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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Zumbi e a resistência quilombola



A expressão “Ki-lombo”, que no tronco linguístico banto significa “acampamento”, era usada para designar associações de homens, abertas a todos os grupos étnicos, sem distinção de filiação. No século XVI, a capital do reino africano de Matamba, a cidade de Santa Maria de Matamba, era conhecida como “Quilombo”. Essa denominação também foi usada para representar um ritual de iniciação dos jagas, uma sociedade militar que habitava o nordeste de Angola.

Na América Portuguesa, os quilombos ou mocambos (como foram conhecidos inicialmente) constituíam núcleos comerciais e habitacionais formando verdadeiras sociedades plurirraciais.

 A imagem de isolamento que marcou essas comunidades vem sendo revista atualmente por muitos pesquisadores. Já se sabe que o excedente dos produtos fabricados nelas – como farinha de mandioca, mel e carne – era comercializado em mercados locais. Percebe-se assim, que não eram comunidades isoladas em termos econômicos e sociais, como durante muito tempo foi divulgado pela historiografia clássica.

 No Brasil, os habitantes das comunidades de escravos fugitivos eram chamados de quilombolas. O principal foco de resistência à escravidão do nosso país ocorreu no atual estado de Alagoas. A Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, serviu de abrigo para vários quilombos que receberam o nome de Palmares. Escondidos por uma floresta fechada, esse agrupamento reunia negros e negras em fuga, mas também indígenas, cafuzos, mazombos e brancos que desejavam uma vida longe do sistema escravista colonial. Em meados do século XVII, Palmares chegou a reunir 20 mil pessoas.

Esse agrupamento passou a ser uma preocupação constante para a Coroa Portuguesa, que tentou até negociar com os quilombolas, oferecendo-lhes a liberdade se eles depusessem as armas. Um líder militar chamado Francisco e apelidado de Zumbi, o senhor da guerra, não aceitou esse acordo e se transformou no principal nome da resistência. Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança, o paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para organizar a invasão da região. Em 6 de fevereiro de 1694, depois de várias tentativas, o principal quilombo de Palmares, Macaco, foi destruído e Zumbi foi ferido. Apesar de ter sobrevivido, o líder da Confederação dos Quilombos de Palmares foi traído, capturado e morto no dia 20 de novembro de 1695. Os portugueses transportaram a cabeça de Zumbi para Recife, onde ela foi exposta em praça pública. A Lei Federal nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, instiuiu o dia 20 de novembro como o  Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) confere proteção às comunidades remanescentes de quilombos, reconhecendo aos seus moradores a propriedade definitiva da terra, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. No município do Rio de Janeiro existem quatro Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs) certificadas pela Fundação Cultural Palmares: Cafundá Astrogilda, Camorim - Maciço da Pedra Branca, Pedra do Sal e Sacopã. 

 

                                                                                                                                               Val Costa



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domingo, 12 de setembro de 2021

Revisitando "O Sertão Carioca": exposição comemorativa de 11 anos.

Neste aniversário de 427 anos de Jacarepaguá, o IHBAJA preparou alguns materiais para homenagear esta data festiva. O primeiro deles é um novo olhar sobre a exposição "Magalhães Corrêa - 125 anos de O Sertão Carioca" de 2010. 

    Em 2010, o Instituto Histórica da Baixada de Jacarepaguá disponibilizou ao público a exposição virtual “O sertão carioca” com as penas de Magalhães Corrêa que ilustram o livro homônimo deste autor. 
    Agora, em 2021, voltamos a apresentar a exposição, com novas imagens e design, objetivando trazer uma reflexão, tanto pela atualidade do livro quanto pela urgência em projetar e criar ações de preservação do patrimônio cultural, histórico e natural da nossa região. 
    Se na década de 1930, Magalhães Corrêa chamava a atenção para a constante destruição da fauna e flora de Jacarepaguá, além de apresentar os problemas sociais de uma região abandonada pelo poder público, hoje podemos traçar um paralelo com as transformações estruturais e urbanas pelos quais passou e ainda passa Jacarepaguá. 
    Magalhães Corrêa questionava o pensamento de que o sertão e os problemas sertanejos ocorriam em regiões afastadas do Rio de Janeiro (então Distrito Federal). Ao contrário, o sertão começava bem perto do centro urbano, a um pouco mais de 30 quilômetros. Seu “Sertão Carioca”, lugar de visitas turísticas, praias, rios e cachoeiras, era também o local do abandono, de mazelas sociais, da pobreza, do desmatamento e das fazendas em decadência. Bem diferente de uma urbanização incipiente encontrada na “porta de entrada” da região (Praça Seca, Tanque e as estradas das regiões da atual Pechincha e Freguesia), o resto da Baixada era um ambiente em sua essência rural, visto de forma pitoresca, mas ainda desconhecido pelo governo à época.
    Hoje, podemos pensar que o crescimento urbano e o olhar governamental sobre essa região mudou e muitas das antigas características se perderam. Porém é necessário refletir sobre como esses avanços ocorrem e qual o sentido de desenvolver e preservar, sem que ambos os conceitos sejam antagônicos e excludentes.
    O Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá deseja que todos apreciem esta exposição.


Para assistir diretamente no canal do Youtube do IHBAJA clique aqui.

Para uma navegação interativa (clicando em ícones de sua escolha) clique aqui que você será direcionado para arquivo pps.





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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Conjunto Sanatorial de Curicica, atual Hospital Municipal Raphael de Paula Souza, completa 70 anos em 2021.



Por Janis Cassilia
Formada em História pela UFRJ
Mestre em História das Ciências e da Saúde
Professora e pesquisadora do IHBAJA.

Inaugurado em 1951, o Conjunto Sanatorial de Curicica teve seu funcionamento iniciado em fevereiro de 1952 e foi destinado a internação de tísicos e do tratamento da tuberculose. A criação do hospital fazia parte do programa federal Campanha Nacional contra a da Tuberculose (CNCT), do Serviço Nacional de Tuberculose (SNT) que propunha a erradicação da doença no Brasil em até 10 anos. O tratamento para a tuberculose foi criado em 1946 e, portanto, acreditava-se que o isolamento dos doentes em Jacarepaguá, proporcionava solução para a disseminação e a cura através do tratamento pelo antibiótico estreptomicina.

"Vista aérea das obras do Sanatório de Curicica, fotografia com data de 25 de março de 1950." Fonte: Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Disponível em http://basearch.coc.fiocruz.br/.


O local escolhido para a criação do hospital era próximo a outro hospital de isolamento a Colônia Juliano Moreira e estava em terras da antiga Fazenda do Camorim. Assim, antes das obras foi necessário a abertura e asfaltamento de vias de acesso para o material da obra. O hospital foi projetado pelo arquiteto Sérgio Bernades, em projeto de hospital pavilhonar, o que o tornou um exemplo arquitetônico único entre os hospitais de isolamento de Jacarepaguá, na história da assistência pública de saúde no país e na história da tuberculose no Brasil.

Em uma área de 25 mil m², o Conjunto Sanatorial Curicica possuía capacidade para 1.500 leitos, era composto biblioteca, enfermarias, laboratório, centro cirúrgico, maternidade, biblioteca, administração, necrotério, alojamento para médicos e diretor, centro médico, biotério, capela, estação de tratamento de esgoto, subestação de luz e força, entre outros prédios típicos de hospitais de isolamento e que também existiam na Colônia e no Curupaiti. Porém, ao contrário destes dois, não previa a existência de uma comunidade dado ao alto grau de contágio da tuberculose e do plano de erradicação da doença. A imprensa na época noticiava a existência do hospital ligando sua inovação no tratamento e na arquitetura moderna à grandiosidade espacial do hospital.

"Obras do Sanatório Curicica, fotografia de 1950." Fonte: Base Arch da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Disponível em http://basearch.coc.fiocruz.br/.


A partir da década de 1980, o hospital foi dividido em duas partes. Uma administrada pelo município do Rio de Janeiro, que compunha o hospital, os serviços ambulatoriais e a administração, e outra composta pela Casa do Diretor e alojamentos que passaram a compor um centro de pesquisa, Centro de Referência Hélio Fraga, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), Fiocruz. Devido a falta de investimentos públicos em sua infraestrutura, a parte sob responsabilidade do município encontra-se em estado de má conservação e completo abandono, com pavilhões, enfermarias fechadas, inclusive o centro cirúrgico. Parte do terreno original do hospital sofreu com invasões havendo a criação de uma comunidade. Além disso, foi construída uma creche municipal e pavilhões foram demolidos pelo poder público alegando-se perigo de desabamento.
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sexta-feira, 18 de junho de 2021

Pixinguinha e o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, em Jacarepaguá



Renato Dória

 Nas fotos vemos Meira e Dino (violão), Canhoto (cavaquinho), Gilson de Freitas (pandeiro), Pixinguinha (saxofone), Benedicto Lacerda (flauta) e Luiz Gonzaga (sanfona). Em movimento, vemos Luiz Gonzaga ao centro, tocando sua sanfona ao lado de Benedicto Lacerda e sua flauta. A imagem mostra o entusiasmo de Benedicto diante do Rei do Baião, enquanto este ouve atentamente as notas suaves que ecoam da flauta. Ladeando Luiz Gonzaga e Benedicto Lacerda vemos Pixinguinha no sax e Canhoto no cavaquinho (à esquerda), Dino no violão (de costas) e Gilson de Freitas no pandeiro (na retaguarda). Um detalhe curioso da foto é a presença de um cinegrafista registrando o evento. Ele aparece em pé em destaque, numa altura acima dos convidados.

Os músicos posam e tocam em um almoço festivo em comemoração ao aniversário do jurista Eduardo Espínola, realizado em Jacarepaguá em novembro de 1947. O baiano Eduardo Espínola foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal em 1931, onde ocupou os cargos de vice-presidente (1937) e presidente (1940) durante os governos ditatoriais de Getúlio Vargas.

Pixinguinha foi morador e frequentador da região de Jacarepaguá em vários momentos de sua vida. Por volta dos seus onze anos de idade, ainda na infância, começou a tocar em festa e bailes, onde comparecia levando flauta e cavaquinho. Foi em uma reunião musical em Jacarepaguá que o menino prodígio Pixinguinha passou a ser reconhecido como músico. Na ocasião o pequeno gênio negro tocou a polca "língua de preto", de autoria de Honorino Lopes, durante meia hora sem errar, causando espanto na plateia.

 Na festa de aniversário do jurista Eduardo Espínola, em 11 de novembro de 1947, já havia um mês da estreia do programa de rádio "O pessoal da velha guarda", em que Pixinguinha tocava com Benedicto de Lacerda (flauta), Dino (violão de sete cordas), Meira (violão de seis cordas), Canhoto (cavaquinho), Gilson (pandeiro) e Pedro da Conceição (percussão).

Quatro anos antes de morrer, em 1969, Pixinguinha se mudou com sua esposa Betty para uma casa de vila no bairro da Praça Seca, na rua Pedro Teles número 423. Esta foi, provavelmente, a última passagem de Pixinguinha em vida pela região de Jacarepaguá.

Já Luiz Gonzaga contava apenas 35 anos em 1947 e lançara havia pouco tempo mais uma música de sucesso: Asa Branca. Desde 1939 o futuro Rei do Baião já fazia sucesso na cidade do Rio de Janeiro, onde conquistou o primeiro lugar no concurso de calouros do programa de rádio comandado por Ary Barroso.

 Em 1941 gravou um dos seus primeiros sucessos como solista, a música Vira e mexe. Dois anos depois Luiz Gonzaga faz uma apresentação na Rádio Nacional apresentando um figurino que seria a sua marca dali em diante: a roupa de vaqueiro nordestino.


Foto: Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional. 

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segunda-feira, 7 de junho de 2021

O CAMPESINATO NEGRO NAS FAZENDAS DOS BENEDITINOS DA BAIXADA DE JACAREPAGUÁ DO SÉCULO XIX

 


Um fato extremamente relevante a respeito das terras dos frades Beneditinos na Baixada de Jacarepaguá durante a segunda metade do século XIX, que atualmente correspondem aos bairros de Camorim, Vargem Pequena e Vargem Grande, era a existência de inúmeros lotes agricultáveis ocupados em arrendamento por trabalhadores negros libertos e escravizados num regime de "economia autônoma". Analisando documentos da época, o historiador Júlio Dória relata a existência de mais de 300 arrendatários nas terras do Engenho do Camorim e nas fazendas das Vargens.

No mesmo período, a quantidade de escravizados nas terras dos beneditinos em Jacarepaguá também é surpreendente, chegando a ultrapassar 1200. No entanto, o mesmo historiador destaca que as informações nos documentos pesquisados não são muito claras, ficando encoberto a origem étnica dos cativos e se procedência dos mesmos era ilegal, uma vez que o tráfico de escravizados já havia sido proibido há mais de 15 anos. Portanto, tais lacunas levam ao questionamento da possível existência da prática da escravização indígena concomitante à dos negros na região.

A respeito das alforrias praticas no mesmo período pelos beneditinos em suas terras, Júlio Dória informa que foram mais de 80, sendo que destas mais de 15 foram concedidas a mulheres escravizadas que haviam contraído matrimônio. Outros historiadores já registraram que nas terras beneditinas da Baixada Fluminense se verificava a existência das maiores quantidades de negros aquilombados, situação que se confirma em outras proporções na baixada de Jacarepaguá com a existência dos quilombos do Camorim e das Vargens. Além dos aquilombados, temos que considerar os ex-cativos que habitavam as terras dos religiosos e que puderam, por conta própria, comprar sua alforria.

Mas, afinal, o que estas informações significam para aquele período? Em primeiro lugar, devemos lembrar que a sociedade carioca do século XIX permitia por lei a escravização de  negros e isto tinha um peso considerável na organização das hierarquias sociais, determinadas por critérios étnico-raciais. Na prática isto
correspondia a uma posição social vantajosa aos indivíduos brancos em relação à negros, pardos e mestiços, mesmo havendo níveis semelhantes de riqueza ou de pobreza.

Em segundo lugar, considerando essa estrutura social racialmente excludente da sociedade carioca, a situação não era igualmente favorável em relação ao acesso à terra para negros e mestiços. No entanto, os dados acima, em relação às fazendas dos Beneditinos em Jacarepaguá, apontam para a direção contrária e constata a existência de um fenômeno bastante estudado pelos historiadores desde a década de 1970. Porém, igualmente negligenciado nos relatos sobre história de Jacarepaguá: a existência de um campesinato negro.

Sabe-se que era muito comum, no século XIX, os beneditinos concederem lotes de terra a homens negros e mulheres negras escravizados que decidissem se casar. Inclusive, esta prática era estimulada pelos religiosos. Por outro lado, é muito conhecida, também, a prática de fazendeiros do mesmo período, relatarem que a melhor forma de evitar as revoltas de negros escravizados nas fazendas de café era cedendo um lote de terras para que eles mesmos pudessem, a partir do próprio trabalho, obter o seu sustento.

Quanto aos quilombos, devido aos sucessivos embates contra as forças policias do Império, possuíam uma dinâmica de surgimento e deslocamento que foi responsável, em parte, pelo movimento de interiorização do espaço ocupado pela cidade. Os quilombos ocupavam áreas devolutas ou "desabitadas, entre os sítios próximos à área central ou aquelas localizadas nas  freguesias rurais". Mas, preferencialmente, os negros fugidos do cativeiro formavam os quilombos em áreas não aproveitadas pelas fazendas, como os charcos e as encostas de morros com densas coberturas florestais. No entanto, nas terras beneditinas de Iguaçu (Baixada Fluminense) os aquilombados estabeleciam estreita relação com os escravizados da senzala. Em Jacarepaguá, por exemplo, há registros de quilombos formados nas encostas dos morros e florestas desde o século XVII até por volta da década de 1880. O que torna razoável supor que por estas terras também havia um contato estreito entre quilombos e senzalas.

Estes exemplos redimensionam ainda mais a dinâmica de ocupação territorial e as possibilidades de acesso à terra em Jacarepaguá por parte de populações marginalizadas durante o século XIX: trabalhadores negros e trabalhadoras negras livres e pobres, escravizados ou ex-escravizados (libertos e alforriados) e quilombolas. Estes grupos contribuíram para formar um verdadeiro campesinato negro dentro do conjunto da população rural carioca daquele período. E na Baixada de Jacarepaguá não foi diferente, conforme os dados acima, pelo contrário, apontam para números bastante expressivos de negros e negras com acesso à terra.

Vê-se, portanto, que ao longo das décadas finais do século XIX o monopólio da terra pela grande propriedade senhorial e escravista não era, de forma alguma, absoluto na região de Jacarepaguá. Ao contrário, havia mecanismos que garantiam a possibilidade de homens negros e mulheres negras superarem as condições sociais de exclusão que eram colocados no contexto de uma sociedade rural e escravista.



Renato Dória é Professor de História da rede estadual de
ensino e pesquisador do IHBAJA. Estuda História local,
com ênfase em História da Zona Oeste do Rio de Janeiro e
movimentos sociais no campo e na cidade.

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sexta-feira, 2 de abril de 2021

 A História do bairro do Anil

 Por Val Costa, pesquisador do IHBAJA e professor de história e geografia

O Anil é um bairro de classe média situado na Baixada de Jacarepaguá. Possui uma área de 350,04 hectares e, de acordo com o Censo de 2010, tem 24.172 habitantes.

Praça Soldado Mário Koser Filho

O nome do bairro está relacionado ao grande número de anileiras que existiam nessas terras durante o período colonial. A anileira (Indigofera suffruticosa) é uma planta de origem asiática usada para produzir uma tinta azul, muito utilizada pela indústria têxtil, principalmente na confecção de jeans. Essa matéria-prima era transportada pelo rio Anil até a Lagoa do Camorim. Posteriormente, ela era colocada em pequenas embarcações e carregada até o porto do Rio de Janeiro, onde, finalmente, era transferida para navios que a levavam ao continente europeu.  A produção de anil durou até o século XVIII, depois a região foi tomada por plantações de café. A jusante do rio Anil observa-se, atualmente, algumas manilhas lançando esgoto em suas águas e um rápido processo de assoreamento ao longo do seu curso.

Rio Anil

As terras nas quais estão hoje os bairros do Anil, da Gardênia Azul e da Cidade de Deus pertenciam, até meados do século XIX, ao Engenho D’Água.  A casa-sede dessa fazenda ainda existe numa colina, situada no entroncamento da Estrada do Gabinal, Rua Edgard Werneck, Avenida Tenente-Coronel Muniz de Aragão e Avenida Ayrton Senna. A edificação está tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)  desde 1938.

Na época em que era Vice-Presidente de Juscelino Kubitschek, na segunda metade da década de 1950, João Goulart iniciou a construção de uma casa de veraneio em um sítio no Anil, localizado no final da Estrada do Quitite. Ela ficava no Sítio do Capim Melado, onde hoje está um condomínio de classe média alta.

João Goulart

Em abril de 1957, João Goulart começou a trazer vários empregados de sua cidade natal, São Borja, para a propriedade. Um dos mais conhecidos, Dirceu Trilha, foi preso e torturado durante a ditadura, falecendo aos 97 anos, em 2011. Trilha era o responsável por organizar a fila dos moradores de Jacarepaguá que queriam falar diretamente com Jango. No Documentário “Doutor Jango - Lembranças de um velho capataz”, Dirceu conta, através de fotos, muitas delas do sítio, toda a intimidade do ex-presidente.

 

 

 

 




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quarta-feira, 17 de março de 2021

Stella do Patrocínio: marginalizada e poetisa

 Por Janis Cassilia, pesquisadora do IHBAJA

Professora de História e mestre em História das ciências e da Saúde

Stella do Patrocínio nasceu em 1941. Era uma mulher negra e pobre cujo sustento era mantido pelo seu serviço como empregada doméstica. Era solteira, gostava de óculos de sol, caixa de fósforo, cigarro, Coca-Cola, leite condensado e biscoito de chocolate. Era alta e tinha porte de rainha. Não sabemos muito de sua história antes da internação. Em sua ficha as informações diziam apenas que foi abordada pela polícia no bairro de Botafogo, em 1962, quando pretendia tomar um ônibus para a Central do Brasil. Levada pela viatura policial até o pronto de socorro mais próximo, foi encaminhada ao Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de dentro, onde se tornou um “sujeito psiquiatrizado”. Em 1966, foi transferida para o Núcleo Teixeira Brandão, na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, local em que ficou até sua morte em 1992. Junta de Stella viviam outros quase 6 mil internos no complexo de hospitais da Colônia. Encarcerados, esquecidos e marginalizados.

Stella do Patrocínio
 

O perfil de Stella é o mais encontrado nos arquivos de hospitais psiquiátricos durante o século XX: mulheres negras e pobres, muitas analfabetas, que sabiam, talvez, assinar apenas o próprio nome. Consideradas indigentes, passaram longo tempo internadas, sem visitas regulares e com poucas anotações médicas em seus prontuários. Períodos de 10, 20 anos ou mais de internação que se refletem em prontuários vazios, quase em branco, muitos sem fotos, com informações escassas (diagnósticos, evasões, alguns exames ou anotações de tratamento e por fim o motivo da morte). Eram enterradas como indigentes. Esses prontuários expressam a ausência de voz dessas mulheres, silenciadas pelo sistema manicomial.

 A história de Stella teria o mesmo fim que tantas outras mulheres institucionalizadas se não fosse os esforços de técnicos, médicos, familiares e indivíduos contra o modelo manicomial psiquiátrico da época. Junto de outras mulheres participou do “Projeto de Livre Criação Artística” que funcionou na Colônia entre 1986 e 1988, conseguindo através da poesia que sua voz fosse ouvida. O seu falatório (oratória) expressa críticas à vida dentro da Colônia, ao controle de sua vida, corpo e à sociedade. Com a interrupção do projeto em 1989, foi realizado uma exposição com os principais trabalhos no Museu do Paço Imperial, entre eles o de Stella. Junto dela é importante mencionar o nome das outras artistas: Iracema Conceição dos Santos, Maria Hortência Bandeira da Costa, Maria José, Carolina Vieira Machado, Januária Marta de Souza e Simone Faria Maciel.

 O trabalho de registro do falatório de Stella do Patrocínio continuou entre 1990 e 1991 resultando entre outros produtos em um livro de poesias transcritas dos áudios dos falatórios de Stella, intitulado “Versos, reversos, pensamentos e algo mais ...” (1991).

Mais livros e homenagens foram criados e realizados após sua morte. Neste mês de reflexão sobre a luta pelos direitos das mulheres, personagens como Stella do Patrocínio que mantiveram suas vozes, em meio a uma morte social, são importantes para entendermos e refletirmos sobre a nossa sociedade atual. Para além da luta manicomial pelo qual Stella é um dos ícones e destaque, esta mulher, negra, pobre, psiquiatrizada tornou-se uma voz poderosa.

Alguns poemas de Stella do Patrocínio:



Olha quantos estão comigo

olha quantos estão comigo
estão sozinhos
Estão fingindo que estão sozinhos
pra poder estar comigo



Eu era gases puro

eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
eu era ar, espaço vazio, tempo
e gases puro, assim, ó, espaço vazio, ó
eu não tinha formação
não tinha formatura
não tinha onde fazer cabeça
fazer braço, fazer corpo
fazer orelha, fazer nariz
fazer céu da boca, fazer falatório
fazer músculo, fazer dente
eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
fazer cabeça, pensar em alguma coisa
ser útil, inteligente, ser raciocínio
não tinha onde tirar nada disso
eu era espaço vazio puro.

Referências:

CASSILIA. Janis A. P. Doença Mental e Estado Novo: A loucura de um Tempo. Dissertação no PPGHCS,. Rio de Janeiro, 2011.

VENANCIO, A. T. A. ; CASSILIA, J. A doença mental como tema: uma análise dos estudos no Brasil. Espaço Plural, v. 11, n.22, pp. 24-34, 1º. sem. 2010. 

ZACHARIAS, Anna C. V. Stella do Patrocínio ou o retorno de quem sempre esteve aqui. Revista Cult, 2020. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/stella-do-patrocinio-retorno-sempre-esteve-aqui/. Acesso em: 08 mar. 2021.

ZARA, Telma B. de M. "Eu sou um anega, preta e crioula": gênero e identidade na obra de Stela do Patrocínio. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. Disponível: http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1377028465_ARQUIVO_Texto_Completo_Fazendo_Genero_-_Telma_Beiser_de_Melo_Zara.pdf. Acesso em: 06 mar 2021.











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quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

PROBLEMAS SOBRE TRILHOS: o sistema de bondes em Jacarepaguá e os moradores descontentes

 


Os problemas com o transporte público em Jacarepaguá não são recentes. Todo morador da região que depende de ônibus ou BRT já teve que: 1. Acordar ou sair cedo, 2. Se acostumar com veículos lotados, 3. Pagar uma tarifa considerada cara por um serviço mal prestado, 4. Se acostumar com as constantes obras para “melhorar” o trânsito. Essa situação persiste desde a inauguração do primeiro transporte público que ligou o bairro ao restante da cidade: o bonde.

A linha de bonde inaugurada em 1875 aproximou Jacarepaguá do restante da cidade. Naquele ano foi inaugurada a Companhia Carril-Jacarepaguá com o sistema de bonde com tração animal. Em 1911, a Light comprou a companhia e se comprometeu a eletrificar o sistema até 1912. Fato que não se concretizou em sua totalidade. Em 1924, o Sr. Arthur Menezes, representante da Freguesia de Jacarepaguá na Assembleia Legislativa, protestou contra o projeto nº 83 do mesmo ano que exigiria a construção de muros (em zonas urbanas), cercas (zonas rurais) e calçadas (passeios) pelos moradores das residências cujas ruas passavam a linha de bonde. Menezes protestou pela injustiça da medida já que em Jacarepaguá o bonde que deveria ser eletrificado ainda era de tração animal. Em 1927, somente as linhas para o Tanque e Freguesia eram eletrificadas enquanto a demanda de usuários crescia vertiginosamente.

Em 1923, com o progressivo fechamento das Colônias Agrícolas da Ilha do Governador e do Hospício da Praia Vermelha, parte dos pacientes foi transferida para a Colônia de Psicopatas Homens de Jacarepaguá, à época em fase de construção (foi inaugurada em 1924). A transferência, segundo autoridades da época, realizou-se com os pacientes acorrentados nos vagões de trem até a estação de Cascadura e de lá até a Colônia através de carroças.

Um artigo publicado no “O Jornal”, em outubro de 1927, abordava a falta de organização na integração dos sistemas de Trens e Bondes em Jacarepaguá, gerando transtornos graves. Uma das principais queixas eram os horários das saídas e chegadas desses transportes, pois o trem com passageiros chegava em Cascadura cinco minutos depois da saída do bonde em direção à Jacarepaguá. Com intervalos de mais ou menos uma hora entre si, o passageiro que chegava às 15h35 em Cascadura perdia o bonde que saía às 15h30, só restando esperar pelo horário de 16h30 ou ir a pé até em casa.

Para além desses problemas, os bondes eram mal conservados e não forneciam segurança adequada para os passageiros. Existem várias reportagens da época que mostram pessoas presas entre bondes, automóveis e/ou carroças, brigas entre motoristas com ferimentos por arma branca, atropelamentos de pedestres e de animais.

Na década de 1940, a linha chegava até a Freguesia ou, como diziam,  “Porta d’Água”. Mas esse transporte não veio acompanhado de uma infraestrutura básica para seu funcionamento.  Em janeiro de 1940, uma obra da linha da Light de bondes trazia transtornos para os moradores do bairro. O largo do Tanque havia se tornado um verdadeiro campo de guerra, fazendo o ir e vir dos moradores ser um verdadeiro tormento. Um morador da região escreveu uma carta ao Jornal do Brasil reclamando da situação da obra e dando um panorama da situação: quebra-quebra, materiais da obra pelas ruas, sujeira e poeira, transtornos para pedestres e motoristas. Não parece uma situação atual no bairro? Em outra data, o mesmo jornal aponta um engavetamento de bondes ocorrido no mesmo largo, com vários feridos.

Jacarepaguá era, nessa época, um local cortado por sítios e fazendas com três grandes hospitais. Alguns redutos como Tanque, Pechincha, Freguesia e Praça Seca apresentavam pequenos comércios e algumas características urbanas. Em 1943, foi inaugurada a atual Avenida Menezes Côrtes ou Serra Grajaú-Jacarepaguá, para facilitar a locomoção entre a Baixada de Jacarepaguá e o restante da cidade. Dentro de Jacarepaguá também havia mudanças, os carros tornaram-se mais utilizados e os taxis rodavam pelas ruas levando gente para dentro e fora da região.

Mas para o autor da carta ao Jornal do Brasil, faltava interesse das autoridades em melhorar o serviço público de transportes. Para ele, Jacarepaguá era um lugar de beleza selvagem, e que continuava selvagem na sua infraestrutura. Ele cobrava atitudes das autoridades e mais comprometimento do prefeito da época.

Um número maior de carros passou a circular pelas ruas e, por consequência, aumentou a quantidade de acidentes. Em 1950, um taxi em alta velocidade bateu em um bonde, ferindo muitas pessoas que foram atendidas no Hospital do Meyer, localidade bem distante de Jacarepaguá. Os jornalistas aproveitaram para encher as páginas de fotos dos feridos. Era um jornalismo que vendia e vende até hoje o sensacionalismo! Os bondes foram desativados em 1964 e substituídos pelos ônibus.

 

                                                                                                                    Janis Cassília


Legenda foto:

Bonde elétrico circulando no Rio de Janeiro.

Disponível em: http://memoriacarris.blogspot.com/2014/

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domingo, 3 de janeiro de 2021

A Escola 7-19: ter ou não ter uma escola dentro da Colônia Juliano Moreira.

 


Durante muito tempo perguntou-se se a loucura era “contagiosa”. Estar próximo de loucos podia prejudicar a mente sadia? Na história da psiquiatria brasileira, alguns médicos defenderam a ideia de que, ao invés de se isolar o doente, o ideal seria reinseri-lo na sociedade. A Colônia Juliano Moreira nasceu com esta ideia.

Fundada em 1924, a Colônia Juliano Moreira, tinha como base o convívio controlado dos pacientes em um ambiente social sadio. Para isso foi criada uma vila de moradores, isto é, aqueles considerados “bons funcionários” e suas famílias eram convidados a residirem dentro da propriedade, ganhando terrenos para construírem suas casas. Esse foi o embrião do atual bairro Colônia. Com o tempo essa vila de moradores cresceu e começou a reivindicar melhorias no transporte, luz urbana, calçamento e estradas, parque, creche e escola. Parte dessas reivindicações foram atendidas pelo Governo Federal. Uma delas foi a criação da Escola 7-19, em um pavilhão, para atendimento dos filhos desses funcionários.

A Escola 7-19, hoje (Escola Municipal Juliano Moreira) encontra-se em outro prédio, logo na entrada da Colônia, no antigo pavilhão de atendimento a crianças e adolescentes do sexo masculino. Mas em 1943, o pavilhão utilizado, apresentava sinais de desgaste, além de um número de alunos que não pertencia à comunidade interna da Colônia. A escola cresceu e ganhou mais professoras. De fato, Jacarepaguá, era bastante deficiente em escolas. Segundo uma estimativa da época, eram necessárias 35 escolas para suprir a população da região. Mas qual a particularidade da Escola 7-19? Ela fez parte de um movimento social dentro da Colônia. Os hospitais psiquiátricos possuem como característica a “morte social” do paciente. Eles perdem suas famílias, amigos e identidades; passam a ser identificados e rotulados por números e diagnósticos. Para reinseri-los na sociedade, os dirigentes da Colônia criaram essa vila, onde os pacientes eram recebidos por famílias que conheciam seus temperamentos, gostos, fobias, manias, diagnósticos e histórias de vida.

Para os moradores, a existência dessa escola era vista por uns como problemática e por outros como justificável. Na Mesa Redonda  promovida pelo Jornal “Diário de Notícias” em 1943 e com a participação de personagens de destaque do Rio de Janeiro, a grande discussão girava na inconveniência da localização da 7-19. A Sra. Dyla Sá (educadora) relatou que uma das professoras ficou doente diante das cenas que presenciou. Ela se posicionou contra a existência dessa escola. O sr. Válter Rocha Miranda alertava que a escola servia apenas para funcionários, mas o Sr. Edmundo Melo declarava que a maior parte dos alunos não eram filhos de funcionários. Um funcionário da Colônia, de nome Bento Monteiro, afirmou que se os médicos não viam inconveniências na existência da escola porque eles veriam? A reportagem mostra como era a visão da loucura e a relação entre psiquiatras e moradores. Nem sempre a decisão médica era vista como benéfica. Como poderiam alunos inocentes conviver com loucos? Deveriam transferir a escola de local?

Outros problemas foram levantados: a falta de condução para as professoras, o funcionamento da segunda série escolar em um galpão improvisado, e a promessa de novas instalações para a escola. Mas a questão da Escola 7-19 estar dentro da Colônia foi muito forte. Diversas opiniões foram ouvidas, sem se chegar à um consenso. Ainda que tenha mudado para outro prédio, mais adequado às suas funções, a Escola 7-19 atravessou as décadas e deu origem à Escola Juliano Moreira. Passou a atender oficialmente alunos de fora da Colônia. Com a chegada da década de 1970 e a Reforma Psiquiátrica, algumas das antigas instalações da Colônia foram sendo desativadas e a internação passou a diminuir. O número de moradores aumentou, passando seus filhos a serem alunos da antiga Escola 7-19, outrora pioneira na promessa do tratamento da doença pelo convívio com as “boas famílias” da Colônia Juliano Moreira.

                                                                                                                           Janis Cassilia

                                                                                                                                                         Professora e pesquisadora do IHBAJA
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