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quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

PROBLEMAS SOBRE TRILHOS: o sistema de bondes em Jacarepaguá e os moradores descontentes

 


Os problemas com o transporte público em Jacarepaguá não são recentes. Todo morador da região que depende de ônibus ou BRT já teve que: 1. Acordar ou sair cedo, 2. Se acostumar com veículos lotados, 3. Pagar uma tarifa considerada cara por um serviço mal prestado, 4. Se acostumar com as constantes obras para “melhorar” o trânsito. Essa situação persiste desde a inauguração do primeiro transporte público que ligou o bairro ao restante da cidade: o bonde.

A linha de bonde inaugurada em 1875 aproximou Jacarepaguá do restante da cidade. Naquele ano foi inaugurada a Companhia Carril-Jacarepaguá com o sistema de bonde com tração animal. Em 1911, a Light comprou a companhia e se comprometeu a eletrificar o sistema até 1912. Fato que não se concretizou em sua totalidade. Em 1924, o Sr. Arthur Menezes, representante da Freguesia de Jacarepaguá na Assembleia Legislativa, protestou contra o projeto nº 83 do mesmo ano que exigiria a construção de muros (em zonas urbanas), cercas (zonas rurais) e calçadas (passeios) pelos moradores das residências cujas ruas passavam a linha de bonde. Menezes protestou pela injustiça da medida já que em Jacarepaguá o bonde que deveria ser eletrificado ainda era de tração animal. Em 1927, somente as linhas para o Tanque e Freguesia eram eletrificadas enquanto a demanda de usuários crescia vertiginosamente.

Em 1923, com o progressivo fechamento das Colônias Agrícolas da Ilha do Governador e do Hospício da Praia Vermelha, parte dos pacientes foi transferida para a Colônia de Psicopatas Homens de Jacarepaguá, à época em fase de construção (foi inaugurada em 1924). A transferência, segundo autoridades da época, realizou-se com os pacientes acorrentados nos vagões de trem até a estação de Cascadura e de lá até a Colônia através de carroças.

Um artigo publicado no “O Jornal”, em outubro de 1927, abordava a falta de organização na integração dos sistemas de Trens e Bondes em Jacarepaguá, gerando transtornos graves. Uma das principais queixas eram os horários das saídas e chegadas desses transportes, pois o trem com passageiros chegava em Cascadura cinco minutos depois da saída do bonde em direção à Jacarepaguá. Com intervalos de mais ou menos uma hora entre si, o passageiro que chegava às 15h35 em Cascadura perdia o bonde que saía às 15h30, só restando esperar pelo horário de 16h30 ou ir a pé até em casa.

Para além desses problemas, os bondes eram mal conservados e não forneciam segurança adequada para os passageiros. Existem várias reportagens da época que mostram pessoas presas entre bondes, automóveis e/ou carroças, brigas entre motoristas com ferimentos por arma branca, atropelamentos de pedestres e de animais.

Na década de 1940, a linha chegava até a Freguesia ou, como diziam,  “Porta d’Água”. Mas esse transporte não veio acompanhado de uma infraestrutura básica para seu funcionamento.  Em janeiro de 1940, uma obra da linha da Light de bondes trazia transtornos para os moradores do bairro. O largo do Tanque havia se tornado um verdadeiro campo de guerra, fazendo o ir e vir dos moradores ser um verdadeiro tormento. Um morador da região escreveu uma carta ao Jornal do Brasil reclamando da situação da obra e dando um panorama da situação: quebra-quebra, materiais da obra pelas ruas, sujeira e poeira, transtornos para pedestres e motoristas. Não parece uma situação atual no bairro? Em outra data, o mesmo jornal aponta um engavetamento de bondes ocorrido no mesmo largo, com vários feridos.

Jacarepaguá era, nessa época, um local cortado por sítios e fazendas com três grandes hospitais. Alguns redutos como Tanque, Pechincha, Freguesia e Praça Seca apresentavam pequenos comércios e algumas características urbanas. Em 1943, foi inaugurada a atual Avenida Menezes Côrtes ou Serra Grajaú-Jacarepaguá, para facilitar a locomoção entre a Baixada de Jacarepaguá e o restante da cidade. Dentro de Jacarepaguá também havia mudanças, os carros tornaram-se mais utilizados e os taxis rodavam pelas ruas levando gente para dentro e fora da região.

Mas para o autor da carta ao Jornal do Brasil, faltava interesse das autoridades em melhorar o serviço público de transportes. Para ele, Jacarepaguá era um lugar de beleza selvagem, e que continuava selvagem na sua infraestrutura. Ele cobrava atitudes das autoridades e mais comprometimento do prefeito da época.

Um número maior de carros passou a circular pelas ruas e, por consequência, aumentou a quantidade de acidentes. Em 1950, um taxi em alta velocidade bateu em um bonde, ferindo muitas pessoas que foram atendidas no Hospital do Meyer, localidade bem distante de Jacarepaguá. Os jornalistas aproveitaram para encher as páginas de fotos dos feridos. Era um jornalismo que vendia e vende até hoje o sensacionalismo! Os bondes foram desativados em 1964 e substituídos pelos ônibus.

 

                                                                                                                    Janis Cassília


Legenda foto:

Bonde elétrico circulando no Rio de Janeiro.

Disponível em: http://memoriacarris.blogspot.com/2014/

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domingo, 3 de janeiro de 2021

A Escola 7-19: ter ou não ter uma escola dentro da Colônia Juliano Moreira.

 


Durante muito tempo perguntou-se se a loucura era “contagiosa”. Estar próximo de loucos podia prejudicar a mente sadia? Na história da psiquiatria brasileira, alguns médicos defenderam a ideia de que, ao invés de se isolar o doente, o ideal seria reinseri-lo na sociedade. A Colônia Juliano Moreira nasceu com esta ideia.

Fundada em 1924, a Colônia Juliano Moreira, tinha como base o convívio controlado dos pacientes em um ambiente social sadio. Para isso foi criada uma vila de moradores, isto é, aqueles considerados “bons funcionários” e suas famílias eram convidados a residirem dentro da propriedade, ganhando terrenos para construírem suas casas. Esse foi o embrião do atual bairro Colônia. Com o tempo essa vila de moradores cresceu e começou a reivindicar melhorias no transporte, luz urbana, calçamento e estradas, parque, creche e escola. Parte dessas reivindicações foram atendidas pelo Governo Federal. Uma delas foi a criação da Escola 7-19, em um pavilhão, para atendimento dos filhos desses funcionários.

A Escola 7-19, hoje (Escola Municipal Juliano Moreira) encontra-se em outro prédio, logo na entrada da Colônia, no antigo pavilhão de atendimento a crianças e adolescentes do sexo masculino. Mas em 1943, o pavilhão utilizado, apresentava sinais de desgaste, além de um número de alunos que não pertencia à comunidade interna da Colônia. A escola cresceu e ganhou mais professoras. De fato, Jacarepaguá, era bastante deficiente em escolas. Segundo uma estimativa da época, eram necessárias 35 escolas para suprir a população da região. Mas qual a particularidade da Escola 7-19? Ela fez parte de um movimento social dentro da Colônia. Os hospitais psiquiátricos possuem como característica a “morte social” do paciente. Eles perdem suas famílias, amigos e identidades; passam a ser identificados e rotulados por números e diagnósticos. Para reinseri-los na sociedade, os dirigentes da Colônia criaram essa vila, onde os pacientes eram recebidos por famílias que conheciam seus temperamentos, gostos, fobias, manias, diagnósticos e histórias de vida.

Para os moradores, a existência dessa escola era vista por uns como problemática e por outros como justificável. Na Mesa Redonda  promovida pelo Jornal “Diário de Notícias” em 1943 e com a participação de personagens de destaque do Rio de Janeiro, a grande discussão girava na inconveniência da localização da 7-19. A Sra. Dyla Sá (educadora) relatou que uma das professoras ficou doente diante das cenas que presenciou. Ela se posicionou contra a existência dessa escola. O sr. Válter Rocha Miranda alertava que a escola servia apenas para funcionários, mas o Sr. Edmundo Melo declarava que a maior parte dos alunos não eram filhos de funcionários. Um funcionário da Colônia, de nome Bento Monteiro, afirmou que se os médicos não viam inconveniências na existência da escola porque eles veriam? A reportagem mostra como era a visão da loucura e a relação entre psiquiatras e moradores. Nem sempre a decisão médica era vista como benéfica. Como poderiam alunos inocentes conviver com loucos? Deveriam transferir a escola de local?

Outros problemas foram levantados: a falta de condução para as professoras, o funcionamento da segunda série escolar em um galpão improvisado, e a promessa de novas instalações para a escola. Mas a questão da Escola 7-19 estar dentro da Colônia foi muito forte. Diversas opiniões foram ouvidas, sem se chegar à um consenso. Ainda que tenha mudado para outro prédio, mais adequado às suas funções, a Escola 7-19 atravessou as décadas e deu origem à Escola Juliano Moreira. Passou a atender oficialmente alunos de fora da Colônia. Com a chegada da década de 1970 e a Reforma Psiquiátrica, algumas das antigas instalações da Colônia foram sendo desativadas e a internação passou a diminuir. O número de moradores aumentou, passando seus filhos a serem alunos da antiga Escola 7-19, outrora pioneira na promessa do tratamento da doença pelo convívio com as “boas famílias” da Colônia Juliano Moreira.

                                                                                                                           Janis Cassilia

                                                                                                                                                         Professora e pesquisadora do IHBAJA
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