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domingo, 6 de janeiro de 2013

O comunista de Jacarepaguá


Pedro Coutinho Filho foi um dos principais militantes do Partido Comunista do Brasil(PCB) com atuação quase que exclusiva em Jacarepaguá.
De todos os militantes que atuaram na regiã foi de longe o que mais mereceu a atenção dos órgãos de informação da polícia política, do “farto dossier” (sic) produzido sobre ele é que colhemos boa parte das informações que aqui apresentamos. Pedro Coutinho nasceu em 10 de junho de 1901. Era professor, engenheiro civil e advogado. Ingressou no PCB em 1935, mas só começou o trabalho como militante dois anos depois, possivelmente foi nesse momento que recebeu o codinome “Cícero”. Por sua atuação esteve preso de 13 de janeiro a 12 de julho de 1937, e de 3 de dezembro de 1937 a 4 de junho de 1938, por ter sido condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional à pena de 1 ano de “prisão celular”. Por suas “atividades comunistas” esteve novamente preso entre 25 de março de 1940 a 29 de agosto de 1940. Trabalhou, profissionalmente falando, por muito tempo em Jacarepaguá, fator que talvez tenha pesado na decisão (dele ou do partido) de escolher o Sertão Carioca como área de atuação, muito embora não tenha se restringido a ela. Justamente o que mais nos chama atenção na sua trajetória é a diversidade de campanhas e organizações comunistas de que tomou parte ( e ás vezes a frente) em diferentes regiões. Além de Jacarepaguá, atuava também em Nova Iguaçu e no subúrbio da Leopoldina (Zona Norte). Integrou quase que de forma simultânea as seguintes organizações: década de 40 - Comitê Distrital de Jacarepaguá, Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, Liga Camponesa de Jacarepaguá, Liga Camponesa do Distrito Federal, Comitê Democrático Progressista de Nova Iguaçu; década de 50 - Centro Nacional de Estudos e Defesa do Petróleo(CEPDEN), Comissão Executiva Pró-Reforma Agrária, a Liga de Emancipação Nacional e a Associação Rural de Jacarepaguá. Em função disso, Pedro Coutinho esteve na linha de frente de Campanhas como as da nacionalização do petróleo, da Reforma Agrária, da Imprensa Popular e pela defesa da posse da terra dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Além de ser simples membro, Pedro Coutinho exercia cargos de direção em algumas daquelas organizações. Foi o primeiro presidente do Comitê Democrático Progressista de Jacarepaguá, fundado em junho de 1945, e posteriormente fez parte do seu Conselho Fiscal e da Secretaria de Massa Eleitoral, chegando a se tornar seu presidente de honra. Foi também presidente da Liga Camponesa de Jacarepaguá e membro da diretoria da Liga Camponesa do Distrito Federal. 

Tribuna Popular, 16/05/1947, p. 2
      Segundo o agente da polícia política encarregado da produção de seu dossiê, essa ampla inserção de Pedro Coutinho em diferentes campanhas e organizações comunistas e, principalmente, a posição de direção que exercia em várias delas se daria pelo fato de estar “estreitamente ligado ao líder e chefes comunistas no país”, tanto assim que foi “um dos organizadores e oradores de vários comícios do líder LUIZ CARLOS PRESTES e outros chefes comunistas”. Exagero  ou não, o fato é que Pedro Coutinho parecia usufruir boa relação com homens bem situados na estrutura partidária do PCB, pois além de ocupar posições de direção daquelas entidades locais era também um dos dirigentes do CEPDEN, organismo de âmbito nacional que se ocupava de uma das principais frentes de luta do partido na década de 50, o da nacionalização do petróleo, que tinha como lema “O Petróleo é nosso”. No final de outubro de 1951, era ele quem presidia a “conferência sobre Petróleo e defesa da Economia Nacional” realizada em Grajaú. 

Coutinho apresentando uma reivindicação dos lavradores de Jacarepaguá. Tribuna Popular, 16/02/1945, p. 4.

      Mas foi no exercício da função de advogado das entidades sediadas em Jacarepaguá que Pedro Coutinho deve ter despertado real interesse por parte dos pequenos lavradores. É provável também que muitos deles tenham se filiado àquelas entidades justamente por poder contar com serviços jurídicos, tendo para isso apenas que pagar uma módica quantia cobrada a todos os seus sócios. Ao menos, essa era a expectativa de muitos sócios da Liga Camponesa de Jacarepaguá, na década de 40, e da Associação Rural de Jacarepaguá, nas décadas de 50 e 60. E em todas elas Coutinho foi o seu advogado. Ele também foi advogado da Associação de Lavradores de Campo Grande e Guaratiba, onde tinha entre seus clientes Manoel Ferreira, objeto de uma ação movida pelo “grileiro” Joaquim Rodrigues Pazo. Foi também um dos procuradores, junto com Heitor Rocha Faria, da comissão do Distrito Federal da I Convenção Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, realizada em São Paulo em 1953, eleita para participar dos trabalhos da Convenção Pela Emancipação Nacional, no ano seguinte.


Coutinho em evento do jornal Tribuna Popular. 6/6/1945, p. 5.
 
      Mas há um outro ponto importantíssimo presente na atuação de Pedro Coutinho (e na dos militantes comunistas de uma maneira geral): a inserção que tinha na estrutura partidária, possibilitou-lhe, entre outras coisas, atuar em diferentes campanhas e integrar a direção de diferentes organizações, favorecendo a realização de um objetivo que era muito caro ao PCB numa época de grande competição política com os setores ligados ao trabalhismo de Getúlio Vargas, especialmente o PTB: a unificação ou, ao menos, a integração desses movimentos numa frente comum de luta, de modo que isso fortalecesse a imagem do PCB como o principal partido das classes trabalhadoras. Nesse caso, ela poderia se dar sob a forma de manifestações de apoio, solidariedade e mesmo de adesão, entre membros de diferentes lutas ou campanhas.  Esse talvez tenha sido o principal capital político que Pedro Coutinho tentou obter junto aos lavradores organizados naquelas entidades, procurando, a todo momento, fazer com que eles encampassem as bandeiras de outras campanhas do partido e, em contrapartida, fazer com que essas outras campanhas tomassem como suas as reivindicações dos pequenos lavradores do Sertão Carioca. Essa parece ter sido a sua grande tarefa ao participar como convidado especial da Assembléia organizada por posseiros de Curicica em comemoração a uma vitória que obtiveram contra “grileiros” na justiça. Nela Coutinho teria conseguido a adesão desses posseiros à Convenção pela Emancipação Nacional, chegando a eleger para tanto uma comissão encarregada de acompanhar os trabalhos preparatórios desse evento. Mas não sem antes assegurar a eles que “nenhuma questão de importância para a vida do país escapará à discussão e à análise” da Convenção. “Assim, os problemas mais sentidos dos Lavradores, inclusive os de Curicica, serão ventilados”.

Neste local - entre Freguesia e Pechincha - funcionava a sede da Liga Camponesa de Jacarepaguá.


      Dois anos depois vemos Coutinho tentar unificar a pauta do movimento dos lavradores do Sertão Carioca com outros movimentos, e conseqüentemente obter seu apoio. Foi o caso da reunião, por ele presidida, da Comissão Executiva do Distrito Federal Pró-Reforma Agrária, na sede da Liga da Emancipação Nacional. Nessa reunião ele conseguiu reunir dois deputados, algumas lideranças sindicais como Lyndolpho Silva, representantes do Sindicato dos Têxteis e representantes das Associações de Lavradores de Jacarepaguá e de Coqueiros. As medidas discutidas foram a coleta de assinaturas pela Reforma Agrária, cuja cota determinada foi de 320 mil, e a colaboração da Comissão ao II Congresso de Lavradores do Distrito Federal.

       
Orgão comunista convocando para evento em defesa da Nacionalização do Petróleo em Cascadura. Coutinho organizaria alguns deles em Jacarepaguá.

Em outubro de 1955, às vésperas das eleições presidenciais daquele ano, o jornal comunista Imprensa Popular, demonstrando ter certeza de que Pedro Coutinho tivesse sua atuação reconhecida pela grande maioria dos lavradores do Sertão Carioca, chamou-o de “líder camponês”. Foi nesta condição que ele conclamou “seus companheiros de profissão[ os “camponeses” cariocas] a votar em J-J” (chapa presidencial composta por Juscelino Kubitschek e João Goulart). Só “com êles”, continuava Coutinho, “teremos o clima desejável para que consigamos vencer os grileiros, a distribuição de terras aos lavradores, títulos definitivos das terras já cultivadas pelos posseiros, revisão dos contratos e fixação à terra, concessão de crédito fácil”, etc.
      Curiosamente, a partir de meados da década de 50 até o mais ou menos 1963, não veríamos Pedro Coutinho desempenhar atuação de destaque em eventos públicos organizados por entidades do PCB com a mesma freqüência de antes. Seu trabalho parece ter se concentrado na prestação de assistência jurídica às “organizações camponesas” do Sertão Carioca. Sabe-se apenas que Coutinho integrou em 1961 uma Comissão Brasileira de Solidariedade ao Povo Cubano, organizada provavelmente após os acontecimentos ocorridos na Baía dos Porcos envolvendo grupos cubanos dissidentes apoiados pelos EUA.
      Ele voltaria a se destacar em alguns eventos “camponeses” ocorridos em 1963. Em maio desse ano Coutinho integraria junto com Antônio Caseiro, Teobaldo José Ribeiro, Manoel Rodrigues e Manoel Agapito - presidentes respectivamente das Associações Rurais de Jacarepaguá, Santíssimo, Guaratiba e Mendanha – e outras personalidades, a “comissão promotora” da II Conferência dos Lavradores da Guanabara. Meses depois, em novembro, ele também teria “liderado” uma “concentração” de lavradores em frente a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara. O objetivo, segundo ele, era lembrar aos parlamentares que
a gravidade da situação alimentar da população do Estado é, em parte, conseqüência do abandono e miséria em que se encontra o lavrador carioca, sem terra própria, sem auxílio técnico e financeiro, sem mercadoria garantida para os seus transportes e, ainda perseguido pelos exploradores imobiliários e pelos grileiros”.

Fazia-se mister que tais parlamentares tomassem não só medidas de urgência, mas principalmente  “modificações estruturais” no campo, pois só elas – e isso valia para o restante do país - poderiam fazer com que os lavradores do Sertão Carioca deixassem de ser um “peso morto”.

Prestes, a principal inspiração política e ideológica de Coutinho. Visitou Jacarepaguá por diversas vezes.


      A atuação de Pedro Coutinho junto às “organizações camponesas” foram suficientes para que aqueles que, segundo a “grande” imprensa, “salvaram” o país do “risco da comunização” com o golpe de 64, incluísse-lo na lista de indiciados do Inquérito Policial Militar nº709, chefiado pelo general Ferdinando de Carvalho, e que tinha por tarefa apurar a responsabilidade de reais e supostos participantes da “onda de agitação e subversão” que pretendia varrer os valores democráticos e cristãos do país. Aliás, Pedro Coutinho era o único de todos esses indiciados que tinha como base de atuação o Sertão Carioca.

Leonardo Soares dos Santos
Professor e Historiador, UFF, IHBAJA, USS