no Recreio já em 1955 foram resultados da pressão política da companhia imobiliária Recreio dos Bandeirantes S.A. para que o Departamento de Estradas e Rodagens do Distrito Federal asfaltasse as principais ruas das Glebas A e B, como a avenida Litorânea que ligava a Barra da Tijuca ao Recreio.

Jornal Última Hora, 28/04/1955.

Em 1955 as vendas dos lotes da Gleba A iniciaram após a venda dos lotes da Gleba B em menos de 190 dias. Neste anúncio publicado no jornal Última Hora vemos o plano de urbanização com o traçado das atuais avenidas principais: Gláucio Gil, Lúcio Costa (Litorânea), Genaro de Carvalho, Pedro Moura, Alfredo Balthazar da Silveira e Guignard. A atual rua Professor Hermes Lima é o traçado que acompanha o Canal das Taxas, que parte a oeste da lagoa de Marapendi. O apelo paisagístico dos terrenos são a Lagoa de Marapendi e a praia.


O anúncio mostra os dados de registro do loteamento junto à Prefeitura do Distrito Federal e no Registro Geral de Imóveis e a informação de que a empresa Recreio dos Bandeirantes S. A. detém o recorde mundial de vendas de terrenos. Diferentes garantias para evitar a desvalorização do investimento são oferecidas, assim como uma condução para levar os interessados até o local.


Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira, Biblioteca Nacional.


Fotos: https://rioquepassou.com.br/
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sábado, 22 de janeiro de 2022

Histórias sucintas das igrejas tombadas de Jacarepaguá

 

Igreja de Nossa Senhora da Penna

A Igreja de Nossa Senhora da Penna fica no topo da Pedra do Galo, um penhasco de 160 metros localizado no bairro da Freguesia Ela foi fundada pelo padre Manuel de Araújo, no ano de 1664. A sua fundação envolve duas curiosidades. A primeira está baseada em uma história oral da região.  Um escravo que perdeu uma vaca ao retornar com o rebanho, com medo de ser açoitado, invocou a mãe de Jesus para que o ajudasse a localizar o animal. Inexplicavelmente um raio de luz projetou-se do cume da Pedra do Galo indicando onde estava a vaca. O seu dono, após observar o acontecimento, o alforriou e mandou construir uma pequena capela no topo do penhasco, em 1661. Três anos depois o padre Manuel erigiu no mesmo local uma outra ermida. Apenas em 1750 foi edificada a atual igreja de N.S. da Penna. O outro fato curioso é que originalmente essa igreja chamava-se N.S. da Penha, poispenha” é sinônimo de rochedo, penedo e penhasco. O Padre Manuel de Araujo trouxe consigo uma imagem da santa católica em sua viagem para a América Portuguesa. A igreja está tombada pelo IHPAN desde 1938.


 


Igreja de São Gonçalo de Amarante

Em 1594, Gonçalo Correia de Sá funda o Engenho do Camorim, transformando parte da planície costeira de Jacarepaguá em um imenso canavial. Gonçalo doou o Engenho do Camorim para o genro, o espanhol Luis de Céspedes y Xeria, como dote de casamento dele com a sua filha Vitória de Sá. O casal foi viver em Assunção, deixando Gonçalo como administrador das terras até a sua morte, em 1633. Após o falecimento do pai, D. Vitória retornou ao Rio de Janeiro e passou a tocar o engenho até 1667, ano em que morreu. Sem ter herdeiros, D. Vitória deixou o engenho para o Mosteiro de São Bento. Os beneditinos dividiram as terras em três propriedades: Fazenda do Camorim, Fazendo da Vargem Grande e Fazenda da Vargem Pequena. Além do açúcar, os monges, que administraram essas terras por quase 200 anos, também produziram mandioca, milho, feijão e aguardente. Nesse bairro existe um dos raros exemplares da arquitetura religiosa maneirista no Rio de Janeiro: a Igreja de São Gonçalo de Amarante. Ela foi construída em 1625 por Gonçalo Correia de Sá. Esse templo possui apenas uma porta de entrada, bastante rústica, dois sinos de bronze e fachada com as cores azul e branca. Possui também pequenas aberturas em suas espessas paredes, chamadas flecheiras, que tinham o objetivo de evitar possíveis ataques dos povos indígenas. Foi tombado pelo INEPAC, em 2 de dezembro de 1965.



Igreja de Nossa Senhora dos Remédios

As terras que hoje pertencem ao atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, anteriormente chamado de Colônia Juliano Moreira, faziam parte do Engenho de Nossa Senhora dos Remédios. Essa propriedade pertenceu ao Engenho do Camorim até 1653, quando foi desmembrada e vendida por Dona Vitória de Sá para os irmãos João e Tome Silva. Em 1664, por ordem dos irmãos Silva, foi construída uma pequena capela no engenho. No mesmo local, em 19 de outubro de 1862, foi inaugurada a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Com projeto do alemão Theodoro Marx (arquiteto oficial do Império), a cerimônia de inauguração teve a presença do Imperador D. Pedro II. O templo é apontado como um dos poucos exemplares, no Rio de Janeiro, da fase neoclássica da arquitetura brasileira.  A igreja está protegida pelo Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac) desde 1972.



 

Igreja de Nossa Senhora do Loreto

Em 6 de março de 1661, com o desenvolvimento da região de Jacarepaguá, foi criada a Freguesia de Nossa Senhora do Loreto e Santo Antônio de Jacarepaguá, pelo então governador João Correa de Sá. Esta freguesia foi formada a partir do desmembramento da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, sendo a quarta a ser instituída na cidade do Rio de Janeiro.  A sede inicial da Freguesia de Jacarepaguá foi a capela da Fazenda do Capitão Rodrigo da Veiga.

 A Igreja de Nossa Senhora do Loreto, Matriz da Freguesia de Jacarepaguá, foi edificada, originalmente, pelo padre Manoel de Araújo, em 1664. Tempos depois, o antigo templo acabou em ruínas e, através da mobilização dos fiéis, foi erguida uma nova Igreja, em 1747, toda em estilo barroco. Em princípios do século XX, foram construídos dois altares laterais e colocado o piso de azulejos hidráulicos. Em 1960, o altar-mor foi restaurado e as talhas foram pintadas de branco e dourado.

Por sediar a Matriz da Freguesia de Jacarepaguá, a região do entorno da igreja passou a ser chamada de “Freguesia”, constituindo atualmente um dos principais bairros da Região Administrativa de Jacarepaguá.

Desde 1921 os padres barnabitas assumiram a direção da igreja. Nossa Senhora de Loreto é considerada, pelos católicos, a Padroeira dos Aeronautas. Em 1970, o Cardeal D. Jaime de Barros Câmara concede a esta igreja o título de Santuário Nacional dos Aeronautas. Em 14 de agosto de 2001, o templo recebeu o tombamento provisório do INEPAC.



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