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domingo, 14 de outubro de 2012

As obras de saneamento no Sertão Carioca das décadas de 30 e 40



As obras de saneamento no Sertão Carioca 
das décadas de 30 e 40

 Por Leonardo Soares dos Santos
Professor Adjunto II do SFC/UFF
Membro do IHJA



As obras realizadas pela Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense (DSBF) nas Baixadas de Jacarepaguá e Sepetiba foram outro importante acontecimento verificado na zona rural dessa época. Junto com a “febre da laranja”, essas obras ajudaram a consolidar a imagem da zona rural como uma região de “fronteira aberta”. Era do desejo de seus principais mentores fazer da zona rural um “cinturão verde” capaz de promover o abastecimento quase completo do Distrito Federal. Mas a importância daquelas obras reside também no fato de ter feito da zona rural uma área de expansão não apenas para a agricultura. Com os melhoramentos do DSFB, a região estava definitivamente aberta para uma outra expansão, a dos negócios imobiliários. Estes, por sua vez, eram cada vez mais regidos por uma nova modalidade – a produção em massa de lotes urbanos.

 
     O órgão da União originalmente encarregado dessas obras, a Comissão de Saneamento, visava intervir apenas na área da Baixada Fluminense e tinha como plano os seguintes objetivos: a) projetar, executar ou fiscalizar obras de saneamento da Baixada Fluminense; b) produzir estudos sobre sua bacia hidrográfica; c) elaborar um plano de desenvolvimento econômico para a região; d) executar o levantamento de um cadastro imobiliário de toda região da Baixada Fluminense; e) elaborar uma legislação especial para o saneamento e conservação das obras. Os trabalhos gerais foram iniciados em julho de 1933. Logo depois a Comissão foi transformada em um Departamento com funções extensivas a todo o território nacional. Com isso, as áreas próximas da Baixada Fluminense foram incorporadas no roteiro de melhoramentos. A primeira delas foi a Baixada de Sepetiba. Essa região, apesar da proximidade com a Baixada Fluminense, tinha problemas que lhe eram bastante específicos: “as obras na Bacia de Sepetiba”, como bem destaca Alberto Lamego, não tinham finalidades agrícolas, pois, havia “complexidades urbanísticas visíveis”. Aqui o objetivo era prever a defesa do Núcleo Colonial de Santa Cruz contra as enchentes da bacia do Guandu e erradicar os focos permanentes de impaludismo. Segundo Leonardo J. Fernandes, “por trás desses planos de obras” havia o interesse na valorização fundiária de uma área equivalente a 2.167 Km² (2 trilhões e 167 milhões de ha). Seja como for, as obras ali chegaram em 1935, com o desmatamento de toda vegetação no interior dos rios e em suas margens. Dois fatos chamavam a atenção dos técnicos do DNOS: o primeiro era a existência de focos permanentes de impaludismo e o segundo, a convivência nessa mesma região de uma área “próspera e intensamente cultivada” com “enormes áreas inaproveitadas”. Mais uma vez vinha à tona a imagem do Sertão Carioca como região de contrastes. Em termos práticos, as obras teriam provocado uma melhora nas condições de salubridade da região; muitos pântanos e brejos foram saneados, tornando-se terras próprias para a agricultura. Para isso, inúmeros canais e valas foram construídos ou dragados. Outra importante consequência foi a valorização fundiária dessas áreas, chegando-se a ponto de vários canais terem seus traçados modificados em função de loteamentos; o próprio DSBF, promoveria a abertura de valas de drenagem em propriedades particulares de modo a torná-las mais valorizadas. 
    Processo semelhante se verificaria na Baixada de Jacarepaguá, terceira região a sofrer as intervenções do DSBF. As obras ali chegaram em 1937. Um grande surto de malária levou o ministério da Educação e Saúde Pública e sua Inspetoria de Engenharia Sanitária a se ocupar da região. Os estudos desses órgãos constataram que os brejos e manguezais na orla das lagoas de Jacarepaguá eram obstáculos ao curso das águas, constituindo-se num “veículo para o impaludismo”. Uma das soluções propostas – e que foi aprovada - foi a regularização dos rios da bacia contribuinte das lagoas da Tijuca, Camorim e Marapendi. Devido á pressão exercida por Companhias Imobiliárias que atuavam na restinga de Sernambetiba, chegou-se a cogitar no aterramento dessas lagoas. Mesmo tendo sido recusada essa proposta, os interesses de agentes imobiliários não foram de todo frustados, já que o próprio DSFB apresentava como principais objetivos de seus trabalhos na Baixada de Jacarepaguá a extinção de “focos de anofelinos” e, segundo palavras de um engenheiro do órgão, a “melhora da estética deste recanto de turismo do Distrito Federal”; iniciativas que num futuro próximo poderiam até mesmo facilitar a implantação de loteamentos na região, embora essa não pereça ter sido a intenção dos agentes do DSFB. É como se finalmente, o DSBF estivesse em fins dos anos 30 atendendo aos anseios de sanitaristas da década de 10, embora já demonstrasse não ter certeza sobre o fim mais adequado a ser dado a essas terras, se para a agricultura ou se para a ocupação urbana. De qualquer forma, o primeiro tinha sido parcialmente alcançado: em 1939, Hildebrando de Góes, diretor do DSBF, afirmava que inúmeros brejos tinham sido extintos, ocasionando uma sensível diminuição dos focos de malária. Contudo, esta só seria totalmente erradicada em 1957. Todavia, a consecução bem-sucedida do segundo objetivo dava o ar da graça com bastante mais antecedência, muito embora não da forma esperada. O almejado “melhoramento estético” ocasionou um aumento da especulação imobiliária em áreas recuperadas pelo DSBF. Já em 37, o mesmo Hildebrando de Góes, apresentava e lamentava os dados sobre essa conseqüência: nas terras que margeavam a Lagoa da Tijuca, o metro quadrado tinha conhecido uma valorização de 200%; em Vargem Grande, ela era de 1.500%.
     É importante frisar que a extraordinária valorização fundiária na região não se deveu apenas às obras do DSBF. Também contribuíram para isso outras obras de infra-estrutura do governo federal realizadas ao longo das décadas de 30 e 40, como a abertura das estradas do Joá e Menezes Cortes (atual Grajaú-Jacarépaguá), a eletrificação da Central do Brasil, e a construção da avenida Brasil. Sem esquecer que a extensão das linhas de bonde e, principalmente, de ônibus, exerciam papel fundamental no processo de incorporação urbana da zona rural. A expansão das vias de comunicação e a melhoria das condições de salubridade passam a encorajar os empreendedores imobiliários a retalhar seus terrenos não mais para arrendar ou vender a pequenos lavradores. Assiste-se nesse momento à consolidação de um mercado efetivo de compra e venda de terras que se destinava à construção de loteamentos. O curioso é que ao contrário do que afirma Pechman e outros pesquisadores, esse mercado de terras não ocasionará - ao menos de forma completa – a incorporação urbana do Sertão Carioca. Não parece haver dúvidas de que boa parte desses loteamentos conduziu à implantação de um mercado imobiliário urbano. Os anúncios dos terrenos vão deixando de enfatizar a existência de benfeitorias de recursos de uso agrícola, dedicando-se a atrair compradores com a menção de “qualidades urbanas” como proximidade em relação a vias de comunicação (estradas, avenidas, linhas de trem, bonde etc) e existência de serviços de luz, água encanada, esgoto e telefone. Mas esses loteamentos não eram exclusivamente urbanos. Alguns loteamentos eram constituídos de lotes rurais, outros buscavam conciliar as duas funções (urbana e rural) através dos lotes para veraneio. Vejamos esses anúncios, de Campo Grande e Senador Câmara respectivamente:
-          “No DF, 4 milhões de m², em zona servida por trem elétrico, bonde a porta; projeto de loteamento para 600 lotes: não aceito intermediário”.

-          “Casas, terrenos e Sítios – uma estação depois de Bangu, água encanada, luz, telefone, bom comercio, trens de meia e meia hora, 10 minutos da Central; 600 casas a serem construídas em 40 dias, por 55 mil; financiado pelo IAPC;(...) mais de 100 lotes em ruas construídas, a 2 minutos da estação a partir de 6 mil...”







        Estamos lidando com um mercado de terras que poderíamos chamar de híbrido, ainda longe de ter uma forma puramente urbana. Contudo, fosse urbano, rural ou de veraneio, os loteamentos pareciam ser um negócio altamente rentável. Os lucros proporcionados por tal tipo de negócio faziam com que muitos se oferecessem para a compra de grandes propriedades na região, como nos mostra esse anúncio de Campo Grande:
Compra-se sitio, até 300.000 m², que tenha nascente, com queda d’água, não distando do Rio mais de 2 horas e em lugar de recursos e saudável. Com ou sem benfeitorias. Dá-se preferência para Campo Grande.

        Outros preferiam tão somente se oferecer como corretores de imóveis para a simples intermediação desses negócios: “Sítio – Campo Grande – Querendo vender seu sítios, chácara ou área de terra, exclusivamente neste local, encarregando-me sem o menor aborrecimento (...) qualquer dia qualquer hora.

        Outro fator que passa ganhar ênfase nos anúncios de venda de terras a partir de meados da década de 40 é a possibilidade de serem usados como ativo financeiro. Com a onda inflacionária que passa a tomar conta do país, os rendimentos que se podiam ter com a especulação de terras eram bem maiores do que com a produção agrícola. E mesmo quando se tratava de lotes urbanos, os anunciantes não deixavam de destacá-los. Desejosa de vender lotes em Jacarepaguá, “recanto tradicional dos nobres da Corte, tradicional solar dos barões da Taquara, Visconde de Asseca e Camarista Mor Thedim de Sequeira”, a Companhia de Extenção Territorial, dizia oferecer o “melhor week-end para o carioca”, servido com água, luz, telefone, ônibus e bondes; localizado num lugar que “dentro em breve será ligado à cidade pela estrada Três Rios-Grajaú”. E para quem ainda não estivesse convencido das vantagens dessa “oportunidade única” o anunciante argumentava que: “A aquisição de uma propriedade nesse futuroso bairro, a par das delícias de uma vida alegre no campo, proporcionará a aplicação segura de capital, compensada por uma valorização certa..”
      Quatro anos depois, vemos a mesma companhia, “que há 26 anos, vem colaborando para o progresso do RJ”, anunciar a venda de lotes do Parque Campo Lindo em Campo Grande, “em condições tais, de preço e facilidade de pagamento, que só seus amplos recursos e vasta experiência podiam permitir”. A companhia a apresentava como uma “bomba atômica nos negócios de terrenos”. Afirmando ter vendido todos os dois mil lotes do primeiro loteamento, a companhia lançava agora o segundo loteamento, “nas mesmas condições excepcionais que garantiram o sucesso anterior”. Os lotes “de 15x15” e as chácaras “de 2.000 m² a 10.000m²”, segundo ela, eram “planos e prontos para edificar e cultivar”, ficavam a 15 minutos de Campo Grande e eram servidos por nada menos do que oitenta trens elétricos diários, o que garantia aos terrenos do Parque Campo Lindo um “desenvolvimento rápido e valorização certa”. Até porque, como arrematava sugestivamente a Companhia: “Só vende terras que valem ouro”.




        Também podemos notar nos anúncios dos anos 40 a introdução de algumas inovações nas formas de propaganda dos empreendedores imobiliários. Estes investirão largamente na utilização de uma linguagem muito semelhante à dos primeiros textos de divulgação do Sertão Carioca como o de Magalhães Correia. É a representação da zona rural como um recanto paradisíaco que dará cor às estratégias de venda dos grandes loteamentos dirigidos para a classe média. Tal objetivo faz com que os classificados de imóveis tenham entre seus termos mais recorrentes, referências do tipo “clima privilegiado”, “clima de sanatório”, “vista deslumbrante”, “recanto aprazível e sossegado”. Mas se com Magalhães Corrêa essas figuras de linguagem, ao realçar as belezas da região, vinham acompanhadas de exortações em favor da preservação do Sertão Carioca, com os loteadores elas funcionavam no sentido da aceleração de sua incorporação ao mercado imobiliário. 
      É nesse momento também - e há nisso uma grande contribuição por parte das obras do DSBF – que as referências sobre a zona rural como o lugar da doença cairia em desuso. O que não aconteceria com a referência que a tomava como um lugar abandonado por parte dos poderes públicos. Estes vinham promovendo o saneamento, mas a agricultura, a infra-estrutura, os serviços públicos e as questões envolvendo conflitos de terra na região pareciam não merecer a mesma atenção.