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terça-feira, 5 de setembro de 2017

O CASO DO IPASE: 50 minutos para ocupação e os problemas das moradias populares em Jacarepaguá.



Por Janis Cassilia
Pesquisadora do IHBAJA

20 de abril de 1963, sábado, 23:40 da noite. Mais de cem veículos estacionam em frente ao Conjunto Habitacional Juscelino Kubitscheck, mais conhecido como o IPASE de Jacarepaguá. Em questões de minutos uma multidão, descarrega seus pertences, adentram os blocos e tomam posse de 125 apartamentos. A polícia é chamada, mas ao chegar às 00:30 de domingo (21 de abril) não encontra mais nenhum veículo sendo descarregado. Somente apartamentos ocupados por famílias numerosas (na maior parte por crianças pequenas) e em cujas portas estava escrito em giz “OCUPADO”. Os invasores ameaçam resistir caso os policiais forcem a desocupação. O administrador do conjunto chamou a invasão de premeditada e organizada. Os novos moradores dão crédito apenas a si mesmos. Não falam em líderes ou um movimento político específico. Falam em movimento coletivo, de pobres injustiçados por uma autarquia de quem são contribuintes. Exigiram seus direitos a ocupar os apartamentos. Dizem que há dois anos têm seus pedidos indeferidos. Denunciam a preferência pelos pistolões políticos, os aluguéis dos apartamentos a terceiros que nada tem a ver com o funcionalismo público. A autarquia lhes negou justiça. Resolveram eles mesmos consegui-la.



Conjunto Habitacional do IPASE, Praça Seca, Rio de Janeiro. Imagens Google Earth.


Inaugurado em 1956, o Conjunto Habitacional Juscelino Kubistchek, o popular IPASE, foi um projeto habitacional financiado pelo Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE) como parte de um projeto governamental para a solução de moradias populares dentro de padrões aceitáveis de higiene e saúde pública. Tal ideia vem desde o final do século XIX e ganhou força no século XX. Após 1964, o problema das moradias populares ganhou impulso com investimentos na área. Foram os casos dos conjuntos habitacionais de Olaria e Realengo. Os projetos, elogiados à época pelas soluções de engenharia e arquitetura, foram manchetes em revistas estrangeiras. Através dos IAPs e os CAPs (Caixas e Instituto de Aposentadorias e Pensões), o governo inaugurou a época das COHABs (Conjunto de Habitação Popular Brasileira).




Manchete do Jornal  Correio da Manhã de 21 de abril de 1963. 
Fonte: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

A invasão do IPASE em Jacarepaguá expôs o problema deste sistema de moradias. Em tese, elas seriam destinadas aos servidores com menores salários, mas acabavam com aqueles mais favorecidos, os chamados “pistolões”, que alugavam essas residências por valores considerados altos. Na fila de espera, as famílias de baixa renda e com inúmeros dependentes viam o conjunto abandonado e habitado por homens solteiros, “bicheiros” e pessoas sem qualquer vínculo com o IPASE. Eles eram na sua maioria, funcionários de baixos níveis das repartições e órgãos, pais e mães de famílias com em média 5 ou 6 filhos. Ao entrarem nos apartamentos encontraram os prédios deteriorados, com infestações de ratos e baratas. Realizaram ligações clandestinas de energia e reivindicaram para si um direito que lhes havia sido negado.


 Manchete do Jornal Última Hora, segunda-feira, 22 de abril de 1963. Fonte: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/



O diretor do IPASE foi ao local ouvir os invasores. Numa postura de conciliação, os administradores do conjunto, junto com a diretoria do órgão decidiram mantê-los nos respectivos apartamentos ocupados. Eles passaram então da condição de “invasores” a “novos moradores”. Condição sempre contestada pelas autoridades quando havia ocorrência de irregularidades. Em 1969, a Light decidiu cortar as luzes de todos os apartamentos por falta de pagamentos do IPASE. O administrador do conjunto culpava os “novos moradores-invasores”, pois os mesmos “não pagam aluguel nem as luzes”. Os moradores culpavam o IPASE pela não cobrança. Esta foi apenas uma de uma série de conflitos existentes entre os dois grupos. Denúncias de assaltos, homicídios, atropelamentos e rachas foram algumas das que chegaram à público. De um lado os funcionários dos correios e o restante dos moradores reclamando da fraca infraestrutura, péssimo sistema de coletas de lixo e a má conservação dos edifícios, culpando a administração ineficiente e o abandono do IPASE. Do outro o administrador do condomínio reclamando da permanência dos mesmos e o IPASE não repassando verbas. Nos seis anos de diferença entre o episódio de chegada dos assegurados e suas famílias até o fim da década de 1960, a visão sobre o conjunto foi se modificando. O IPASE passou a figurar nas páginas dos jornais de arquitetura elogiada para reduto da pobreza. Ao mesmo tempo, os novos moradores mobilizaram-se pelo espaço. Atuaram em diretorias políticas, em Jornadas Femininas, na construção de um colégio, torneios de futebol, bailes e festas públicas. Sozinhos ou em conjunto com a administração do local. Os moradores do Conjunto Habitacional Juscelino Kubistchek na década de 60 atuaram de forma política em um sistema que os marginalizava. Reivindicaram não apenas sua moradia, mas a cidadania.


Vista aérea em 2D do IPASE na Praça Seca, Rio de Janeiro. Imagens Google Earth.